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CUIDADO ONDE PISA: O TRIGO E A SAÚDE DO CEREBELO

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 126-128)

Imagine que eu coloque uma venda sobre os seus olhos e o solte num quarto desconhecido, cheio de ângulos e cantos estranhos, com objetos dispostos de modo aleatório para você tropeçar. Com alguns passos, é provável que você se descubra batendo de cara na sapateira. Dificuldades desse tipo são enfrentadas por portadores de um transtorno conhecido como ataxia cerebelar. Só que essas pessoas enfrentam problemas como esse estando de olhos abertos.

São aquelas pessoas que você costuma ver usando bengalas e andadores, ou tropeçando numa rachadura na calçada, o que resulta na fratura de uma perna ou do quadril. Alguma coisa prejudicou a capacidade delas de se orientar no mundo, fazendo com que perdessem o controle sobre o equilíbrio e a coordenação, funções centralizadas numa região do sistema nervoso central denominada cerebelo.

A maioria das pessoas que sofrem de ataxia cerebelar consulta um neurologista, e muitas vezes seu transtorno é diagnosticado como idiopático, isto é, uma moléstia espontânea sem causa conhecida. Nenhum tratamento é prescrito, nem foi desenvolvido nenhum tratamento. O neurologista simplesmente sugere um andador, recomenda que sejam removidos potenciais riscos para tropeços em casa e examina a possibilidade de uso de fraldas para adultos devido à incontinência urinária, que acabará por se desenvolver. A ataxia cerebelar é progressiva, agravando-se a cada ano que passa, até o paciente tornar-se incapaz de pentear o cabelo, escovar os dentes ou ir ao banheiro sozinho. Finalmente, mesmo as atividades mais básicas de cuidados pessoais precisarão ser realizadas por outra pessoa. A essa altura, o paciente está próximo da morte, pois uma debilitação tão extrema acelera complicações como a pneumonia e escaras infectadas.

Entre 10 e 22,5% dos celíacos têm envolvimento do sistema nervoso1, 2. De todas as formas de ataxia já diagnosticadas, 20% apresentam anticorpos para o glúten. Entre pessoas com ataxia inexplicada – ou seja, em que nenhuma outra causa possa ser identificada – 50% têm anticorpos para o glúten no sangue3.

O problema: a maioria das pessoas que sofre de ataxia deflagrada pelo glúten do trigo não apresenta sinais nem sintomas de doença intestinal, nenhuma advertência do tipo celíaco que indique a ocorrência de sensibilidade ao trigo.

A resposta imunológica destrutiva responsável pela diarreia e pelas cólicas abdominais da doença celíaca também pode ser direcionada contra o tecido cerebral. Embora desde 1966 já se suspeitasse que a relação entre o glúten e o cérebro estava por trás do comprometimento neurológico, acreditava-se que ele fosse decorrente das deficiências nutricionais que acompanham a doença celíaca4. Mais recentemente, tornou-se claro que o envolvimento do cérebro e de outras partes do sistema nervoso resulta de um ataque imunológico direto às células nervosas. Os anticorpos antigliadina deflagrados pelo glúten podem unir-se às células nervosas conhecidas como células de Purkinje, exclusivas do cerebelo5. O tecido nervoso, nesse caso as células de Purkinje, não tem a capacidade de se regenerar. Uma vez lesionadas, as células de Purkinje cerebelares estão destruídas… para sempre.

Além da falta de equilíbrio e de coordenação, na ataxia cerebelar induzida pelo trigo podem se manifestar fenômenos tão estranhos como, no linguajar hermético da neurologia, o nistagmo (movimento lateral involuntário do globo ocular), a mioclonia (contrações musculares involuntárias) e a coreia (movimentos involuntários caóticos e rápidos dos membros). Um estudo de 104 pessoas com ataxia cerebelar também revelou dificuldades com a memória e com a capacidade verbal, sugerindo que a destruição induzida pelo trigo também pode atingir o tecido cerebral, isto é, o tecido nervoso que constitui o cérebro, sede do raciocínio e da memória6.

A faixa de idade típica para a manifestação de sintomas de ataxia cerebelar induzida pelo trigo é entre os 48 e os 53 anos. Em exames de ressonância magnética do cérebro, 60% dos afetados revelam atrofia do cerebelo, refletindo a destruição irreversível de células de

Purkinje7.

Quando da eliminação do glúten do trigo, ocorre somente uma recuperação limitada das funções neurológicas, em razão da baixa capacidade de regeneração do tecido nervoso. A maioria das pessoas simplesmente deixa de piorar assim que cessa o fluxo de glúten8.

O primeiro obstáculo no diagnóstico da ataxia provocada pela exposição ao trigo consiste em encontrar um médico que chegue a levar em conta a possibilidade desse diagnóstico. Esse pode ser o pior dos obstáculos, já que grande parte da comunidade médica continua a abraçar a ideia de que o trigo faz bem à saúde. Uma vez que ele seja levado em consideração, porém, o diagnóstico é um pouco mais difícil que o simples diagnóstico da doença celíaca intestinal, especialmente porque alguns anticorpos (a forma IgA, em particular) não estão envolvidos na doença do sistema nervoso induzida pelo trigo. Some-se a isso um pequeno problema: a maioria das pessoas faz séria objeção a uma biópsia de cérebro; além disso, será necessário um neurologista bem informado para fazer o diagnóstico. O diagnóstico pode se apoiar em uma combinação de fatores, como a suspeita do problema e a presença de marcadores positivos de HLA DQ, além da observação de melhora ou estabilização quando da eliminação do trigo e do glúten da dieta9.

A dolorosa realidade da ataxia cerebelar é que, na grande maioria dos casos, você só sabe que está com o problema quando começa a tropeçar sozinho, a colidir com paredes ou a molhar as calças. Uma vez que o transtorno se manifeste, é provável que seu cerebelo já esteja encolhido e danificado. Interromper totalmente a ingestão de trigo e glúten a essa altura talvez apenas consiga mantê-lo fora da casa de repouso.

Tudo isso se deve aos bolinhos e bagels pelos quais você é louco.

No documento Barriga de trigo - William Davis.pdf (páginas 126-128)