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A TEIA DA CORPOREIDADE: ORGANIZANDO OS GRÃOS DA AREIA

2.6 DO TATO À TATILIDADE

Quando se fala no tato imediatamente somos remetidos às nossas mãos e as possibilidades que temos de vivenciar o mundo através delas. Pelo senso comum, o manual é o que fazemos e apreendemos através de nossas mãos e como consequência dessa interação vivenciamos as experiências táteis.

Engels (1999), em seu clássico texto intitulado “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, evidencia o papel das mãos nesta transformação. Segundo o autor, alguns macacos usam as mãos para realizar diferentes tarefas, mas nenhum foi capaz de construir um machado de pedra. Existe, segundo o autor, uma grande distância entre a mão primitiva dos macacos e a do homem, que foi sendo aperfeiçoada pelo trabalho durante centenas de milhares de anos. Nossos ancestrais aprenderam a usar as mãos para fabricar utensílios e o fizeram com tanta perfeição que passou a ser chamado homo habilis e esta evolução no uso das mãos representa “o testemunho da existência de um pensamento conceitual: é necessário que exista na mente do autor uma ideia” (DE MASI, 2005, p37).

Neste sentido, Napier (1983, p. 115), esclarece que quase todos os primatas são capazes de usar uma ferramenta, porém “só o ser humano é capaz de fabricar” e o autor continua evidenciando que “a diferença entre usar e fabricar é, em grande parte, uma questão do sistema nervoso central e envolve uma mudança qualitativa na atividade cerebral do objeto mental da percepção para o conceito”.

E são estas mãos que foram capazes e ainda o são, de transformar, criar, acariciar, machucar, ferir, como afirma Santaella (2004, p. 47) “a habilidade das mãos em tatear, alisar, apalpar, coçar, cutucar, dedilhar, pegar, erguer, etc., justifica tudo o que o ser humano é capaz de fazer com elas” e Focillon (1943, p. 128) acrescenta, “a

mão arranca a capacidade de tocar da sua passividade receptiva, organiza-a para a experiência e para ação. É ela quem ensina o homem a tornar posse do espaço [...] criando um universo inédito, deixa por todo o lado as suas marcas”.

A mão humana é uma ferramenta maravilhosa que dialoga poeticamente com o mundo, se lança ao espaço circundante realizando volteios e coreografias que acompanham a voz e podem até mesmo ser a própria voz nas linguagens gestuais. Como afirma Napier (1983, p. 19) “quando a mão está em repouso, o rosto está em repouso; mas a mão ativa, que se agita e gesticula, é produto de uma mente vigorosa”. O autor ainda enfatiza que a mão é o mais importante órgão do tato, uma vez que a mão em sintonia com o olho é a “nossa principal fonte de contato com o meio ambiente físico” com uma vantagem sobre o olho, pois a mão “é capaz de ver do outro lado de uma esquina e também enxergar no escuro”.

Focillon (1943, p. 18) em seu Éloge de la main, afirma que a arte faz-se com as mãos. Elas são o instrumento da criação, mas é, em primeiro lugar, o órgão do conhecimento, estando na origem de toda a criação. O filósofo não separa as mãos do corpo ou do espírito afirmando que:

A mente é a mão, a mão é a mente. A mão ensina o homem a possuir o tamanho, peso, densidade, número. Criando um novo mundo, ela deixa sua marca em todos os lugares. Ela é medida com o material que ela metamorfoseia, com a forma que ela transforma.

Assim, nossas mãos podem transformar e metamorfosear as coisas do mundo e podem realizar inúmeras atividades em interlocução com outros sentidos. Uma mão que borda, o faz de corpo inteiro e realiza um lindo e primoroso balé tátil sobre o tecido que se entrega amorosamente a elas como poeticamente descreve Serres (2001, p. 79):

A mão corre no fuso, no ofício, em torno das agulhas, cria o fio, torce- o, passa-o, dobra-o, enlaça-o, a mão é rápida nas junções e nas amarrações, e encontra de pronto a passagem no avesso que olho não vê, passeia através da translucidez do vidro, nivela os grãos esparsos ao acaso.

