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O TRIUNFO E A MORTE

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 76-88)

Depois de ter instruído seus discípulos no monte Meru, Krishna. seguiu com eles pelas margens do Djamuna e do Ganges, a fim de converter o povo. Entrava nas cabanas e detinha-se nas cidades. À tarde, nos arredores das aldeias, a multidão se juntava em torno dele. Antes de tudo, o que ele pregava ao povo era a caridade para com o próximo. “Os males com que afligimos nosso próximo perseguir-nos-ão assim como nossa sombra segue nosso corpo. – As ações que têm por princípio o amor ao semelhante são as que devem ser ambicionadas pelo justo, pois serão elas que pesarão mais na balança celeste. – Se freqüentas os bons, teus exemplos serão inúteis; não temas viver entre os maus para reconduzi-los ao bem. – O homem virtuoso é semelhante ao castanheiro gigante, cuja sombra benfazeja dá às plantas que o rodeiam o frescor da vida.”

Algumas vezes, Krishna, cuja alma agora exalava um perfume de amor, falava da abnegação e do sacrifício, com uma voz suave e usando imagens sedutoras. “Assim como a terra suporta aqueles que a pisam e dilaceram suas entranhas, lavrando o seu solo, assim também devemos retribuir o mal com o bem. – O homem honesto deve cair sob o golpe dos maus como a árvore de sândalo, que, ao ser abatida, perfuma o machado que a feriu.” Quando os falsos-sábios, os incrédulos ou os orgulhosos lhe pediam que explicasse a natureza de Deus, ele respondia por meio de sentenças como estas: “A ciência do homem é apenas vaidade; todas as suas boas ações são ilusórias quando ele não sabe levá-las a Deus. – Aquele que é humilde de coração e de espírito é amado por Deus; e não tem necessidade de outra coisa. – O infinito e o espaço, sozinhos, podem compreender o infinito; mas, somente Deus pode compreender Deus".

Não eram só estas as novidades de seu ensinamento. Ele arrebatava, ele arrastava a multidão, sobretudo pelo que dizia do Deus vivo, de Visnu. Ensinava que o senhor do Universo já se encarnara mais

de uma vez entre os homens, aparecendo, sucessivamente, nos sete richis, em Viasa e em Vasichita. Ele aparecia ainda. Visnu, porém, às vezes se comprazia em falar pela boca dos humildes, em um mendigo, em uma mulher arrependida, em uma criança, segundo Krishna. Ele, então, narrava ao povo a parábola do pobre pescador, Durga, que havia encontrado um menino morrendo de fome, sob um tamarineiro. O bom Durga, embora mergulhado na miséria e sobrecarregado com uma família numerosa que não sabia como alimentar, sentiu piedade do menino e levou-o para casa. Naquela hora, o sol tinha desaparecido, a lua elevava-se sobre o Ganges, a família tinha feito a oração da tarde, quando o menino murmurou a meia voz: “O fruto do cataca purifica a água; assim também as boas ações purificam a alma. Toma tuas redes, Durga, e fica flutuando com tua barca no Ganges”. Durga lançou suas redes, que se dobraram sob o peso dos peixes. O menino, porém, desaparecera. Assim, dizia Krishna. quando o homem esquece sua própria miséria pela dos outros, Visnu se manifesta e o torna feliz em seu coração. Por meio de tais exemplos, Krishna pregava o culto de Visnu. E, quando falava o filho de Devac, todos ficavam maravilhados por sentirem Deus tão perto do coração.

A fama do profeta do monte Meru espalhou-se por toda a Índia: Os pastores, que o tinham visto crescer e tinham assistido às suas primeiras façanhas, não podiam acreditar que aquele santo personagem fosse o herói impetuoso que conheceram. O velho Nanda falecera, mas ainda viviam suas duas filhas que Krishna amava, Sarasvati e Nichidali. Diversos tinham sido seus destinos. Sarasvati, irritada com a partida de Krishna. havia procurado o esquecimento no matrimônio. Tornara-se a mulher de um homem de casta nobre, que ficara enfeitiçado por sua beleza, mas, em seguida, a tinha repudiado e vendido para um vaicia ou negociante. Mais tarde, por desprezo, Sarasvati abandonara esse homem para tornar-se uma mulher de má vida. Depois, certo dia, com o coração desolado, cheia de remorso e de desgosto, resolveu voltar para sua terra, indo secretamente procurar a irmã, Nichidali. Esta, pensando sempre em Krishna, como se ele estivesse presente, não se casara e vivia junto de

um irmão, como criada. Tendo Sarasvati lhe contado seus infortúnios e sua vergonha, Nichidali respondeu:

– Minha pobre irmã! Eu te perdôo, mas nosso irmão não te perdoará. Somente Krishna. poderia salvar-te.

