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2 Apontamento sobre a finalidade da formalização

1. Tivemos já ocasião, em anteriores oportunidades380, de glosar o tema que agora, a propósito do da titulação, nos parece oportuno sintetizar e que, no essencial, corresponde ao que, a nosso ver, continuará a ser propositado referir.

Formalizar quer dizer conferir uma forma381. Ora, dar ou “aplicar” uma dada forma, tratando-se do acto jurídico significa, num sentido amplo,382 ‘exibir-lhe’ o seu próprio conteúdo, e no negócio jurídico, “dar corpo a uma certa exteriorização da vontade”383

negocial384.

Deste modo, ao corporizar ou formalizar num título “a vontade” – na aceção ampla, abrangendo os desígnios, pretensões ou ideias que se queiram exteriorizar - permite-se não apenas a sua concretização e determinação, como também uma definida, uma arrumada descrição e revelação externa dessa mesma vontade.

Deste modo, afigura-se que a formalização não será apenas - e não pode ser assim encarada - uma roupagem estranha e extrínseca à vontade, mas antes constitui como que a sua própria pele, que a integra e que palpavelmente a revela à luz do dia, mostrando, à vista de todos, a sua essência, isto é, põe o querer interior (oculto e íntimo) do sujeito em contacto aparente com o mundo das relações – afinal o mundo do Direito - dando-lhe uma forma cognoscível pelos outros.

A forma, como disse CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, sugere “um conjunto de

elementos sensíveis que, referindo-se a uma ação, coexistem no seu modo de exteriorização”. Dir-se-á que contém “elementos de duas naturezas: a materialidade expressiva do próprio enunciado, organizado segundo uma determinada linguagem

380

Em especial em conferências: v.g. a feita no III ENESOL - IPCA, Barcelos, em 23 de Abril de 2008 e outra realizada em 2 de Março de 2007 na FDUP no âmbito dos programas do CIJE (constantes de nossos citados “Temas”) cujas ideias no essencial continuamos a defender, embora reformulando-as nalguns pontos.

381 Note-se que empregamos o verbo “formalizar” neste sentido – dar forma - e não num outro,

eventualmente possível, de realizar algo segundo determinadas “formalidades”. Com efeito, pensamos, como a generalidade da doutrina, que os conceitos de forma e formalidade são diferentes (cf. MENEZES CORDEIRO, citado “Tratado de Direito Civil Português” I, Tomo I, p. 317).

382 Vide o estudo de

RUI DE ALARCÃO no B.M.J. (“Forma dos negócios jurídicos: anteprojeto para o novo Código Civil” in “BMJ nº 86, p. 177 e nota (1). Este Autor também aí cita MANUEL DE ANDRADE, para quem, neste sentido amplo, a forma consiste no “próprio comportamento declarativo”.

383 Expressão usada por

MENEZES CORDEIRO (no citado “Tratado de Direito Civil Português”, p. 317), que assim claramente sintetiza a ideia da forma. E o Autor acrescenta que “ela (a forma) é essa própria exteriorização” (da vontade).

384 A vontade negocial, ou “vontade no negócio jurídico” é “um querer (…) não no sentido de qualidade

psicológica da pessoa, mas de um momento concreto de determinação dessa qualidade – um querer

168 (forma significante) e os instrumentos de que se serve a emissão (…) (forma da

emissão) ”. E pode definir-se “como o aspeto sensível dos sinais e do modo de produção de um enunciado”385

Por isso, enquanto a vontade – por mais nítida e determinada que seja – permanecer unicamente no seu próprio âmbito interior e subjetivo não é suscetível de se relacionar386. A relação surge, ou antes, só pode surgir, quando a vontade se exterioriza, manifestando-se. E manifesta-se necessariamente através de uma forma titulada, que lhe dá a indispensável estrutura externa387.

