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O TEMPLO DE JÚPTER

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 186-192)

Nas proximidades das fontes do Ebro, eleva-se o monte Kaukaión. Espessas florestas de carvalhos servem-lhe de proteção. Coroa-o um círculo de rochedos e de pedras ciclópicas. Há milênios este lugar é uma montanha santa. Os pelasgos, os celtas, os citas e os getos, caçando-se uns aos outros, alternadamente foram ali adorar Deuses diferentes. Mas não é sempre o mesmo Deus que o homem procura quando sobe tão alto? Se não, por que construiria, tão penosamente, uma morada na região dos raios e dos ventos?

Um templo de Júpiter eleva-se agora no centro do recinto sagrado, maciço, inabordável como uma fortaleza. À entrada, um peristilo de quatro colunas dóricas destaca seus fustes enormes sobre um pórtico sombrio.

No zênite, o céu está sereno; mas a tempestade estruge ainda sobre as montanhas da Trácia, que desdobram ao longe seus vales e seus cumes, negro oceano crispado pela tempestade e sulcado de luz.

É a hora do sacrifício. Os sacerdotes de Kaukaión só praticam o sacrifício do fogo. Descem os degraus do templo e acendem a oferenda de madeira aromática como um archote do santuário. No fim, o pontífice sai do templo. Vestido de linho branco como os demais, coroado de mirtas e de cipreste, ele empunha um cetro de ébano com cabeça de marfim e uma cinta de ouro, onde cintilam cristais sombrios, símbolo de uma realeza misteriosa. É Orfeu.

Conduz pela mão um discípulo, filho de Delfos, que, pálido, trêmulo e maravilhado, aguarda as palavras do grande Inspirado com o estremecimento dos mistérios. Orfeu compreende isto e, para tranqüilizar o místico eleito de seu coração, abraça-o ternamente. Seus olhos sorriem, mas de repente chamejam. E enquanto a seus pés os sacerdotes giram em torno do altar e cantam o hino do fogo, Orfeu, solenemente, diz ao místico bem-amado palavras de iniciação que caem no fundo de seu coração como um licor divino.

Eis as aladas palavras de Orfeu ao jovem discípulo:

- Recolhe-te bem no fundo de ti mesmo, para te elevares ao Princípio das coisas, à grande Tríade que reluz no Éter imaculado. Consome teu corpo pelo fogo de teu pensamento; desliga-te da matéria como a chama se desliga da madeira que ela devora. Então teu espírito se projetará até o puro éter das Causas eternas, como a águia ao trono de Júpiter.

“Vou revelar-te o segredo dos mundos, a alma da natureza, a essência de Deus. Escuta primeiro o grande arcano. Um único ser reina no céu profundo e no abismo da terra, Zeus trovejante, Zeus etéreo. Ele é o conselho profundo, o ódio poderoso e o amor delicioso. Ele reina nas profundezas da terra e nas alturas do céu estrelado: sopro das coisas, fogo indômito, macho e fêmea, um Rei, um Poder, um Deus, um grande Mestre.

“Júpiter é o esposo e a esposa divina, Homem e Mulher, Pai e Mãe. De seu matrimônio sagrado, de suas núpcias eternas saem incessantemente o Fogo e a Água, a Terra e o Éter, a Noite e o Dia, os Altivos Titãs, os Deuses imutáveis e a flutuante semente dos homens.

“Os amores do Céu e da Terra não são conhecidos pelos profanos. Os mistérios do Esposo e da Esposa só são revelados aos homens divinos. Mas eu quero declarar a verdade. Ainda há pouco, o trovão abalava estes rochedos; o raio caía como um fogo vivo, uma chama rolante; e os ecos das montanhas bramiam de alegria. Tu, no entanto, tremias, sem saberes de onde vem este fogo nem onde ele bate. É o fogo masculino, semente de Zeus, o fogo criador. Ele sai do coração e do cérebro de Júpiter; move-se em todos os seres. Quando cai o raio, ele brota de sua mão direita. Mas, nós, seus sacerdotes, nós conhecemos sua essência; nós evitamos e algumas vezes dirigimos as suas flechas.