Não se borda só com as mãos, pois o que as mãos realizam está em consonância com os sentimentos, é uma tarefa de envolvimento. Neste sentido Bachelard (2008c, p. 94) nos diz que “a mão trabalhadora, a mão animada pelos devaneios do trabalho, envolve-se”, mas isto ocorre somente naquelas pessoas sensíveis

e neste envolver-se a imaginação e a criatividade se entrelaçam como os pontos do bordado que vai se formando sob o comando das mãos. Mas as mãos podem muito mais. Podemos por exemplo, ver com as mãos, pois o tocar é um desvelar o mundo, um reconhecer. Quando nos mostram um objeto e pedimos: “me deixa ver”, o que queremos na verdade é tocar o objeto, nos apropriar dele em sua inteireza: temperatura, textura, volume e outras características que as mãos nos possibilitam, como afirma Bachelard (2008c, p. 68) “a palma da mão é uma prodigiosa floresta muscular. A menor esperança de ação a faz estremecer” e nesse devanear sobre as potencialidades da mão nos diz Engel (1999, p. 30): “com o desenvolvimento da mão, [...] o homem foi alargando seus horizontes e descobrindo nas coisas outras propriedades até então desconhecidas”.

A atuação das mãos na vida também é discutida por Santaella (2008, p. 50), que afirma que a mão “é o único órgão que é sensório, exploratório e, ao mesmo tempo, motor, performativo. Sente o ambiente e é capaz de agir sobre ele. O equipamento para sentir, tocar, apalpar é anatomicamente o mesmo [...] para agir no ambiente”. Mas a autora alerta que este poder das mãos “passa despercebido devido à dominância do sistema visual no mundo humano”.

No entanto e apesar de toda importância das mãos, estas podem ser substituídas por outros órgãos com muita destreza. As pessoas sem as mãos e até mesmo sem os braços conseguem transferir as habilidades das mãos para os pés e ainda assim continuam a ter o sentido do tato, uma vez que o tato está ligado à pele. Assim sendo, toda parte do corpo que tenha pele é um órgão sensório do tato (MONTAGU, 1988).

O tato é o sentido mais intimamente associado à pele, uma vez que os demais sentidos ocorrem em órgãos revestidos internamente e externamente pela nossa pele, então parte destes órgãos relacionados a estes sentidos também se associam ao tato. Serres (2001) ao tratar dos cinco sentidos do humano, lança mão de uma famosa série de seis tapeçarias denominadas A Dama do Licorne15, onde são representados os cinco sentidos humanos com suas especificidades e órgãos sensoriais relacionados. Para o

15A Dama e o Unicórnio é o título de uma série de seis tapeçarias de origem francesa, consideradas como

um dos grandes trabalhos da arte medieval, tecidas no final do século XV, mostrando os cinco sentidos (paladar, audição, visão, olfato e tato), sendo que a sexta tapeçaria não está associada a nenhum sentido específico associando-se ao sexto sentido, interpretado como os sentimentos. Atualmente estas tapeçarias encontram-se no Musée national du Moyen Âge em Paris. Fonte: Musée national du Moyen Âge. Disponível em < http://www.musee-moyenage.fr/ang/ pages/page_id18368_u1l2.htm

autor (2001, p. 49), em todas as tapeçarias “o tato parece predominar, reunir o sentido comum, soma dos cinco sentidos”. Continua ainda o autor a fazer uma leitura filosófica detalhada das tapeçarias e de cada um dos sentidos em separado e declara que a pele “forma a tela de fundo, o contínuo, o suporte dos sentidos, seu denominador comum, cada sentido proveniente dela, exprime-a intensamente à maneira e na qualidade de cada um” (SERRES, 2001. p. 66) e conclui que as tapeçarias evidenciam o domínio do tátil sobre todos os sentidos.

No século XVII, o cientista irlandês William Molyneux iniciou uma discussão sobre a percepção e as formas de como a visão e o tato operam. Ele questionava como uma pessoa cega de nascimento que conhece o mundo prioritariamente pelo sentido tátil poderia enxergar o mundo pelo sentido da visão. O cientista fez o seguinte questionamento:

Supõe-se um cego de nascença que se tenha tornado homem feito, e a quem se ensina a distinguir, pelo contato, um cubo e um globo de mesmo metal e quase de mesma grandeza, de modo que, ao tocar em um ou em outro, possa dizer qual é o cubo e qual é o globo. Supõe-se que, estando o cubo e o globo colocados sobre uma mesa, o referido cego venha a usufruir da visão; e se lhe pergunta se, vendo-os sem tocá-los, poderá discerni-los e dizer qual é o cubo e qual é o globo (DIDEROT, 2006, p.52).

