• Nenhum resultado encontrado

1. Pretendemos desde já esclarecer que (talvez apenas à falta de outra melhor designação54) intitulamos este parágrafo de um modo que aparenta, porventura inusitadamente, alguma secundarização do documento em causa, inculcando que ele trata e consigna factos com eventual inaproveitabilidade ou menor importância e que, inclusivamente, mereçam pouca atenção.

A verdade, porém, é que nada disso se passa e não é esse o nosso intuito. Queremos unicamente dizer que há outro tipo de documentos que podem, ou não, ser “instrumentos públicos” (nas notas ou fora das notas) e que:

i. Servem para comprovar ou atestar factos, circunstâncias, eventos ou ocorrências (por vezes ocasionais) que o notário verifica ou é chamado a verificar como ‘oficial público’ detentor de uma fé pública genérica;

documento autêntico, embora não tenha tido por parte do notário a interveção essencial que consiste no controlo da legalidade intrínseca do documento.

53 Consideramos que a inserção dos certificados nesta Secção do C.N. - e não na Secção III - é anómala

e injustificada já que, (como se explicitará no texto) eles são instrumentos públicos avulsos, autónomos, e não cópias ou meras certidões de outros documentos preexistentes.

54 Andamos buscando na legislação e na doutrina uma outra, quiçá mais adequada, designação genérica

desta espécie de documentos. Pensamos nas expressões documento acessório, documento acidental, documento ocorrente,… mas nenhuma nos satisfez e acabamos por adotar a supra referida.

43 ii. Podem ter uma função, por assim dizer, instrumental ou complementar e que, em regra, acompanham e podem integrar aqueles que constituem os instrumentos públicos típicos, ou que são eles mesmos, propriamente, o título.

2. O grupo primeiramente indicado refere-se aos documentos que no direito notarial espanhol se chamam “atas”55

e que entre nós estão englobados – ao que nos parece, como já dissemos, erradamente – na Secção do C.N. que tem a epígrafe “Certificados, certidões e documentos análogos”. Por outro lado, verificamos que os ‘análogos’ são, como se deduz da epígrafe da Subsecção III, as públicas-formas.

Ou seja: a lei trata os certificados de uma forma ‘minimalista’, como se fossem alguma espécie de cópia, certidão ou pública-forma (que adiante também referiremos), quando o certo é que o “certificado” é um documento da maior importância prática, que nada tem a ver com as certidões e públicas-formas, já que estas apenas reproduzem (total ou parcialmente) o conteúdo de documentos. Todavia, os certificados são documentos originais que atestam um acto ou facto que, embora não tendo um conteúdo negocial, como acontece com o habitual instrumento público, é (e em muitos casos a lei manda que seja) consignado também de um modo autêntico.

Trata-se, portanto, de documentos autênticos (neste sentido, instrumentos) que fazem prova plena do que “neles é atestado “com base nas perceções” do notário (art.º 371º, nº 1, do C.C.). Daí que nos pareça muito mais apropriado o tratamento que lhes dão tanto a lei notarial, como a doutrina espanholas56, denominando-as “atas notariais” e considerando-as também uma das espécies de “instrumento público”57.

3. O nosso Código do Notariado também se refere aos certificados de um modo

soi-disant “estranho” (parecendo mesmo ignorar os conceitos) no art.º 4º, ao indicar a

“competência dos notários”. Com efeito, menciona, a partir da alínea d), algumas espécies de certificados, para depois na g) se referir às certidões (que, como se disse,

55

Não se trata, também no direito espanhol, das actas de órgãos societários a que já nos referimos, mas sim das“actas notariales”, especialmente reguladas numa Secção do Regulamento Notarial (R.N), a Secção IV (art.ºs 198º a 220º, compreendendo 7 subsecções) que trata das “actas de presença”, “actas de referência”, “actas de notoriedade”, “actas de depósito”, “actas de leilão” e várias outras.

56 Não descortinamos em qualquer dos autores consultados a menor discordância a propósito da

denominação de “actas notariales” e antes uma generalizada concordância com essa designação. (Cf. por ex.: SANAHUJA Y SOLER, op. cit., Tomo II, pp. 1-24; ESCOBAR DE LA RIVA, op. cit., pp. 462-478 e 479-491; e GUIMÉNEZ-ARNAU, op.cit., pp 723-741.

57

O artº 17º da “Ley del Notariado” e o 144º do R.N. espanhol (que se referem ao instrumento público), consideram que as “actas” são uma das espécies do instrumento público.

44 nada têm a ver com os certificados), mas voltando nas h) e i) a referir-se a “instrumentos” que ‘voltam a ser’ certificados. Aliás, o que são para a nossa lei as atas dos órgãos sociais (mencionadas no nº 6 do art.º 63º do C.S.C.) senão um documento autêntico “lavrado” pelo notário?

