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Tomar ou não tomar estatinas: o papel do trigo

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 115-118)

Como já ressaltamos, o consumo do trigo aumenta o nível do colesterol LDL; eliminar o trigo reduz o nível de colesterol LDL, por meio da redução das partículas pequenas de LDL. Mas pode ser que isso não fique evidente de início.

É aqui que as coisas começam a ficar confusas.

O lipidograma padrão com que seu médico conta para avaliar aproximadamente o seu risco de doenças cardíacas usa um valor de colesterol LDL calculado – não um valor medido. Você só precisa de uma calculadora para chegar ao valor do colesterol LDL a partir da seguinte equação (chamada de cálculo de Friedewald):

colesterol LDL = colesterol total – colesterol HDL – (triglicerídeos ÷ 5)

Os três valores no lado direito da equação – o colesterol total, o colesterol HDL e os triglicerídeos – são de fato medidos. Somente o colesterol LDL é calculado.

O problema é que essa equação foi criada a partir de alguns pressupostos. Para que ela funcione e resulte em valores confiáveis para o colesterol LDL, é necessário, por exemplo, que o valor do HDL seja igual a 40 mg/dL, ou maior que isso; que o valor dos triglicerídeos seja de 100 mg/dL, ou menor que isso. Se houver qualquer desvio em relação a esses valores, o cálculo do LDL ficará comprometido15, 16. O diabetes, em

especial, prejudica a precisão do cálculo, muitas vezes exageradamente; não são raras as imprecisões da ordem de 50%. Variantes genéticas também podem prejudicar o cálculo (por exemplo, as variantes da apolipoproteína E).

Outro problema: se as partículas de LDL forem pequenas, o resultado do LDL calculado subestimará o LDL real. Por outro lado, se as partículas de LDL forem grandes, o resultado do LDL calculado superestimará o verdadeiro LDL.

Para tornar a situação ainda mais confusa, se, por meio de alguma modificação na dieta, você trocar as indesejáveis partículas pequenas de LDL por partículas grandes de LDL, mais saudáveis – um fato positivo –, o valor calculado do LDL muitas vezes parecerá subir, enquanto o valor real está de fato descendo. Apesar de você ter conseguido uma alteração genuinamente benéfica, reduzindo a quantidade de partículas pequenas de LDL, seu médico tenta convencê-lo a consumir estatinas, por causa do colesterol LDL aparentemente alto. (É por esse motivo que chamo o colesterol LDL de “LDL fictício”, uma crítica que não impediu a indústria farmacêutica, sempre empreendedora, de obter 27 bilhões de dólares em faturamento anual com a venda de estatinas. Pode ser que elas lhe façam bem, pode ser que não. Quando esse sintoma se manifesta – altas taxas de colesterol LDL calculado –, a FDA recomenda que se tome o medicamento.

O único meio para você e seu médico realmente saberem qual é sua situação consiste em medir de fato as partículas de LDL de algum modo – por exemplo, medindo o número de partículas de LDL por um método de laboratório denominado análise de lipoproteínas por ressonância magnética nuclear, ou RMN, ou medindo as apoproteínas B. (Como há uma molécula de apoproteína B para cada partícula de LDL, a medição da apoproteína B proporciona, para todos os efeitos, uma contagem das partículas de LDL.) Não é assim tão difícil, mas exige um profissional de saúde disposto a investir um pouco mais em estudos destinados a compreender essas questões.

De fato, a recente descoberta do processo denominado “lipogênese de novo”, a alquimia que converte açúcares em triglicerídeos no fígado, revolucionou a forma pela qual os nutricionistas encaram o alimento e seus efeitos sobre as lipoproteínas e o metabolismo. Um dos fenômenos decisivos para o início dessa cascata metabólica consiste em elevados níveis de insulina na corrente sanguínea17, 18. Altas taxas de insulina estimulam o mecanismo da “lipogênese de novo” no fígado, com a eficiente transformação de carboidratos em triglicerídeos, que são, então, acondicionados às partículas de VLDL.

Atualmente, cerca de metade das calorias consumidas pela maioria dos norte-americanos provém de carboidratos19. O início do século XXI ficará na história como a Era do Consumo de Carboidratos. Em um modelo dietético como esse, a “lipogênese de novo” pode atingir graus tão elevados que a gordura excessiva criada se infiltra no fígado. É por isso que a chamada doença hepática gordurosa não alcoólica, NAFLD [nonalcoholic fatty liver disease], e a esteatose não alcoólica, NAS [nonalcoholic steatosis], atingiram tais proporções epidêmicas, tanto que os gastroenterologistas possuem suas próprias e convenientes siglas para elas. A NAFLD e a NAS levam à cirrose hepática, uma doença de caráter irreversível semelhante à que acomete os alcoolistas; daí a ressalva de que tais moléstias não têm origem alcoólica20.