Este problema inaugurou uma série de discussões filosóficas e psicológicas em torno do tema da percepção e ficou conhecido "problema de Molyneux", que instigou não só Berkeley (2008) como vários pensadores de sua época. Esta questão fascinava tanto porque se acreditava que sua solução resolveria questões filosóficas importantes da época. Um destes pensadores foi John Locke, filósofo inglês, para quem a pessoa cega não seria capaz de distinguir o cubo do globo somente com o auxilio da visão e esta opinião foi partilhada por outros estudiosos da época (DIDEROT, 2006).

Mais tarde, Berkeley (2008) em “Um ensaio rumo a uma nova teoria da visão” discute a forma como vemos a distância e as relações entre a visão e o tato. O autor concluiu que não havia conexão entre o mundo tátil e o da visão e que somente a experimentação poderia possibilitar uma conexão entre estes dois sentidos. Nenhum destes autores trabalhou com um caso efetivo de uma pessoa que fosse cega e recobrasse sua visão. Em 1728, o cirurgião inglês, Cheselden removeu as cataratas de um jovem de 13 anos e constatou que ele tinha sérias limitações com simples

percepções visuais. E o mesmo ocorreu com muitos outros pacientes que passaram pelo mesmo processo

Em seu livro “Um antropólogo em Marte”, Oliver Sacks (2006) relata a história de um homem que volta a enxergar depois de realizar uma operação para retirada de cataratas. Sacks conta detalhes de como este homem vai se apropriando de um mundo visual que lhe foi apresentado pelo tato e os outros sentidos. E situações como a simples distinção entre seu gato e seu cachorro só eram possíveis após ele tocá- los, evidenciando mais uma vez que os sentidos usados separadamente oferecem leituras distintas das coisas e fenômenos.

Nesse sentido o entendimento sobre o que vem a ser o tato se torna preponderante, uma vez que ele se processa pelo corpo inteiro e não tem um órgão específico como a boca, ou o nariz, responsável por ele. Para Montagu (1988, p. 31, grifo do autor) “existem vários sentidos táteis que estão reunidos sob a denominação comum de tato”. O autor exemplifica tal afirmação com sensações tais como o formigamento e o arrepio, que sentimos diante de uma situação emocional, nas quais não temos contato direto da pele com a situação ou objeto.

Portanto, nos referenciamos a um sistema háptico, que, de acordo com Gibson (1996), não possui um órgão específico de sentido, mas receptores espalhados por todas as partes do corpo que são recobertos pela pele. Para Santaella (2008, p. 44) isto significa que “o equipamento para sentir, tocar, apalpar é anatomicamente o mesmo equipamento para fazer coisas, agir no ambiente”. Nenhum outro sistema sensório é capaz de realizar isto. Podemos ver o ambiente com os olhos, mas jamais alterá-lo.

Alguns experimentos de identificação de objetos tridimensionais foram realizados por Gibson (1962), que solicitou aos sujeitos, que não podiam ver o que tinham nas mãos, que explorassem alguns objetos. O autor percebeu que alguns padrões de exploração se repetiam, e um deles era exatamente a exploração das arestas dos objetos, identificando assim sua geometria tridimensional. O autor observou ainda que os sujeitos sempre buscam a identificação do objeto em sua configuração tridimensional, sem se limitar ao mero alisar bidimensional.

Uma discussão sobre o “problema de Molyneux” foi realizada recentemente por Paterson (2006) com base em estudos de autores da psicologia e neuropsicologia que investigam a forma de como o tato e a visão operam. Para o autor, as implicações deste debate são profundas e sem resolução. No entanto, as concepções do imaginário espacial das pessoas cegas são, obviamente, aplicáveis, por exemplo, às tecnologias de

sistemas de substituição sensorial e outros meios auxiliares de mobilidade. Sobre o “problema de Molyneux”, Serres (2001, p. 80) se posiciona esclarecendo que a distinção entre um cubo e uma esfera é “uma questão mais de geometria das perspicácias que da teoria do conhecimento” e sugere uma forma diferente para resolução do problema, substituindo o cubo e a esfera:

Por que não experimentaram com um rouxinol ou um ramo de lilás, com uma esmeralda ou uma saia de veludo, que existem, em vez de volumes abstratos, que não existem? Quem já viu alguma vez um cubo ou uma esfera? Nunca os concebemos a não ser na língua. Que dêem ao cego uma bola e um tijolo e ele saberá apreciar pelo tato as deformações contínuas, as rupturas e as singularidades, perguntará logo se vocês conhecem pela visão a diferença entre uma bola e uma esfera, entre um cubo e um paralelepípedo. Ele rirá delicadamente do fracasso de vocês.