“E agora, contempla o firmamento, vê o círculo brilhante de constelações, sobre o qual se estende o leve manto da Via Láctea, poeira de sóis e de mundos. Vê flamejar o Orion, cintilar os Gêmeos e resplandecer a Lira. É o corpo da Esposa divina que volteia numa vertigem harmoniosa aos cantos do Esposo. Olha com os olhos do

espírito e verás sua cabeça invertida, seus braços estendidos, e levantarás seu véu semeado de estrelas.

“Júpiter é o Esposo e a Esposa divina. Eis o primeiro mistério. “Agora, porém, filho de Delfos, prepara-te para a segunda iniciação. Estremece, chora, goza, adora! Porque teu espírito vai mergulhar na zona ardente onde o grande Demiurgo faz a mistura da alma e do mundo na taça da vida. Bebendo nessa taça inebriante, todos os seres esquecem a divina morada e descem para o doloroso abismo das gerações.

“Zeus é o grande Demiurgo. Dionísio é seu filho, seu Verbo manifesto. Dionísio, espírito radioso, inteligência viva, resplandecia nas moradas de seu pai, no palácio do Éter imutável. Um dia em que, debruçado, contemplava os abismos do céu através das constelações, viu refletida no azul profundo sua própria imagem que fugia, estendendo-lhe os braços. Apaixonado por esse belo fantasma, enamorado de seu duplo, precipitou-se para tomá-lo nos braços. Mas a imagem fugia, fugia sempre. Afinal, ele se viu num vale sombrio e perfumado, gozando as brisas voluptuosas que acariciavam seu corpo. Numa gruta, percebeu Perséfone. Maia, a bela tecelã, tecia um véu onde se viam ondular as imagens de todos os seres. Diante da virgem divina ele se deteve, mudo de admiração. Nesse momento, os altivos Titãs e as livres Titânidas perceberam-no. Os primeiros, ciumentos de sua beleza, as outras, tomadas de um amor louco, atiraram-se sobre ele como elementos furiosos e o fizeram em pedaços. Depois, tendo distribuído seus membros, colocaram-nos para ferver na água e enterraram seu coração. Júpiter fulminou os Titãs e Minerva transportou para o Éter o coração de Dionísio, que, ali, se transformou num sol ardente. E, da fumaça do corpo de Dionísio, saíram as almas dos homens que sobem para o céu. Quando as pálidas sombras tiverem se reunido ao coração flamejante do Deus, elas se acenderão como chamas, e Dionísio ressuscitará inteiro, mais vivo do que nunca, nas alturas do Empíreo.

“Eis o mistério da morte de Dionísio. Agora, escuta o da sua ressurreição. Os homens são a carne e o sangue de Dionísio; os homens infelizes são membros esparsos que se buscam, contorcendo-se no

crime e no ódio, na dor e no amor, através de milhares de existências. O calor ígneo da Terra, o abismo das forças inferiores os leva sempre em frente para a voragem e os dilacera cada vez mais. Mas, nós, os iniciados, nós que sabemos o que está no alto e o que está embaixo, nós somos os salvadores das almas, os Hermes dos homens. Como amantes, nós os atraímos para nós, assim como nós mesmos somos atraídos pelos Deuses. Assim, por meio de celestes encarnações, reconstituímos o corpo vivo da divindade. Fazemos chorar o céu e rejubilar a terra; e, como jóias preciosas, trazemos em nossos corações as lágrimas de todos os seres para transformá-las em sorrisos. Deus morre em nós. Em nós ele renasce”.