Patos e gansos também são capazes de encher seu fígado com reservas de gordura, uma adaptação que lhes permite voar longas distâncias sem precisar parar para comer, recorrendo à gordura armazenada no fígado para ter energia durante sua migração anual. Isso é parte de

uma adaptação evolutiva dessas aves. Os criadores tiram proveito desse fenômeno quando produzem fígados de gansos e patos repletos de gordura. Alimente as aves com carboidratos provenientes de grãos, e o resultado será a produção do foie gras e do patê gorduroso que você passa em bolachas de trigo integral. Para os seres humanos, porém, o fígado gordo é uma consequência nefasta, e não fisiológica, do fato de se acatarem conselhos para aumentar o consumo de carboidratos. A menos que você esteja jantando com Hannibal Lecter, não vai querer um fígado como um foie gras em seu abdome.

Isso faz sentido. Os carboidratos são os alimentos que estimulam o armazenamento de gordura, um meio de conservar a fartura dos tempos de abundância. Se você fosse um ser humano primitivo, saciado por uma refeição de javali recém-abatido e algumas frutas silvestres, você armazenaria o excesso de calorias para a eventualidade de não conseguir pegar outro javali ou outra presa nos dias ou mesmo semanas seguintes. A insulina ajuda a armazenar o excesso de energia como gordura, transformando-a em triglicerídeos que enchem o fígado e transbordam para a corrente sanguínea, reservas de energia a serem utilizadas quando faltar caça. Entretanto, com a fartura de nossos tempos modernos, o fluxo de calorias, especialmente daquelas provenientes de carboidratos, como os grãos, nunca para, prosseguindo incessantemente. Atualmente, todos os dias são dias de fartura.

A situação se agrava quando há um excesso de gordura visceral acumulada. A gordura visceral atua como um depósito de triglicerídeos, mas um depósito que gera um fluxo constante de entrada e saída de triglicerídeos em células de gordura, triglicerídeos que entram na corrente sanguínea21. O resultado é que o fígado fica exposto a níveis mais elevados de triglicerídeos no sangue, o que estimula ainda mais a produção de VLDL.

O diabetes proporciona um campo de testes conveniente para os efeitos do alto consumo de carboidratos, como numa dieta rica em “grãos integrais saudáveis”. A maior parte dos casos de diabetes do adulto (tipo 2) é causada pelo consumo excessivo de carboidratos. Em muitos casos, senão na maioria, a glicemia elevada e o próprio diabetes são revertidos pela redução do consumo de carboidratos22.

O diabetes está associado a uma “tríade lipídica” característica, formada por uma taxa baixa de HDL e uma taxa elevada de triglicerídeos e de partículas pequenas de LDL, exatamente o mesmo padrão gerado pelo consumo excessivo de carboidratos23.

Portanto, as gorduras na dieta representam uma contribuição apenas discreta para a produção de VLDL, enquanto os carboidratos trazem uma contribuição muito maior. É por isso que dietas de baixo teor de gordura, ricas em “grãos integrais saudáveis”, têm a reputação negativa de aumentar os níveis de triglicerídeos, fato que os defensores dessas dietas costumam camuflar, alegando ser inofensivo. (Minha própria incursão pelas dietas de baixo teor de gordura, muitos anos atrás, na qual restringi a ingestão de todas as gorduras de origem animal e não animal a menos de 10% das calorias – uma dieta muito rigorosa, no estilo da dieta Ornisha, entre outras –, resultou no aumento de minha taxa de triglicerídeos a 350 mg/dL, em decorrência da abundância de “grãos integrais saudáveis”, que consumi para compensar a redução das gorduras e das carnes.) As dietas de baixo teor de gordura costumam elevar os níveis de triglicerídeos para a faixa de 150, 200 ou 300 mg/dL. Em pessoas geneticamente suscetíveis, que lutam com o metabolismo dos triglicerídeos, as dietas de baixo teor de gordura podem fazer disparar os triglicerídeos para a faixa de milhares de mg/dL, o suficiente para causar a doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) e a esteatose não alcoólica

(NAS), bem como para causar danos ao pâncreas.

As dietas de baixo teor de gordura não são benignas. O abundante consumo de grãos integrais, de alto teor de carboidratos, resultado inevitável da redução das calorias das gorduras, deflagra a elevação da taxa de glicose no sangue, a elevação da insulina, o maior acúmulo de gordura visceral, maior quantidade de partículas de VLDL e de triglicerídeos, tudo isso acabando por gerar maior proporção de partículas pequenas de LDL.

Se os carboidratos, como o trigo, deflagram todo esse efeito dominó das partículas de VLDL/triglicerídeos/partículas pequenas de LDL, a redução do consumo de carboidratos deveria agir no sentido contrário, especialmente a redução do carboidrato predominante na dieta: o trigo.

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 115-118)