Isto mostra a interação entre os sentidos, uma vez que aqueles que fazem uso do sentido da visão se esquecem de que o tocar é muito mais que um deslizar das mãos sobre os objetos. O tocar envolve penetrar na intimidade da matéria, desvelar suas formas, entranhas, rupturas e particularidades.

Um interessante experimento foi realizado por Kilgour e Lederman (2002) com a exploração tátil dos rostos. Foi solicitado que uma pessoa com os olhos vendados identificasse um rosto com as mãos. Em seguida, foram colocados três rostos e solicitado que a pessoa identificasse o rosto explorado anteriormente. Destes, 78,9% conseguiram acertar. Posteriormente estes mesmos rostos em máscaras de argila foram disponibilizados e somente 58,9% conseguiram acertar. As máscaras de argila eram idênticas aos rostos humanos no que se referia à forma, mas a textura e a temperatura eram distintas, demonstrando assim, a importância dos materiais e seus detalhes para a percepção tátil.

Uma publicação organizada por Constance Classen (2005), intitulada “O livro do toque”, traz uma ampla visão do tocar em diferentes períodos e lugares culturais. Desde a tortura na inquisição até o conforto corporal da modernidade, e desde as terapias táteis da medicina asiática até a tatilidade virtual do ciberespaço. Para a autora a história de toque ultrapassa os limites de qualquer esquema de interpretação uma vez que o tato não é um ato privado. Ele é um meio fundamental de expressão, experiência e contestação dos valores e hierarquias sociais.

A referida publicação traz vários autores que tratam as especificidades do tocar como forma de evidenciar a ampla gama de possibilidade que o toque pode fornecer. Há o toque masculino nas escolas militares, o toque feminino na escrita chinesa, no bordado, nas carícias maternais, o toque terapêutico, o toque proibido nos museus, as experiências táteis dos cegos e das pessoas com autismo, entre outros.

Dentre os variados toques, o terapêutico é um dos campos mais estudados e que mais se desenvolve na atualidade. Vários autores discutem o tocar e sua eficácia na melhoria de vida das pessoas com problemas de saúde tanto físicas quanto psicológicas (AUSTRY, 2008; CONNOR; HOWETT, 2009; COAKLEY; DUFFY, 2010; MADRID, BARRETT; WINSTEAD, 2010).

Alguns equívocos são cometidos a respeito do tato em substituição ao sentido da visão, como observam Almeida, Carijó e Kastrup (2010) ao analisarem estratégias comuns para permitir o acesso às artes plásticas para pessoas cegas. Para os autores estas adequações ignoram as propriedades cognitivas e a dimensão expressiva do tato, pois se pressupõe que o alto-relevo e a escultura são formas de arte acessíveis ao tato tanto quanto o são para a visão. Os autores afirmam que a maioria das obras de arte de museus é feita para o deleite do olhar e não para serem tocadas. Porém, sugerem que se criem obras de arte tátil, ou seja, obras criadas para serem vistas pelo tato.

Nesta mesma linha, Candlin (2006, 2009), discute a importância do tato e da visão nas obras de arte disponibilizadas pelos museus às pessoas cegas. A autora levanta algumas questões como: o toque seria um complemento da visão e substituto do ver? O toque pode fornecer mais informações do que a visão? A autora conclui que por mais que se tente reproduzir as obras de arte para as pessoas cegas, o tato não possibilita a leitura visual da peça, pois os sentidos ou a ausência deles possibilitam leituras diferenciadas do mundo vivencial, que é particular de cada pessoa.

Cada órgão dos sentidos interroga o objeto particularmente (MERLEAU- PONTY, 2006), mas o que o corpo e a corporeidade sentem do objeto é a congregação de todas as informações que chegam por meio dos sentidos, fazendo com que eles se fundam uns nos outros, revelando assim a tatilidade. A interação corporal com o objeto e o fenômeno atual como canal de congregação de nossos sentidos mais conhecidos nos possibilita saborear cores e transitar livremente pelo tempo. A dinâmica dos sentidos se traduz uns nos outros, sinestesicamente, sem necessidade de um intérprete, pois o corpo se torna o sujeito da percepção.

