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AGRESSÃO AO PÂNCREAS

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 79-82)

Em paralelo à explosão de diabetes e pré-diabetes, houve um aumento no número de pessoas com sobrepeso ou obesas.

Na realidade, seria mais correto dizer que a explosão de diabetes e pré-diabetes foi em grande parte causada pela explosão dos casos de sobrepeso e obesidade, já que o ganho de peso leva a uma alteração na sensibilidade à insulina e a uma probabilidade maior de deposição excessiva de gordura visceral, condições fundamentais para o surgimento do diabetes10. Quanto mais os norte-americanos engordarem, maior será o número dos que desenvolverão pré-diabetes e diabetes. Em 2009, 26,7% dos adultos norte-americanos, ou 75 milhões de pessoas, se encaixavam na categoria obeso, isto é, tinham um índice de massa corporal (IMC) superior ou igual a 30 – e uma quantidade ainda maior de pessoas estava na categoria sobrepeso (IMC de 25 a 29,9)11. Nenhum estado norte-americano conseguiu cumprir, nem está perto de cumprir, a meta de 15% para a obesidade da população proposta na Call to Action to Prevent and Decrease Overweight and Obesity [Convocação para a ação no sentido

de prevenir e reduzir o sobrepeso e a obesidade] emitida pelo US Surgeon General, departamento de saúde pública dos Estados Unidos. (Em consequência disso, o departamento de saúde pública vem ressaltando repetidamente que os norte-americanos precisam aumentar seu nível de atividades físicas, comer alimentos com menos gorduras e, isso mesmo, aumentar seu consumo de grãos integrais.)

Tendências de obesidade e sobrepeso em norte-americanos, 1960-2008. O sobrepeso corresponde a um IMC de 25 a 30; a obesidade, ao IMC ≥ 30; a obesidade extrema, ao IMC ≥ 35. Embora a porcentagem de norte-americanos com sobrepeso tenha permanecido estável, a de norte-americanos obesos aumentou muito; e a dos extremamente obesos também cresceu num ritmo alarmante. Fonte: Centers for Disease Control and Prevention

O ganho de peso, pode-se prever, deve ser acompanhado da manifestação do diabetes e do pré-diabetes, embora o peso exato em que essas condições se desenvolvem, fator de risco genético, possa variar de um indivíduo para outro. Uma mulher de 1,65 m poderia desenvolver o diabetes ao atingir o peso de 109 quilos, enquanto outra mulher da mesma altura poderia manifestar a doença quando chegasse aos 64 quilos. Esse tipo de variação é determinado por fatores genéticos.

Os custos econômicos desse tipo de tendência são estarrecedores. Ganhar peso tem um custo extraordinariamente elevado, seja pelos gastos com atendimento de saúde, seja pelos danos à saúde individual12. Algumas estimativas indicam que, ao longo dos próximos vinte anos, uma incrível porcentagem de 16 a 18% dos custos com atendimento de saúde será despendido com problemas que são consequência do excesso de peso: não com anomalias genéticas, defeitos de nascença, doenças psiquiátricas, queimaduras ou com o transtorno do estresse pós-traumático em virtude dos horrores da guerra. Não, simplesmente porque as pessoas engordaram. O custo decorrente do fato de os norte-americanos estarem se tornando obesos agiganta-se em comparação com os gastos com o câncer. Será gasto mais dinheiro com as consequências da obesidade sobre a saúde do que com a educação.

Existe, porém, outro fator que segue paralelamente às tendências do diabetes, pré-diabetes e ganho de peso. Você já adivinhou: o consumo de trigo. Seja por conveniência, por causa do sabor ou em nome da “saúde”, os norte-americanos tornaram-se irremediáveis “triticólicos” [consumidores compulsivos de trigo], com um aumento de 11,8 quilos, desde 1970, no consumo anual per capita de produtos do trigo (pão branco ou com farinha integral, macarrão

feito de trigo duro)13. Se calcularmos a média de consumo nacional de trigo, incluindo todos os norte-americanos – bebês, crianças, adolescentes, adultos, idosos –, o norte-americano médio consome 60 quilos de trigo por ano. (Ressalte-se que 60 quilos de farinha de trigo equivalem a, aproximadamente, duzentos pães de forma, ou um pouco mais que meio pão de forma por dia.) É claro que isso significa que muitos adultos comem bem mais que isso, já que nenhum bebê ou criança pequena incluídos no cálculo da média consome 60 quilos de trigo por ano.