Uma chama brilhou nos olhos apagados de Sarasvati. – Krishna ... ! O que é ele agora?

– Um santo, um grande profeta. Ele prega às margens do Ganges. – Vamos encontrá-lo! – disse Sarasvati.

E as duas irmãs partiram, uma desonrada pelas paixões, a outra, perfumada de inocência, mas ambas consumidas pelo mesmo amor.

Krishna continuava ensinando sua doutrina aos guerreiros ou chátrias. Alternadamente ele interpelava os brâmanes, os homens da casta militar e o povo. Aos brâmanes, explicava as verdades profundas da ciência divina, com a calma da idade madura; diante dos rajás, celebrava as virtudes guerreiras e familiares, com o fogo da juventude; ao povo, falava com simplicidade de uma criança, sobre a caridade, a resignação e a esperança.

Krishna estava sentado à mesa de um banquete, na casa de um renomado chefe, quando as duas mulheres pediram para serem apresentadas ao profeta. Deixaram-nas entrar, por causa de suas vestes de penitentes. Ambas prosternaram-se aos pés de Krishna. Sarasvati, derramando uma torrente de lágrimas, clamou:

– Desde que nos deixaste, entreguei-me a uma vida de erros e de pecado. Mas, se quiseres, Krishna, poderás salvar-me!...

Nichidali acrescentou:

– Krishna! Quando te vi outrora, sabia que te amaria para sempre. Agora que te reencontro na glória, sei que és o filho de Maadeva!

E as duas beijaram-lhe os pés. Os rajás, entretanto, disseram: – Por que, santo richi, permites que estas mulheres do povo te insultem com suas palavras insensatas?

Krishna. respondeu-lhes:

– Deixai-as extravasar seu coração. Elas valem mais do que vós. Pois esta possui a fé e aquela, o amor. Sarasvati, a pecadora, está salva, a partir deste momento, porque acreditou em mim. E Nichidali, com seu

silêncio, amou muito mais a verdade do que vós, com todos os vossos gritos. Sabei que minha mãe radiosa, que vive no sol de Maadeva, ensinar-lhes-á os segredos do amor eterno, enquanto todos vós permanecereis mergulhados nas trevas das vidas inferiores.

Desde este dia, Sarasvati e Nichidali juntaram-se a Krishna. e o seguiram com seus discípulos. E, inspiradas por ele, ensinaram às outras mulheres.

Cansa reinava ainda em Madura. Desde o assassinato do velho Vasichita, o rei não encontrava mais paz em seu trono. A profecia do anacoreta tinha se realizado: o filho de Devac estava vivo! O rei o vira e, ao seu olhar, sentira fundir-se sua força e sua realeza. Ele tremia por sua vida como uma folha seca, e muitas vezes, apesar dos guardas, ele se voltava bruscamente, esperando ver o jovem herói, terrível e radioso, de pé à soleira da porta. Por seu lado, Nisumba, enrolada em seu leito, no fundo do gineceu, sonhava com seus poderes perdidos. Quando ela soube que Krishna, tendo se tornado profeta, pregava às margens do Ganges, persuadiu o rei a enviar contra ele uma tropa de soldados para o trazerem amarrado. Quando Krishna. os percebeu, sorriu e lhes disse:

– Sei quem sois e porque viestes. Estou pronto a seguir-vos para junto de vosso rei; mas, antes, deixai-me falar-vos do rei do céu, que é o meu rei.

E começou a falar de Maadeva, de seu esplendor e suas manifestações. Quando terminou, os soldados entregaram-lhe suas armas, dizendo:

– Nós não te levaremos preso para o nosso rei, mas te seguiremos até o teu rei.

E permaneceram a seu lado. Sabendo disso, Cansa ficou terrivelmente amedrontado. Nisumba, então, falou:

– Envia os primeiros do reino.