A curiosidade sobre o mundo que nos cerca é intrínseca ao ser humano. Como afirma Assmann (2004a), todos os seres humanos nascem com o desejo de aprender. O autor ressalta ainda que existe um desejo intenso de ver, ouvir, saber, experimentar, e que a sensação de descobrir coisas é positiva e dá prazer, pois a curiosidade representa a base da disposição para a compreensão do mundo.

Surge assim, a necessidade de fortalecer a cultura tátil onde se aprende e se apreende o mundo através do toque, não somente o tocar enquanto sentido, mas a sensorialidade em um sentido mais amplo. O tato é um sentido de domesticação do mundo, pois, de acordo com Austry (2008, p. 118) “o tato, ao nos dar a sensação de realidade, permite-nos descobrir sua infinita variedade, graças às suas possibilidades múltiplas” e reforça ainda que o tocar “nos põe, da mesma maneira que a visão e a audição, em relação com o mundo [...] mas com uma particularidade: é nosso corpo em sua inteireza que é o receptáculo”.

Através de nossos sentidos empreendemos uma relação corporal com o mundo e desenvolvemos nossa tatilidade, entendida como fenômeno de apreensão do mundo pelo ser humano que permite sua interação sensitiva e sinestésica com a natureza. Está intimamente relacionado com a corporeidade e, portanto, é responsável pela qualidade e quantidade das emoções que se revela e se vivencia no mundo (MONTAGU, 1988; GIBSON, 1996; FINNEGAN, 2005).

Assim, os nossos sentidos dialogam e permitem que possamos ser remetidos a outros espaços e tempos, ao território das lembranças, onde as memórias estão localizadas, não estáticas ou congeladas, mas a espreita de um fio condutor para que retornem com força e novamente preencham a alma com os sentimentos que elas conduzem. O corpo sente a areia, toca e escolhe as miniaturas, monta cenários, mas é a corporeidade que se encarrega de remeter os pensamentos, as sensações e as emoções à um espaço-tempo muito diferente daquele presente. O corpo existe, está definido e desenhado como característica genética de cada ser no mundo, mas a corporeidade é que possibilita o envolvimento e movimento dos seres por meio de suas emoções e sentimentos (ASSMANN, 1995).

Todo esse movimento ocorre no ser humano durante a sua existência e nas interações consigo, com os outros e com o mundo, porém muitas vezes, este sujeito, por não se permitir vivenciar ou corporalizar seus sentimentos e emoções, não consegue externá-los ou irradiar para fora. Assim, é necessário que cada pessoa caminhe em

busca de revelar a sua corporeidade, considerando-a como uma dinâmica constitutiva do ser humano.

Todas as coisas do universo são regidas e ordenadas por processos energéticos. Da a mais ínfima até a mais elaborada criatura viva cria e convive em um campo energético. Esse campo energético vai se constituindo desde sua formação inicial e se desenha e modela ao longo de toda a sua vida. É a corporeidade que lhe confere o diferencial entre tantos iguais. É a energia que traz dentro de si, que tem intensidade e potência dependentes das emoções, sentimentos e atuação no mundo que os torna humanescentes. Como energia, ela não pode ser destruída, mas transformada e como diz Capra (2002, p. 30) “os sistemas vivos são fechados no que diz respeito a sua organização – são redes autopoiéticas – mas abertos do ponto de vista material e energético”.

Para Condillac (1993) todos os nossos conhecimentos e todas as nossas faculdades vêm de nossos sentidos, que são ligados às nossas sensações. Para o autor, os sentidos se constituem em causa ocasional; é a alma que sente e é das sensações que ela extrai todos os seus conhecimentos e todas as suas capacidades. O homem é um ser sensorial, assim como todos os outros animais, mas diferentemente dos animais irracionais, o homem organiza seus sentidos o que o faz único e capaz de expressar sua corporeidade com maior intensidade (FALK, 1985).

O tato é um sentido que toma decisões sobre gostar e não gostar, atração ou repulsa, aceitação ou rejeição, ele, como diz Deleuze e Guattari (1992), pode desterritorializar e em seguida reterritorializar de acordo com a comunhão com os