• Nenhum resultado encontrado

REPETINDO, AINDA MAIS UMA VEZ

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 85-87)

O médico indiano do século V a.C. Sushruta prescrevia exercícios para seus pacientes obesos e diabéticos, numa época em que seus colegas procuravam presságios na natureza ou examinavam a posição dos astros para diagnosticar as enfermidades dos pacientes. O médico francês do século XIX Apollinaire Bouchardat observou que o açúcar na urina de seus pacientes diminuiu durante os quatro meses do cerco de Paris pelo exército da Prússia, em 1870, quando houve falta de alimentos, especialmente de pão. Quando o cerco terminou, ele reproduziu o efeito aconselhando os pacientes a reduzir o consumo de pães e de outros amidos, e a jejuar de modo intermitente para tratar do diabetes, apesar da prática de outros médicos, que aconselhavam um aumento do consumo de amidos.

Já no século XX, o respeitado Principles and Practice of Medicine [Princípios e prática da medicina], de autoria do doutor William Osler, exemplar professor de medicina e um dos quatro fundadores do Johns Hopkins Hospital, aconselhava uma dieta para diabéticos com 2% de carboidratos. Nas publicações originais do doutor Frederick Banting, de 1922, em que são descritas suas experiências iniciais com a injeção de extrato pancreático em crianças diabéticas, ele ressalta que a dieta hospitalar usada para ajudar a controlar a glicose na urina consistia numa rigorosa limitação de carboidratos a 10 gramas por dia18.

Pode ser impossível criar uma cura com base em métodos primitivos como observar se moscas se reúnem em torno da urina, métodos que não contavam com recursos modernos como o exame da glicose no sangue e o da hemoglobina A1c. Se estivessem disponíveis esses

métodos de exame, creio que resultados melhores teriam de fato ficado evidentes. A era moderna, favorável a cortar gorduras e ingerir mais grãos integrais saudáveis, fez com que nos esquecêssemos das lições aprendidas por observadores sagazes como Osler e Banting. Como muitas outras, a noção da restrição de carboidratos para tratamento do diabetes é uma lição que precisará ser reaprendida.

Vejo, porém, um vislumbre de luz no fim do túnel. O conceito de que o diabetes deveria ser encarado como uma doença de intolerância a carboidratos está começando a ganhar terreno na comunidade médica. O diabetes como subproduto da intolerância a carboidratos é uma visão que está sendo defendida por médicos e pesquisadores sem papas na língua como o doutor Eric Westman, da Universidade de Duke; a doutora Mary Vernon, ex-diretora médica do Programa de Controle de Peso da Universidade do Kansas e ex-presidente da Sociedade Norte-Americana de Médicos Bariátricos; bem como o prolífico pesquisador doutor Jeff Volek da Universidade de Connecticut. Os doutores Westman e Vernon relatam, por exemplo, que eles normalmente precisam reduzir a dose de insulina à metade no primeiro dia em que um paciente se dedica a reduzir os carboidratos, para evitar níveis excessivamente baixos de glicose no sangue19. O doutor Volek e sua equipe mostraram repetidamente, tanto em seres humanos como em animais, que uma severa redução de carboidratos faz regredir a resistência à insulina, as distorções pós-prandiais e a gordura visceral20, 21.

Vários estudos realizados ao longo da década passada mostraram que a redução de carboidratos leva à perda de peso e a uma melhora dos níveis de glicose no sangue em diabéticos22, 23, 24. Um desses estudos, no qual os carboidratos foram reduzidos a 30 gramas por dia, apresentou resultados de perda média de peso de 5 quilos, e o valor para HbA1c (refletindo a média da glicose no sangue durante os sessenta a noventa dias precedentes) caiu de 7,4% para 6,6% ao longo de um ano25. Um estudo da Universidade Temple com diabéticos obesos revelou que a redução dos carboidratos para 21 gramas por dia gerava uma perda de peso média de 1,6 quilo ao longo de duas semanas, associada a uma redução de HbA1c de 7,3% para 6,8% e uma melhora de 75% na resposta à insulina26.

O doutor Westman vem corroborando com sucesso o que muitos de nós aprendemos no atendimento clínico. Na prática, a eliminação dos carboidratos da dieta, incluindo o carboidrato “dominante” das dietas “saudáveis”, o trigo, não apenas melhora o controle da glicose no sangue, mas também pode suprimir a necessidade de insulina e de medicações para o diabetes em pacientes adultos do diabetes (tipo 2) – resultado também conhecido como cura. Em um dos estudos recentes do doutor Westman, 84 diabéticos obesos seguiram uma rigorosa dieta de baixo teor de carboidratos – sem trigo, amido de milho, açúcares, batatas, arroz ou frutas, reduzindo a ingestão de carboidratos para 20 gramas por dia (o que também recomendavam os doutores Osler e Banting, no início do século XX). Depois de seis meses, as medidas da cintura (indicadoras de gordura visceral) estavam 12 centímetros menores e o nível dos triglicerídeos 70 mg/dL mais baixo; o peso se reduzira em quase 11 quilos e a HbA1c tinha caído de 8,8% para 7,3%. Além disso, 95% dos participantes puderam reduzir sua medicação para o diabetes, enquanto 25% conseguiram parar completamente com a medicação, incluindo a insulina27.

Em outras palavras, seguindo o protocolo do doutor Westman, por meio da nutrição – não da medicação – 25% dos participantes deixaram de ser diabéticos, ou pelo menos conseguiram melhorar o nível da glicose no sangue o suficiente para manter o controle

somente com a dieta. Os demais, embora ainda diabéticos, apresentaram melhor controle da glicose no sangue e reduziram a necessidade de insulina e de outros medicamentos.

Os estudos até o momento obtiveram prova de conceito: a redução de carboidratos na dieta melhora o comportamento da glicose no sangue, reduzindo a tendência ao diabetes. Se essa redução for levada a extremos, é possível suprimir os medicamentos para o diabetes até mesmo num prazo de apenas seis meses. Em alguns casos, creio que isso pode ser chamado, com segurança, de cura, desde que o excesso de carboidratos não volte a fazer parte da dieta. Vou repetir: se restarem células beta pancreáticas em quantidade suficiente, se essas células não tiverem sido completamente dizimadas pela glicotoxicidade, lipotoxicidade e inflamação, presentes há muito tempo no organismo, é perfeitamente possível que alguns pré-diabéticos e diabéticos, embora nem todos, se curem desse transtorno, algo que praticamente nunca acontece com as dietas convencionais de baixo teor de gorduras, como a defendida pela Associação Norte-Americana de Diabetes.

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 85-87)