Assim foi feito. Eles foram até a cidade onde Krishna ensinava, tendo prometido não escutá-lo. Mas, quando viram o brilho de seu olhar, a majestade de suas atitudes e o respeito que lhe testemunhava a multidão, não puderam deixar de ouvi-lo. Krishna falou-lhes da servidão daqueles que fazem o mal e da liberdade dos que praticam o

bem. Os guerreiros ficaram cheios de alegria e de surpresa, porque se sentiram livres de um peso enorme. E disseram:

– Tu és, em verdade, um grande mágico. Pois tínhamos jurado levar-te ao rei com correntes de ferro; mas, agora, nos é impossível fazê-lo, pois nos livraste de nossas correntes.

Voltaram para junto de Cansa e lhe disseram:

– Nós não pudemos trazer-te o homem. Ele é um grande profeta e nada tens a temer dele.

O rei, vendo que tudo era inútil, mandou triplicar seus guardas e colocar correntes de ferro em todas as portas do palácio. Um dia, porém, ouviu um grande barulho na cidade, gritos de alegria e de triunfo. Os guardas vieram dizer-lhe: “É Krishna quem entra em Madura. O povo arromba as portas e arrebenta as correntes de ferro.” Cansa quis fugir, mas os próprios guardas o obrigaram a permanecer no trono.

Com efeito, Krishna, seguido de seus discípulos e de grande número de anacoretas, entrava em Madura, enfeitada com estandartes, no meio da multidão compacta, semelhante a um mar agitado pelo vento. Ele entrava sob uma chuva de guirlandas e de flores. Todos o aclamavam. Diante dos templos, os brâmanes, se mantinham agrupados sob as bananeiras sagradas, para saudar o filho de Devac, o vencedor. da serpente, o herói do monte Meru, e sobretudo o profeta de Visnu. Seguido de um brilhante cortejo e saudado como um libertador pelo povo e pelos guerreiros, Krishna foi à presença do rei e da rainha e disse:

– Tu tens reinado apenas por meio da violência e do mal, e mereceste mil mortes, pois mataste o santo velho, Vasichita. Contudo, não morrerás ainda. Quero provar ao mundo que não é matando-os que se triunfa sobre os inimigos vencidos, mas perdoando-lhes.

Cansa bradou:

– Feiticeiro maldito, tu me roubaste a coroa e o reino! Acaba comigo!

Krishna replicou:

– Falas como um insensato. Pois, se morresses nesse estado de disparate, de insensibilidade e de crime, estarias irrevogavelmente

perdido na outra vida. Se, ao contrário, começares a compreender tua loucura e dela te arrependeres, teu castigo será menor e, pela intervenção dos puros espíritos, Maadeva te salvará um dia.

Nisumba sussurrou ao ouvido do rei:

– Idiota! Aproveita-te da loucura do orgulho dele. Enquanto se está vivo, resta a esperança da vingança.

Krishna compreendeu o que ela havia dito mesmo sem escutar. E lançou-lhe um olhar severo, de piedade penetrante:

– Ah! infeliz! Sempre teu veneno! Corruptora, feiticeira! Só tens o veneno das serpentes em teu coração. Extirpa-o, ou um dia serei forçado a esmagar-te a cabeça. Agora, irás com o rei para um lugar de penitência, para expiares teus crimes, sob a vigilância dos brâmanes.

Depois desses acontecimentos, Krishna, com o consentimento dos grandes do reino e do povo, consagrou Ardjuna, seu discípulo, o mais ilustre descendente da raça solar, como rei de Madura. Conferiu autoridade superior aos brâmanes, tornando-os conselheiros de reis. Ele próprio ficou como chefe dos anacoretas, que formaram o conselho superior dos brâmanes. Para livrar este conselho das perseguições, mandou construir, para eles e para si próprio, um forte no meio das montanhas, defendido por uma alta muralha, em torno da qual passou a habitar uma população escolhida. Ela se chamava Duarca. No centro desta vila estava o templo dos iniciados, cuja parte mais importante ficava escondida num subterrâneo (l).