Afigura-se, assim, que neste sentido amplo vontade e forma constituem um todo global - uma esfera, dir-se-ia, tendencialmente perfeita, que tem o “miolo” e a “casca” -, sendo aquele a vontade (ou, se se quiser, o conteúdo volitivo), a parte interior, íntima, e esta (a forma) a que se conhece (se torna possível conhecer) externa e visivelmente.

Pensamos que pode inclusivamente afirmar-se que a própria palavra, expressão verbalizada, tradução semiótica do pensamento, dá-lhe forma, assim como o ‘querer relacional’ (o seu significante conteúdo - que, em certo sentido, até alcançar uma forma, é ignoto, até para o próprio) é pela formalização que fica revestido de percetibilidade.

2. No que toca, portanto, à formalização, trata-se de um conceito que tem o significado (decorrente da etimologia da palavra) que consiste em “dar forma”, ou melhor, dar uma forma definida. Dir-se-á que a vontade, mormente a vontade negocial, estará tanto mais fiel e corretamente traduzida quanto mais exato e perfeito for o modo como é formalizada.

Logo, a formalização é (e tem de ser considerada) imprescindível. Surge como a modalidade adotada para apresentar e tornar pública a forma, sendo a ‘veste aparente’ (extrínseca) da vontade interiormente formada pelo sujeito, e que a vai tornar inteligível e acessível aos outros. Ou seja, permite-a perceber, manifestando-a no mundo global das relações jurídicas.

385 Cf.

ALMEIDA, Carlos Ferreira de, “Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico”, Vol II, pp. 667/668.

386 Diz

GALVÃO TELES: “a vontade que no seu interior se forma não pode permanecer latente, como fenómeno psíquico, tem de ganhar corpo e vulto, projetando-se no mundo sensível, exteriorizando-se. A

manifestação de vontade é um momento imprescindível de qualquer ato jurídico” (“Dos Contratos em

Geral”, p. 108).

387

MANUEL DE ANDRADE diz muito claramente “toda a declaração de vontade tem sempre uma

forma”. Ela é “o próprio comportamento declarativo” (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, p.47). De resto, a significação etimológica da palavra forma também nos conduz à ideia de “revestir”, “consignar”, “enunciar”, ou seja, manifestar uma dada substância (ou matéria) revelando o conjunto de traços exteriores que a definem e caracterizam.

169 Nesta outra aceção, ainda ampla, creio que, teoricamente, os conceitos de formalizar e de manifestar a vontade se podem equivaler. Não já, porém, se usando uma linguagem a nosso ver menos rigorosa, ligarmos o conceito de formalizar ao de

organizar formalidades ou até ao de impor formalidades, que todavia, sob esta última

perspetiva, nos parece conceptualmente restritiva e menos apropriada em termos genéricos, inclusive face a um dos princípios legais: o da liberdade de forma388.

Por fim, num sentido quiçá mais ajustado ao nosso estudo – que é também o comummente considerado como notarial - formalizar seria não apenas dar forma, mas dar forma segundo determinadas formalidades legalmente acreditadas, isto é, de acordo com certas fórmulas ajustadas ao que se acha admitido pela lei. Consequentemente, a formalização dever-se-ia assim realizar através de meios e regras estabelecidas, pelas quais a vontade se poderá exprimir, sendo legalmente adequado389 que se exprima, e admitido que desse modo fique declarada.

Recordemos, contudo, que a palavra “formalidades” tem dois sentidos distintos390: este, técnico-jurídico, a que nos temos referido, e um outro, popular, que equivale ao dos meros rituais e às cerimónias exteriores e supérfluas, que por vezes até

mascaram ou tentam encobrir a realidade e a substância das coisas em vez de a

demonstrar e clarificar. As formalidades seriam assim certas praxes disparatadas meramente convencionais e ultrapassadas. É claro que é ao sentido jurídico que temos de atender e não a este. Diria mesmo que o legislador não deveria confundir os campos, inclusivamente em preâmbulos de diplomas, e por certo para obter rápida adesão, propagandear as ‘medidas inovatótias’ e se autojustificar.

