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EXORFINAS: A LIGAÇÃO ENTRE O TRIGO E A MENTE

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 42-45)

A doutora Christine Zioudrou e seus colaboradores nos NIH submeteram a principal proteína do trigo, o glúten, a um processo digestivo simulado para reproduzir o que acontece depois que comemos pão ou outros produtos que contenham trigo11. Exposto à pepsina (uma enzima

estomacal) e ao ácido clorídrico (o ácido estomacal), o glúten é decomposto, transformando- se numa mistura de polipeptídios. Os polipeptídios dominantes foram então isolados e administrados a ratos de laboratório. Descobriu-se que esses polipeptídios tinham a capacidade peculiar de atravessar a barreira hematoencefálica, que separa a corrente sanguínea do sistema nervoso central. Essa barreira existe por um motivo: o sistema nervoso central é altamente sensível à larga variedade de substâncias que têm acesso ao sangue, algumas das quais podem provocar efeitos indesejáveis caso penetrem em algumas das partes desse órgão, como a amígdala, o hipocampo, o córtex cerebral ou outras estruturas. Uma vez dentro do cérebro, os polipeptídios do trigo ligam-se aos receptores de morfina, exatamente os mesmos aos quais se ligam as drogas opiáceas.

Zioudrou e seus colaboradores chamaram esses polipeptídios de “exorfinas”, uma abreviatura para “compostos exógenos semelhantes à morfina”, distinguindo-os das endorfinas, compostos endógenos (de origem interna) semelhantes à morfina que se manifestam, por exemplo, durante o “barato” de quem pratica corridas de longa distância. O mais importante dos polipeptídios que cruzaram a barreira hematoencefálica foi chamado por eles de “gluteomorfina”, ou composto semelhante à morfina derivado do glúten (embora, para mim, esse nome lembre algo como injeção de morfina aplicada no traseiro). Os pesquisadores levantaram a hipótese de que as exorfinas seriam os fatores ativos derivados do trigo responsáveis pelo agravamento de sintomas observados nos pacientes esquizofrênicos do hospital da Filadélfia e de outros lugares.

Ainda mais revelador é o fato de que os efeitos dos polipeptídios do glúten sobre o cérebro são bloqueados pela administração de uma droga, a naloxona.

Imagine que você seja um dependente de heroína do centro decadente de uma grande cidade. Você foi esfaqueado durante uma negociação de drogas que não deu certo e acabou sendo levado para o atendimento de emergência do hospital mais próximo. Por estar em estado alterado, em função da heroína, você se debate e grita com a equipe da emergência que está tentando socorrê-lo. Por isso esse pessoal simpático o imobiliza com faixas de contenção e lhe aplica uma injeção de uma droga chamada naloxona; e num instante você não está mais alterado. Por meio da magia da química, a naloxona neutraliza de imediato a ação da heroína ou de qualquer outra droga opiácea, como a morfina ou a oxicodona.

Em animais de laboratório, a administração da naloxona impede a ligação das exorfinas do trigo ao receptor de morfina das células cerebrais. Isso mesmo, a naloxona, que bloqueia drogas opiáceas, impede que as exorfinas derivadas do trigo se liguem aos receptores do cérebro. Exatamente a mesma droga que anula o efeito da heroína num dependente de drogas violento também bloqueia os efeitos das exorfinas do trigo.

Num estudo da Organização Mundial da Saúde com 32 esquizofrênicos que tinham alucinações auditivas, revelou-se que a naloxona reduzia as alucinações12. Infelizmente, a etapa seguinte, pela lógica – administrar a naloxona a esquizofrênicos submetidos a uma dieta “normal”, contendo trigo, em comparação com a administração da naloxona a esquizofrênicos submetidos a uma dieta sem trigo – não foi examinada. (Estudos clínicos que possam levar a conclusões que não corroborem o uso de uma droga não costumam ser realizados. Nesse caso, se a naloxona tivesse se revelado benéfica para os esquizofrênicos consumidores de trigo, a conclusão inevitável teria sido pela eliminação do trigo da dieta, não pela prescrição da droga.)