Mesmo assim, os bebês comem trigo, as crianças comem trigo, os adolescentes, adultos e idosos comem trigo. Cada grupo tem suas preferências – comida pronta para bebês e biscoitos no formato de bichinhos, biscoitos e sanduíches recheados com manteiga de amendoim, pizzas e biscoitos de chocolate com recheio de creme branco, macarrão integral e pão de grãos integrais, torradas e bolachas salgadas –, no fim, porém, é tudo a mesma coisa. Paralelamente ao aumento do consumo, temos também a silenciosa substituição do trigo produzido pela espécie Triticum aestivum, de 1,20 m de altura, por linhagens de trigo anão de elevada produtividade, com novas proteínas do glúten, não consumidas anteriormente por seres humanos.

Em termos fisiológicos, a relação entre o trigo e o diabetes faz todo o sentido. Produtos feitos com trigo dominam nossa dieta e fazem a concentração de glicose no sangue subir a níveis mais altos do que o fazem praticamente todos os outros alimentos. Isso torna mais altos os valores medidos, como o da HbA1c (que reflete a média de glicose no sangue nos 60 a 90 dias anteriores). Se o ciclo da glicose e da insulina atinge altos níveis algumas vezes por dia, ocorre deposição de gordura visceral. A gordura visceral – barriga de trigo – está intimamente associada à resistência à insulina, que, por sua vez, eleva ainda mais os níveis de glicose e de insulina14.

A fase inicial do aumento de gordura visceral e do diabetes é acompanhada de um aumento de 50% no número de células beta do pâncreas, as células responsáveis pela produção da insulina, uma adaptação fisiológica para atender às enormes exigências de um corpo com resistência a esse hormônio. Mas essa adaptação tem limite.

Altos níveis de açúcar no sangue, como os que ocorrem depois que consumimos um delicioso bolinho recheado com cranberry, na viagem de carro até o trabalho, provocam o fenômeno da “glicotoxicidade”, danos reais às células beta do pâncreas, produtoras de insulina, resultantes do alto nível de glicose no sangue15. Quanto mais alta a glicemia, maior o dano às células beta. O efeito é progressivo e tem início a partir de um nível de glicose de 100mg/dL, valor que muitos médicos classificam como normal. Depois de duas fatias de pão de trigo integral com peito de peru de baixo teor de gordura, uma medição característica da glicose no sangue, num adulto não diabético, seria de 140 a 180 mg/dL, mais que suficiente para dar cabo de algumas preciosas células beta – que nunca serão substituídas.

Suas pobres e vulneráveis células beta do pâncreas também são destruídas pelo processo da lipotoxicidade, isto é, a perda de células beta em decorrência do aumento de concentração no sangue de triglicerídeos e de ácidos graxos, como os que se desenvolvem a partir da ingestão repetida de carboidratos. Lembre-se de que uma dieta que privilegie os carboidratos resulta no aumento das partículas de colesterol VLDL e dos triglicerídeos, que persiste tanto logo após a refeição como no intervalo entre as refeições, condições que exacerbam ainda mais o desgaste lipotóxico das células beta do pâncreas.

Os danos ao pâncreas são ainda agravados por fenômenos inflamatórios como a lesão oxidativa, a leptina, várias interleucinas e o fator de necrose tumoral, todos resultantes do viveiro de inflamações que é a gordura visceral, todos característicos de estados pré- diabéticos e diabéticos16.

Com o tempo e a repetição dos golpes traiçoeiros da glicotoxicidade, lipotoxicidade e destruição inflamatória, as células beta murcham e morrem, e aos poucos o número de células fica reduzido a menos de 50% da quantidade normal inicial17. É nesse momento que o diabetes se estabelece de modo irreversível.

Resumindo, os carboidratos, especialmente aqueles semelhantes aos dos produtos do trigo, que aumentam mais drasticamente os níveis de glicose e de insulina no sangue, acionam uma série de fenômenos metabólicos que acabam por levar a uma perda irreversível da capacidade do pâncreas de fabricar insulina: o diabetes.

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 79-82)