388 Por isso é que a tradução do conceito de formalizar pelo de organizar e impor uma determinada

formalidade será, ao que se julga, menos próprio à face da nossa lei – designadamente face ao disposto no artº 219º do C. C., visto que em regra não faz exigência de qualquer forma especial e antes estabelece um princípio de consensualidade ou - como disse RUI DE ALARCÃO, talvez com maior rigor (op.e loc. cit.) – consagra o princípio da liberdade de forma. Deste modo, a imposição de qualquer formalidade teria, à face da lei, um carácter excecional. Todavia, não partilhamos inteiramente deste ponto de vista, visto que, pensamos que há dois princípios: o da ‘liberdade de forma’ quanto a determinada espécie de bens e o de ‘formalização necessária’ quanto a outros (v.g. os imóveis).

389 Como acima se disse a propósito do instrumento público, e os nossos autores referem, cabe ao

notário “conformar” a vontade das partes com a vontade do Ordenamento. No texto usamos a expressão da doutrina italiana (“adeguare la voluntá dei parti”... tendo traduzido “adeguare” por “adequar”).

390 E não só a palavra formalidades, como várias outras cuja raiz é o substantivo forma ou o adjetivo

formal. É sabido que tanto podem ter um sentido genuíno (aristotélico) como um outro (pejorativo)

utilizado, como se referiu, na linguagem vulgar, não jurídica. Assim, diz-se formalista o indivíduo cerimonioso que com as meras aparências e as exterioridades supérfluas quer que estas prevaleçam sobre a verdade substantiva, encobrindo a realidade e a autenticidade intrínseca – e que privilegia a forma em detrimento da substância. Mas ao utilizar as expressões forma, formalidade, formalizar em sentido jurídico quer-se dizer precisamente o contrário: que se pretende revelar e consignar a verdade e a vontade real, manifestando-a claramente e de modo exato.

170 De qualquer modo, e esquecendo este sentido usado em linguagem popular, parece que todos poderemos concordar com a ideia de que formalizar um acto ou negócio jurídico é sempre pertinente - necessário mesmo -, visto que ele tem de revestir uma forma externa que o torne cognoscível e, além disso, até de um modo quanto possível inequívoco. Por conseguinte, cremos que outra ideia – a de uma confiável

exatidão391 - deve estar ligada a este conceito. E tradicionalmente está-o392.

E não só a palavra formalidades, como várias outras cuja raiz é o substantivo

forma ou o adjetivo formal. É sabido que tanto podem ter um sentido genuíno

(aristotélico) como um outro (pejorativo) utilizado, como se referiu, na linguagem vulgar, não jurídica. Assim, diz-se formalista o indivíduo cerimonioso que com as meras aparências e as exterioridades supérfluas quer que estas prevaleçam sobre a verdade substantiva, encobrindo a realidade e a autenticidade intrínseca – que privilegia a forma (a ‘pseudo-forma’) em detrimento da substância. Mas ao utilizar as expressões

forma, formalidade, formalizar em sentido jurídico quer-se dizer precisamente o

contrário: que se pretende revelar e consignar a verdade substantiva, manifestando-a claramente e de modo exato. Dito ainda noutro prisma: não se pretende, de modo algum, significar que a forma, com a formalidade utilizada, valha mais que o conteúdo. Claro que não, até porque a forma, e a correta formalidade, é afinal a que consegue revelar, e revelar melhor, o conteúdo.

.

3. Tem sido frequentemente formulada a seguinte interrogação: não será vantajoso para a celeridade do comércio jurídico que se diminuam as situações em que são exigíveis as formalidades substanciais, cuja omissão vai ao ponto de tornar inválido o negócio jurídico?

Afigura-se-nos que a resposta não é uniforme para qualquer situação, não podendo ser imediatamente afirmativa nem negativa, já que há ponderosas razões para haver formalidades “ad substantiam”.