Todavia, quando os reis do culto lunar souberam que um rei do culto solar subira ao trono de Madura e que os brâmanes, por intermédio dele, tornar-se-iam, os senhores da Índia, formaram entre si urna aliança poderosa para o destronarem. Ardjuna, por seu lado, reuniu em torno de si todos os reis do culto solar da tradição branca, ariana e védica. Do fundo do templo de Duarca, Krishna os acompanhava e dirigia. Afinal, os dois exércitos se defrontaram e a batalha decisiva era iminente. Ardjuna, porém, não tendo mais o mestre junto de si, sentiu o espírito perturbar-se e enfraquecer sua coragem.

Um dia, ao amanhecer, Krishna apareceu diante da tenda do rei, seu discípulo, repreendendo-o severamente:

– Por que não iniciaste ainda o combate que deve decidir se vão reinar sobre a terra os filhos do sol ou os filhos da lua?

Ardjuna explicou:

– Sem ti eu não posso. Olha esses dois exércitos imensos e essas multidões que vão se matar mutuamente.

Da elevação onde se encontravam, o senhor dos espíritos e o rei de Madura contemplaram os dois imensos exércitos, organizados em fila, um defronte do outro. Viam-se ali brilhar as cotas de malhas douradas dos chefes; milhares de infantes, de cavalos e de elefantes aguardavam o sinal do combate. Naquele instante, o chefe do exército inimigo, o mais velho dos Curavas, soprou em uma concha marinha, na grande concha cujo som parecia o rugido de um leão. Ao mesmo tempo, repentinamente, ouviram-se no vasto campo de batalha rinchos de cavalos, um barulho confuso de armas, de tambores e de trombetas. E foi um grande rumor. Ardjuna tinha somente que subir em seu próprio carro, puxado por cavalos brandos, e soprar em sua concha de um azul celeste para dar aos filhos do sol o sinal para avançar. Mas, eis que o rei foi invadido pela piedade e disse, muito abatido:

– Ao ver essa multidão que se defronta, sinto inertes os braços. Minha boca está ressequida, meu corpo treme, meus cabelos se eriçam, minha pele queima e meu espírito está perturbado. Pressinto maus augúrios. Nenhum bem pode vir desse massacre. O que faremos dos reinos, dos prazeres e mesmo da vida? Aqueles mesmos, para os quais desejamos reinos, prazeres, alegrias, ali estão de pé, prontos para lutar, esquecendo sua vida e seus bens. Preceptores, pais, filhos, avós, tios, netos, parentes, vão estrangular-se. Eu não desejo matá-los para reinar sobre os três mundos, muito menos ainda para reinar sobre esta terra. Que prazer poderei sentir matando meus inimigos? Mortos os traidores, o pecado recairá sobre nós.

Disse-lhe, então, Krishna:

– Como é que foste dominado por este flagelo do medo, indigno do sábio, fonte de infâmia que nos expulsa do céu? Não sejas efeminado. De pé!

Mas Ardjuna, aniquilado pelo desalento, sentou-se em silêncio e disse:

– Eu não combaterei!

Então Krishna, o rei dos espíritos, continuou com um leve sorriso: – Ardjuna! Chamei-te o rei do sono porque teu espírito está sempre vigilante. Mas teu espírito adormeceu e teu corpo venceu tua alma. Choras por aqueles que não deverias chorar, e tuas palavras são desprovidas de sabedoria. Os homens instruídos não lamentam nem os vivos nem os mortos. Eu e tu, e esses comandantes de homens, nós sempre existimos e jamais cessaremos de existir no futuro. Assim como nestes corpos a alma passa pela experiência da infância, da juventude e da velhice, da mesma maneira acontecerá em outros corpos. Um homem de discernimento não se perturba com isto. Filho de Bárata! suporta o desgosto e o prazer com o mesmo ânimo. Os que não são mais atingidos por eles, merecem a imortalidade. Os que vêem a essência real vêem a eterna verdade que domina a alma e o corpo. Saiba, pois, que aquele que atravessa todas as coisas está acima da destruição. Ninguém pode destruir o Inesgotável. Todos esses corpos não perdurarão, tu o sabes. Mas os videntes sabem também que a alma encarnada é eterna, indestrutível e infinita. Por isso, vai combater, descendente de Bárata! Enganam-se igualmente aqueles que acreditam que a alma pode matar ou ser morta. Ela nem mata e nem é morta. Ela nem nasce e nem morre; e não pode perder o ser que ela sempre teve. Como uma pessoa rejeita velhas roupas para vestir novas, assim a alma encarnada rejeita seu corpo para tomar outros. Nem a espada a corta, nem o fogo a queima, nem a água a molha, nem o ar a seca. Ela é impermeável e incombustível. Durável, eterna, firme, ela atravessa tudo. Não deverias, pois, te inquietar com o nascimento nem com a morte, oh! Ardjuna! Porque, para aquele que nasce, a morte é certa; e, para aquele que morre, também é certo o nascimento. Observa teu dever sem tropeçar; porque, para um chátria, não há nada melhor do que um combate justo. Felizes os guerreiros que encontram a batalha como uma porta aberta para o céu! Mas, se não queres travar este combate justo, cairás no pecado, abandonando teu dever e tua fama. Todos os seres falarão de