A experiência com a esquizofrenia mostra que as exorfinas do trigo têm o potencial de exercer efeitos diversos no cérebro. Quem não sofre de esquizofrenia não experimenta alucinações auditivas produzidas pelas exorfinas resultantes de um pão de cebola, mas, ainda assim, esses compostos chegam ao cérebro, da mesma forma que chegam ao cérebro do esquizofrênico. A experiência também ressalta como o trigo é realmente excepcional entre os grãos, já que outros grãos, como o painço e a linhaça, por exemplo, não geram exorfinas (uma vez que eles não contêm glúten), nem propiciam comportamentos compulsivos ou síndrome de abstinência, independentemente de o cérebro ser normal ou não.

É assim que funciona seu cérebro sob efeito do trigo: a digestão libera compostos semelhantes à morfina, que se ligam aos receptores opiáceos do cérebro. Isso induz uma espécie de recompensa, uma leve euforia. Quando o efeito desses compostos é bloqueado, ou quando não se consome nenhum alimento gerador de exorfina, algumas pessoas experimentam sintomas de abstinência decididamente desagradáveis.

O que acontece se forem administradas drogas bloqueadoras dos efeitos dos opiáceos a pessoas normais (isto é, não esquizofrênicas)? Num estudo realizado no Instituto de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Sul, participantes consumidores de trigo que receberam naloxona consumiram 33% menos calorias no almoço e 23% menos no jantar (um total de aproximadamente 400 calorias a menos, somando as duas refeições) do que os participantes aos quais foi dado um placebo13. Na Universidade do Michigan, comedores compulsivos ficaram confinados por uma hora numa sala cheia de comida. (Aí está uma ideia para um novo programa de televisão: Quem engorda mais?) Com a administração da naloxona, os participantes consumiram 28% menos biscoitos de trigo, palitos de pão e pretzels14.

Em outras palavras, uma vez bloqueada a recompensa do trigo, na forma de euforia, a ingestão de calorias diminui, pois o trigo deixa de gerar as sensações agradáveis que estimulam o consumo repetitivo. (Como se poderia prever, essa estratégia está sendo desenvolvida pela indústria farmacêutica para a comercialização de uma droga para a redução do peso que contém naltrexona, um equivalente da naloxona para uso oral. Afirma-se que a droga bloqueia o sistema mesolímbico de recompensa, localizado nas profundezas do cérebro humano e responsável pela geração de sensações agradáveis ativadas pela heroína, morfina e outras substâncias. As sensações prazerosas podem ser substituídas por sensações de disforia ou insatisfação. Portanto, a naltrexona estará associada à bupropiona, medicamento antidepressivo e auxiliar no tratamento para o abandono do hábito de fumar.)

De sintomas da síndrome de abstinência a alucinações psicóticas, o trigo participa de alguns fenômenos neurológicos peculiares. Recapitulando:

O trigo comum, ao ser digerido, libera polipeptídios que têm a capacidade de penetrar no cérebro e ligar-se a receptores opiáceos.

A ação dos polipeptídios derivados do trigo, as chamadas exorfinas, como as

gluteomorfinas, pode ser bloqueada por drogas bloqueadoras de opiáceos, a naloxona e a naltrexona.

Quando administradas a pessoas normais ou a pessoas que não conseguem controlar o apetite, as drogas bloqueadoras de opiáceos provocam a redução do apetite, das compulsões alimentares e da ingestão de calorias, tanto quanto provocam desânimo, e

parecem ter efeito particularmente específico sobre produtos que contêm trigo.

O trigo, na realidade, é um alimento quase único por seus poderosos efeitos sobre o sistema nervoso central. Se não considerarmos as substâncias inebriantes, como o etanol (presente em seu merlot ou chardonnay preferidos), o trigo é um dos poucos alimentos que conseguem alterar o comportamento, provocar prazer e gerar uma síndrome de abstinência ao ser eliminado da dieta. E foi preciso realizar observações em pacientes esquizofrênicos para que aprendêssemos alguma coisa sobre esses efeitos.

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 42-45)