Com efeito, dir-se-á, citando HEINRICH HÖRSTER, que nos parece ter dado uma boa resposta a esta questão: “A exigência de forma legal, sem a qual o negócio não é válido, parece implicar, à primeira vista, uma redução da fluência e da celeridade do

391 Esta exatidão está ainda, à luz do estabelecido na lei civil (v.g. no art.º 371º, nº 1 do C.C.), ligada à

eficácia e plenitude probatória do conteúdo do documento, como referimos a propósito dos conceitos de autenticidade e de fé pública.

392 E não só ao conceito jurídico, mas igualmente ao etimológico e ao próprio de todas as ciências

exactas. Com efeito, formular ou reduzir a fórmulas também significa em linguagem científica (química, matemática, etc,) equacionar com precisão e sintetizar conceitos com rigor.

171 tráfico jurídico. No entanto, quando a lei exige a forma não o faz para reduzir a fluência do tráfico jurídico, mas antes para garantir a sua eficiência e segurança, protegendo-o deste modo, no interesse geral”. E seguidamente acentua esta ideia dizendo: “Estes objetivos justificam o desvio aos princípios da liberdade declarativa e de forma”393.

Muitos outros autores lembram a importância das formalidades, mormente para a segurança e certeza do negócio394 e, em geral, repetem os argumentos que têm sido aduzidos num e noutro sentido.

MANUEL DE ANDRADE lembra que se costumam indicar as seguintes: a) defender as partes conta a sua própria leviandade; b) obter uma clara e completa expressão da vontade; c) separar bem as negociações dos termos definitivos do negócio; d) facilitar a prova da declaração de vontade.395

Também se tem destacado a coexistência de uma diversidade de motivos. MOTA PINTO indicava quatro razões: a) conferir uma mais elevada dose de reflexão, defendendo as partes “contra a sua ligeireza ou precipitação”; b) contribuir para separar a fase da negociação, pré-contratual, da do negócio definitivo; c) permitir uma formulação precisa e completa da vontade das partes; e ainda d) uma outra, e a nosso ver quiçá a mais relevante razão, que é a de proporcionar um maior grau de certeza quanto à prova e sobre a celebração do negócio e dos seus termos 396.

Na acima citada obra, mas na edição com PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, é muito justamente dito que “as razões são variadas e que nem sempre se pode

isolar um só motivo determinante”. Às razões já aduzidas é acrescentado o argumento de que a formalização possibilita “uma certa publicidade do acto”397

. Também PAULO MOTA PINTO, quando estuda a “declaração tácita” 398, refere que “a razão de exigência

393

Cf. HÖRSTER, Heinrich Ewald, “A Parte Geral do Código Civil Português, p. 443.

394 Este aspeto do problema - que cremos ser atual, mas que também há anos vem sendo invocada pela

doutrina (vide MOTA PINTO, Carlos Alberto da, “Teoria Geral do Direito Civil”, p. 340 e al. d) de p.

341) - responde com clareza ao pretenso inconveniente da “redução da fluência e celeridade do comércio jurídico”. A propósito dos sistemas de registo (de que adiante falaremos) este ponto tem sido igualmente objeto de debate.

395 Cf. citada “Teoria Geral”, II, pp. 143/144. 396 Cf. op. cit., pág. 341.

397 Vide: “Teoria Geral do Direito Civil”, citada, p. 429. 398

Cf. MOTA PINTO, Paulo: “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, p. 505. Na nota (196) este Autor cita as principais razões e, entre elas, também a “de um certo controlo

público” sobre alguns dos negócios mais importantes”. Também se nos afigura sumamente relevante

este aspeto do controlo público, com óbvias repercussões em vários domínios, nomeadamente nos dos direitos fiscal e penal.

172 de forma legal que pode ser inteiramente satisfeita para a declaração tácita, com a formalização dos factos concludentes, é praticamente apenas a probatória”399.