Assim falou Orfeu. O discípulo de Delfos ajoelhou-se diante do mestre, com os braços erguidos, o gesto dos suplicantes. E o pontífice de Júpiter estendeu a mão sobre sua cabeça, pronunciando estas palavras de consagração:

“Que Zeus inefável e Dionísio três vezes revelador, nos infernos, na terra e no céu, sejam propícios à tua juventude e que derramem em teu coração a ciência dos Deuses”.

Então, o iniciado, deixando o peristilo do templo, foi lançar o

styrax no fogo do altar e invocou três vezes Zeus tonitruante. Os

sacerdotes giravam em círculo em torno dele, cantando um hino. O pontífice-rei ficara pensativo sob o pórtico, com o braço apoiado numa estela. O discípulo voltou a ele, dizendo:

– Melodioso Orfeu , filho amado dos Imortais e doce médico das almas, desde o dia em que te escutei entoar os hinos dos Deuses, na festa de Apolo délfico, arrebataste meu coração e eu te segui por toda a parte. Teus cantos são como um vinho que embriaga, teus ensinamentos, como uma bebida amarga que reergue o corpo abatido e difunde em seus membros uma força nova.

E fala Orfeu, que parecia responder mais a vozes interiores do que a seu discípulo:

– Áspero é o caminho que daqui de baixo leva aos Deuses. Uma senda florida, uma rampa escarpada e depois rochedos perseguidos pelo raio, cercados pelo espaço imenso – eis o destino do Vidente e do

Profeta na Terra. Meu filho, permanece nas veredas floridas da planície e não busques o além.

Respondeu-lhe o jovem iniciado:

– Minha sede aumenta à medida que a sacias. Tu me tens instruído sobre a essência dos Deuses. Mas, dize-me, grande mestre dos mistérios, inspirado no divino Eros, poderei eu vê-los um dia?

Falou o pontífice de Júpiter:

- Sim, com os olhos do espírito e não com os do corpo. Ora, tu não sabes enxergar ainda a não ser com estes. É preciso um longo trabalho ou grandes dores para se abrirem os olhos interiores.

– Tu somente sabes abri-los, Orfeu! Contigo, o que poderei temer?

– Queres? Escuta, então! Na Tessália, no vale encantado de Tempe, ergue-se um templo místico, fechado para os profanos. É lá que Dionísio se manifesta para os místicos e para os videntes. Convido-te para sua festa, que se realizará dentro de um ano. E, mergulhando-te num sono mágico, abrir-te-ei os olhos para o mundo divino. Que até lá tua vida seja casta e branca tua alma. Pois, deves sabê-lo, a luz dos Deuses apavora os fracos e mata os profanadores. Mas, vem à minha morada, que eu te darei o livro necessário para tua preparação.

O mestre voltou para o interior do templo com o discípulo délfico e o conduziu até a grande cela que estava reservada para ele. Lá, queimava uma lâmpada egípcia sempre acesa, suspensa por um gênio alado, forjado em metal. Lá, estavam encerrados, nos cofres de cedro odorífero, numerosos rolos de papiro cobertos de hieróglifos e de caracteres fenícios, assim como os livros escritos em idioma grego por Orfeu e que continham sua ciência mágica e sua doutrina sagrada (1).

O mestre e o discípulo conversaram na cela durante uma parte da noite.

(1). Entre os numerosos livros perdidos que os escritores órficos da Grécia atribuíam a Orfeu havia as Argonáuticas, que tratavam da grande obra hermética; a Demetreida, um poema sobre a mãe dos Deuses, ao qual

correspondia uma Cosmogonia, os cantos sagrados de Baco ou Espírito puro, que tinham por complemento uma Teologia; sem falar de outras obras como O

véu e a trama das almas, a arte dos mistérios e dos ritos; o livro das mutações, química e alquimia; As coribantes ou os mistérios terrestres e os tremores de

terra; a anemoscopia, ciência da atmosfera; uma botânica natural e mágica, etc.

III

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 186-192)