tua infâmia eterna, e a infâmia é pior do que a morte para aquele que foi honrado (2).

A estas palavras do mestre, Ardjuna cobriu-se de vergonha e sentiu agitar-se seu sangue real e sua coragem. Lançou-se sobre seu carro e deu o sinal de combate. Então Krishna disse adeus ao discípulo e deixou o campo de batalha, porque estava certo da vitória dos filhos do sol.

Entretanto, Krishna. compreendera que, para impor sua religião aos vencidos, seria necessário obter sobre a própria alma deles uma derradeira vitória, muito mais difícil do que a das armas. Do mesmo modo que o santo Vasichita fora morto atravessado por uma flexa, para revelar a verdade suprema a Krishna, também Krishna. deveria morrer voluntariamente sob as setas do inimigo mortal, a fim de implantar no coração dos adversários a fé que ele havia pregado a seus discípulos e ao mundo. Ele sabia que o antigo rei de Madura, longe de fazer penitência, tinha-se refugiado na casa do sogro, Calaieni, o rei das serpentes. Seu ódio, sempre instigado por Nisumba, fez com que mantivesse espiões seguindo o anacoreta, aguardando a hora propícia para o ferir. Ora, Krishna sentia que sua missão estava concluída e que só faltava, para ser totalmente cumprida, a chancela do supremo sacrifício. Então ele deixou de evitar e de paralisar seu inimigo por meio do poder de sua vontade. Sabia que se parasse de se defender com esta força oculta, viria atingi-lo na sombra o golpe há tanto tempo planejado. Mas o filho de Devac queria morrer longe dos homens, nas solidões do Himavat. Lá, ele se sentiria mais perto de sua radiosa mãe, do velho sublime e do sol de Maadeva.

Krishna partiu, então, para um eremitério num lugar selvagem e desolado, ao pé dos altos cumes do Himavat. Nenhum de seus discípulos adivinhara seus desígnios. Somente Sarasvati e Nichidali o leram nos olhos do mestre, pela intuição que existe na mulher e no amor. Quando Sarasvati compreendeu que ele queria morrer, atirou-se aos seus pés, abraçou-os com furor e exclamou:

– Mestre, não nos deixes!

– Eu sei aonde vais. Como nós te amamos, deixa-nos seguir-te! Krishna respondeu:

– Em meu céu, nada será recusado ao amor. Vinde!

Depois de uma longa viagem, o profeta e as santas mulheres alcançaram cabanas agrupadas em torno de um grande cedro desfolhado, sobre uma montanha amarelada e rochosa. De um lado, as imensas cúpulas de neve do Himavat; do outro, um dédalo de montanhas em toda a profundidade; ao longe, a planície, a Índia perdida como um sonho em uma bruma dourada. Nesse eremitério viviam alguns penitentes vestidos de casca de árvore, com cabelos torcidos em cachos, a barba longa e os pêlos compridos, num corpo todo sujo de lama e de poeira, membros ressequidos pelo sopro do vento e o calor do sol. Alguns não tinham mais que uma pele seca sobre o esqueleto árido.

Ao ver aquele lugar tão triste, Sarasvati exclamou:

– A terra está longe e o céu está mudo. Senhor, por que nos trouxeste para este deserto abandonado por Deus e pelos homens?

Respondeu Krishna:

– Reza, se quiseres que a terra se aproxime e que o céu te fale! Nichidali, no entanto, disse simplesmente:

– Contigo o céu esteve sempre presente; mas, por que o céu quer nos abandonar agora?

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 76-88)