Numa outra linha de pensamento, MENEZES CORDEIRO, depois de indicar os

motivos tradicionais para justificar as exigências de forma – que serão as razões de solenidade e de publicidade, de reflexão e de prova –, passa a criticá-los, dizendo que o primeiro é assegurado pelo registo (e por certas publicações obrigatórias) que a reflexão não corresponde a quaisquer formalidades exigidas e que a prova também pouco ajuda até porque as dificuldades de prova põem em causa a existência do negócio e não a sua validade400.

Cremos, todavia, que estes apontados “motivos tradicionais” não são os que realmente importam. A nosso ver o que verdadeiramente releva na atualidade é a questão da segurança e da indubitabilidade da celebração do acto ou negócio401. É que, realmente, as formalidades visam sobretudo - e como observou HEINRICH HÖRSTER -

conferir eficiência e segurança ao comércio jurídico, aspetos estes que, inclusivamente com as ‘novas tecnologias’, tendem a ser continuamente aperfeiçoados.

De resto, também não se afigura que colha o velho argumento segundo o qual as formalidades são um “entrave ao tráfico” - e que entre nós também corresponde (ou correspondia) ao entendimento de OLIVEIRA ASCENSÃO,402 assim como nos parece bastante desajustada dos nossos dias a ‘romântica ideia’ que os célebres tratadistas

ENNECERUS e NIPPERDEY parece terem defendido ao dizer que “o contraente de boa fé

se entrega ao de má fé, pois o homem escrupuloso considera-se vinculado mesmo pela palavra dada sem sujeição de forma” 403

. Nobres ideiam estas! Contudo, atualmente, meras ‘utupias’. Infelizmente, quase ninguém confia plenamente no outro. E temos de reconhecer que a “palavra dada” é hoje, triste mas realisticamente, uma pura memória do passado404.

399 Idem, p. 509.

400 Vide op. cit., pág. 319/320.

401 Dizemos que as razões que ‘na atualidade’ verdadeiramente importam são as da indubitabilidade e

segurança, visto que, como adiante se dirá, as próprias ‘chaves’ e formalidades que, mesmo à luz de

imposições do direito comunitário, têm de ser utilizdas no documento eletrónico, visam tais objetivos.

402 Para este Professor as razões da forma legal “nem sempre são convincentes”, até porque

“frequentemente leva a postergar a vontade das partes, em vez de a favorecer” (cf. “Teoria Geral do Direito Civil”,1992,Vol. III, pág. 186. Todavia, não sabemos se terá modificado esse entendimento, mormente em face da atual ‘necesssidade’ de tais exigências no documento eletrónico,

403 Citados por

RUI DE ALARCÃO - op. cit., pág 178 e nota (4), na qual menciona como fonte da citação o Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, 14ª ed., 1955, § 154º, I.

404

Note-se: mesmo nos países onde o cumprimento das normas é a “regra geral” (da Suécia à Suíça ou à Alemanha) é hoje impensável que se contrate confiando apenas na mera “palavra dada”.

173 Na era atual a generalidade das pessoas nem sequer se conhece e, mesmo quando se trata de conhecidos, entendem que não devem crer - e os próprios factos confirmam que não podem acreditar - na mera “palavra dada”. Por outro lado, também ninguém aceita (nem deve aceitar) a indefinição verbal, nem tão-pouco se dispõe a correr os inerentes riscos. É que todos querem contratar (e bem) com um mínimo de segurança e de garantias. Note-se ainda que (como adiante diremos) esta

indispensabilidade da segurança é uma realidade indiscutível e pode mesmo afirmar-se

que ainda mais ‘acresceu’ na era da globalização405

.

4. Não nos parece que o simples escrito, sem qualquer garantia, possa considerar-se suficiente. Por isso, ainda que esta forma seja um pouco melhor do que a oral, não cremos que permita “distinguir com alguma segurança as negociações do contrato propriamente dito”406

, mesmo porque as simples hipóteses de (futuras) cláusulas contratuais são frequentemente (e bem) reduzidas a escrito.

