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TERCEIRA VIVÊNCIA O JOGO DE AREIA COM AS MÃOS ENCOBERTAS: A TATILIDADE SENDO REVELADA

A BELEZA DO JOGO DOS GRÃOS E SEU DESENHO NO MUNDO

4.3 TERCEIRA VIVÊNCIA O JOGO DE AREIA COM AS MÃOS ENCOBERTAS: A TATILIDADE SENDO REVELADA

Neste encontro o ambiente foi organizado para um acolhimento humanescente, com música instrumental lenta, espaço limpo, silencioso e discreto. Nesse encontro o objetivo era utilizar a caixa de areia.

Ao preparar o espaço de acolhimento para receber o outro que chega, cria-se um campo vibracional de recebimento e pertencimento e, assim, esse campo se expande e alcança a todos os participantes. Este espaço de acolhimento é um importante aliado no momento em que nos entregamos às vivências e pequenos detalhes como o tipo de música, pode promover um campo vibracional que propicia e facilita a vivência, como afirma o Ortoclasio (2009) “a música que tocava ajudou bastante [...] É assim que deve ser a música clássica. Tem que se integrar com a nossa vida, ajudando a solucionar os nossos problemas e participando dos momentos felizes”. O clima de acolhimento da sala foi também ressaltado pela Caolinita (2009) “a música que estava tocando no ambiente também favorecia o relaxamento, como também as luzes apagadas permitia que as pessoas se sentissem relaxadas e soltas, livres de problemas”.

O ambiente e o clima de acolhimento possibilitaram experiências significantes de sensações, permitindo a interação sensorial e sinestésica dos participantes na vivencialidade da tatilidade.

Este era o momento de entrar em contato consigo, com a areia, com o corpo enquanto instrumento das sensações e com seus sentimentos, intermediados pelas mãos cobertas por uma luva de látex. Após o momento de acolhimento, solicitamos que todos deixassem os sapatos na entrada da sala e se sentassem confortavelmente sobre a manta que já estava no centro da sala. A luz elétrica foi desligada e uma réstia de luz do dia entrava suavemente pela janela, criando um ambiente de semi-escuridão, onde todos podiam ver e serem vistos, exceto o participante cego. Foram então disponibilizadas várias caixas com areias de diferentes texturas e cores, coletadas em diferentes locais, desde as areias de praias até as de dunas e chapadões.

O processo de coleta prévia das areias foi cercado de cuidados na escolha dos locais, dos diferentes tipos de areias, de usar as mãos como ferramenta para a coleta, de colocar em sacolas. Posteriormente se entregar ao processo de lavar a areia e então colocar para secar ao sol ou no forno de fogão a lenha. Esse processo foi permeado pela alegria, emoção e intencionalidade, o que fortalece a criação do campo vibracional pelo prazer de viver, como afirma Lowen (1984, p.207) “com prazer a vida é uma aventura criativa, sem ele é uma luta pela sobrevivência”.

Antes dos participantes da pesquisa entrar em contato com a areia, foram distribuídas luvas de látex para que o contato com a areia fosse intermediado pela luva (Figura 9). Foi solicitado que todos os participantes fechassem os olhos e se deixassem levar pelo contato com a areia, como afirma Bachelard (2008b, p. 186) “todo sonhador solitário sabe que ouve de outra maneira quando fecha os olhos [...], então o ouvido sabe que os olhos estão fechados, sabe que a responsabilidade do ser que pensa, que escreve, está nele”, mas não só no ouvido, mas na mixagem de todos os sentidos, até mesmo na visão que, mesmo em estado de repouso, ainda assim contribui com as imagens recolhidas no seu âmago.

Todos deveriam se entregar ao devaneio, deixando o pensamento livre para perambular por onde quisesse, sem amarras, sem censura, na interação com a areia, sentindo cada detalhe daquele toque intermediado pela luva. Uma entrega aos sentidos, mediado pelo tato, como afirma Bachelard (2008c, p.26, grifos do autor) “a sensação tátil que esquadrinha a substância, que descobre sob as formas e as cores, a matéria, prepara a ilusão de tocar o fundo da matéria”.

O caráter fluido da areia propicia, segundo Bazhuni e Sant‟Anna (2006, p. 90) “uma abertura para o inconsciente e ao mesmo tempo oferece uma possibilidade de

formatação das imagens que surgem do inconsciente como reações imagéticas à determinada situação psíquica”.

Figura 9 - Mãos com luvas de látex tocando a areia.A caixa de areia foi compartilhada com um colega e os participantes se entregaram ao toque da areia, tocando e sendo tocado por ela e experimentando sensações diversas.

Fonte:Musse (2009).

E neste tocar profundo emergem as emoções e as sensações que transmutam o ser para outros campos energéticos e vivências de sensações e emoções que estão no campo da tatilidade e da imaginação, como se observa nos depoimentos abaixo:

[...] foi algo inusitado, mesmo estando numa pequena sala reservada para nossos encontros, parecia que eu estava num ambiente amplo e repleto de paz. Ficamos em círculo, descalços e sentados no chão (ÁGATA, 2009).

A sensação foi da mais pura liberdade, nossa! Parecia que eu estava tocando toda a areia existente no planeta, foi muito boa a sensação. A areia que eu toquei era uma delícia, parecia uma terapia mesmo. Enfim a sensação forte foi a de paz. Nas experiências que tive com o jogo de areia, percebi que a imaginação flui bastante, a viagem é muito boa. (MUSCOVITA, 2009).

O toque na areia tem a propriedade de despertar emoções e lembranças que ficam à espera das sensações e outras motivações para aflorarem e possibilitarem novos fluxos emocionais. Porém, essas sensações mudam quando intermediadas pela luva. A pele, de acordo com Montagu (1988, p. 21), “é o mais antigo e sensível de nossos órgãos, nosso primeiro meio de comunicação [...] na evolução dos sentidos, o tato foi sem duvida o primeiro a surgir” e esta sensibilidade sofre a interferência de vários fatores e certamente a presença de uma superfície intermediando o toque altera nossa sensibilidade.

O tato tem um caráter de proximidade e, assim, desperta tanto sensações físicas como emocionais. Ele se origina da sensação gerada pelo toque de algo na pele. Ele é instintivo, não racional e é o primeiro sentido desenvolvido no feto, que reage ao estímulo dentro do útero (MONTAGU, 1988; CLASSEN, 2005). E tocar a areia leva a reflexões mais profundas sobre o processo de tocar como observamos no seguinte depoimento “essa experiência vai muito mais além de tocar e sentir a areia. Aprendi que ao tocar pessoas também podemos sentir de maneiras muito amplas e, dependendo de como as tocamos, elas sentirão experiências tão boas quanto as que sentimos” (ÁGUA MARINHA, 2009).

A intermediação da luva no toque da areia desencadeou sensações distintas nos participantes. Para alguns o contato ficou prejudicado, levando-os a sentir incômodo e desconforto, uma vez que a areia necessita ser percebida pelas suas partes, ou seja, cada grão que a compõe, para que assim se perceba sua totalidade, como podemos observar no depoimento que se segue:

Sentir a areia usando as luvas me causou uma sensação de prisão, mais ou menos “poder” e “não poder” ao mesmo tempo, eu consegui sentir cada grãozinho da areia a individualidade dos grãos, mas ao mesmo tempo tive vontade de sentir a temperatura, a textura, ou seja, sentir a areia para valer mesmo (MUSCOVITA, 2009).

Para outras pessoas a presença da luva não alterou o tocar e ser tocado pela areia, o que é compreensível, pois as pessoas nas suas diferenças interagem corporalmente e emocionalmente com seu mundo vivencial de forma distinta e singular. Para Ammann (2004, p. 67), “as mãos são órgãos muito sensíveis. Podem absorver forças e também passá-las adiante” constituem-se, portanto, em canais sensoriais importantes para o emocionar e perceber o mundo, expressando a tatilidade. A

intermediação das luvas pode não apresentar alterações no sentir, como nos mostra o seguinte depoimento:

Não importa se tocamos com luvas ou com as mãos desnudas, a sensação maior é que, por mais que tentemos, não poderemos contê- las em nossas mãos, pois elas são incontáveis, infinitas, livres, mas elas nos contem quando levam em si um pouco de nossa história (ÁGUA-MARINHA, 2009).

Em seguida, foi solicitado que os participantes tirassem as luvas e, com as mãos desnudas, entrassem em contato com a areia e se entregarem às sensações e emoções que a areia lhes despertava:

Eu tive a sensação de que se podia tocar sem sentir, e ao tocar com as mãos desnudas, pude perceber que a aproximação com a areia me trouxe mais aconchego e é surpreendente porque nunca havia tocado na areia pensando de maneira tão profunda (ÁGUA-MARINHA, 2009).

Quando a toquei percebi uma leveza e, imediatamente retrocedi a minha infância, seja talvez pelo hábito que eu tinha de brincar com areia. Porém, o que me chamou a atenção foi perceber que no presente, com a correria do dia-a-dia, não nos permitimos aproveitar as coisas simples da vida, mas que nos dá prazer (ÁGATA, 2009).

Weinrib (1993) afirma que o tocar na areia é um fator estimulante das fantasias, e Ammann (2004, p. 51) reforça dizendo que “brincar com areia seca é benéfico, lembrando não só as brincadeiras da infância, mas talvez também os toques carinhosos da mãe ou de outra pessoa querida, que trazem sensações de felicidade”. Porém, a autora alerta que o tocar a areia pode trazer também sentimentos de tristeza, pela necessidade de carinho.

4.4 QUARTA VIVÊNCIA - A PERCEPÇÃO TÁTIL MEDIADA PELA FALTA DE