As formalidades não são meros ‘entraves’ à fluidez do tráfico ou resquícios de um passado, que na contemporânea era da denominada ‘contratação eletrónica’407 se configure como retrógrado. Pelo contrário, temos de acentuar que são também instrumentos indispensáveis para conseguir fixar a verdade negocial e para permitir alicerçar a confiança, designadamente nesta muito difundida408 espécie de contratação409.

405 Este foi um dos temas aprofundados e debatidos no Colóquio sobre “Globalização e Direito”

realizado na Faculdade de Direito de Coimbra e no 20º Aniversário do “Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro” (constante do publicação “Studia juridica”, Colloquia 12, nº 73), que reproduz as várias intervenções que é aqui impossível sintetizar.

406

A afirmação transcrita é de PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, p.709. 407

Como adiante se dirá, afigura-se que esta designação é ambígua e que, em rigor, nem se poderá dizer que exista uma pura ‘contratação eletrónica’ (feita por computadores e não por pessoas?). Existe, sim, o contrato (celebrado entre os outorgantes) e que é transmitido e fica ‘arquivado’ eletronicamente, bem como o ‘documento eletrónico’ ou ‘digital’. Assim, pensamos que essa difundidíssima e singela expressão ‘contratação eletrónica’ talvez devesse ser substituída pela de ‘contratação por via eletrónica’.

408 Decorreram já alguns anos desde a preleção realizada (a 28 de Abril de 2000) por

MÁRIO CASTRO MARQUES na Faculdade de Direito do Porto sob o tema “O comércio eletrónico-algumas questões jurídicas”. Neste trabalho - incluído na publicação do CIJE sob o título “O Comércio Eletrónico Estudos Jurídico-Económicos” (pág. 35-55) o Autor refere-se (v.g. a p. 45) ao desenvolvimento desta

vertente comercial das novas tecnologias, sendo também essencial a procura de “alguma segurança

jurídica” nesta, como em qualquer outra, forma de contratação

409 Cf.

VICENTE, Dário Moura, “Problemática Internacional da Sociedade de Informação”, p. 201. Diz este Autor que, do comércio eletrónico “não existe uma noção sedimentada. Em sentido restrito, tem sido definido como a contratação realizada através da Internet. Numa aceção mais ampla, dir-se-á que é a atividade comercial levada a cabo por meios eletrónicos (doing business electronically)”. A pág. 227 referindo-se aos “contratos eletrónicos” diz que se trata de contratos “que se distinguem dos demais em razão do meio pelo qual são concluídos. Stricto sensu são aqueles em que os meios eletrónicos operam

174 De facto, a mera consignação por escrito – e obviamente que a escrita eletrónica (de que falaremos) é uma das “linguagens” ou modos de escrever possíveis – é, em si mesma, uma formalidade. De qualquer modo, parece-nos evidente que, mesmo quando se utilizam meios eletrónicos, a desregulamentação e o facilitismo no que concerne à forma e às formalidades dos negócios jurídicos geram a incerteza, a provável conflitualidade e, consequentemente, a menor competitividade. Pelo contrário, sendo os contratos, seus termos e condições, claros e prontamente demonstráveis, a negociação torna-se mais credível e portanto tem melhores condições para progredir.

Daí que tenham sido desenvolvidos procedimentos vários para, como se disse no art.º 26º do Dec-Lei nº 7/2004, de 7/1410 (alterado pelo Dec-Lei nº º 62/2009, de 10/3) oferecerem “as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação” concernentes às exigências legais de forma. E hoje isso ocorre não apenas na Europa Comunitária, como praticamente em todo o mundo411.

Não podemos esquecer ainda outros aspetos do problema, quiçá igualmente relevantes, sobretudo na época contemporânea. É que, se por um lado, existe a