O Código refere-se a diversos tipos de “certificado” na Subsecção II da IX Secção (do Título II correspondente aos atos notariais). Começa pelos que denomina “certificados de vida e de identidade” (art.º 161º). Este tipo de certificado constitui uma espécie de ‘prova de estar vivo’ e destina-se muito especialmente aos serviços de segurança social, quer nacionais, quer talvez sobretudo estrangeiros. Com efeito, continua a ser muito solicitado por ex-emigrantes que recebem pensões de reforma dos países onde trabalharam e que, para as continuarem a receber, necessitam de fazer prova de que estão vivos58.

Estes certificados, tendo de conter os elementos de identificação da pessoa a que respeitam e a forma como esta foi verificada, bem como a assinatura, podem ainda (nº 2 do art.º 161º) conter “colada a fotografia do interessado” e, sobre ela, “o selo branco do cartório”. Ora esta disposição, que provém dos códigos anteriores, em época em que isso se justificava, acaba por permitir uma espécie de documento de identificação alternativo aos que a lei consagra e permite utilizar para esse fim (v.g. bilhete de identidade e cartão de cidadão) e não nos parece que corresponda aos objetivos que continuam a permitir que notário o lavre - e está mesmo em contradição com o princípio consagrado no artº 4º do C.R.C.-, pelo que, em nossa opinião, não deveria ser atualmente emitido como documento de identidade (que deve ter uma natureza própria), ou seja, com aquele ‘complemento’ da imagem fotográfica do interessado.

3.1. Uma das outras importantes espécies de certificado especialmente prevista (artº 162º do C.N.) é a que se destina a provar que o interessado tem uma dada profissão ou desempenha determinado cargo.

Pode tratar-se de um cargo público ou privado, como é o caso de ser gerente ou administrador de uma pessoa coletiva, o que, se não for do conhecimento pessoal do

58

Em alguns países (v.g. em França) têm sido aceites pelos serviços de segurança social “atestados” passados pelas juntas de freguesia em que se confirma que o cidadão está vivo. Não nos parece que tal se inscreva na “área de competência” legalmente fixada para as juntas de freguesia (ao contrário dos atestados de residência, para os quais têm competência), pelo que - de harmonia com o já citado e célebre exemplo de FERRUCCI – esses não serão documentos autênticos.

45 notário, ele deve verificar através dos documentos que lhe forem exibidos. Nesta hipótese, manda o art.º 162º do C.N. que os mencione no certificado.

3.2. O Regulamento comunitário que estabelece o regime jurídico das sociedades anónimas europeias (o CE nº 2157/2001, do Conselho, de 8 de Outubro) prevê, no art.º 8º, nº 8, que seja emitido “por um tribunal, um notário ou outra autoridade competente um certificado que comprove de forma concludente o cumprimento dos atos e formalidades prévias à transferência” da sede da sociedade para outro Estado e o nº 2 do art.º 25º estabelece o mesmo para o caso de fusão.

Foi por isso que o Dec-Lei nº 2/2005, de 4/1, alterou alguns dos códigos que se referem às indicadas sociedades e, no art.º 7º, aditou ao C.N. os artigos 162.º-A e 162.º- B, que preveem os certificados a elas relativos, bem como as regras a que estão sujeitos e as indicações que devem conter.

3.3. Quanto a outros factos que devam e possam ser certificados, o art.º 163º do C.N. diz-nos que têm de ser certificados “com precisão” sendo, além disso, necessário referir a forma como o notário deles teve conhecimento.

Neste tipo genérico de factos há uma multiplicidade de circunstâncias e de elementos que podem ser mencionados, por solicitação do interessado, bastando que o notário os possa verificar e comprovar, quer por presenciar pelos seus próprios sentidos o que é dito ou feito, quer por via indireta de uma prova que lhe seja feita e que considere suficiente, o que também deve precisar no próprio instrumento.

Foi certamente devido ao facto de a lei notarial já há muito tempo admitir esta possibilidade genérica59, que o C.S.C. considerou ‘normal’ a possibilidade de as atas das reuniões dos órgãos sociais poderem ser lavradas por notário. E, nesse caso, como é evidente, as deliberações tomadas ficam comprovadas em documento autêntico de uma forma idêntica à que resularia se fossem consignadas através de escritura pública.

3.4. A legislação notarial espanhola prevê, como se disse, muitas espécies de “atas” (os nossos certificados), - que não apenas as de atestação de “factos” – como é o caso das de presença em reuniões, entrega de documentos, ocorrência de eventos (art.ºs 199º e 200º do R.N.), envio de cartas ou encomendas postais (art.º 201º), de notificação

46 pessoal e de requerimento (art.º 202º a 206º), de exibição de coisas e documentos (art.º 207º), de referência (art.º 208º), de notoriedade (art.º 209º-210º), de protocolo (art.ºs 211º- 215º), de depósito (art.ºs 216º-217º) de prova de liquidação, incluindo da entrega de coisa certa (art.ºs 218º-219º) e de leilões (art.º 220º)60.

Admitimos, embora com algumas reticências quanto à viabilidade prática da emissão de alguns destes certificados, que também entre nós se defenda essa possibilidade, mormente com base no que consideramos ser a ‘fé-pública genérica’ dos notários e que, afinal, caracteriza e é inerente à própria função notarial. Pensamos ainda que muitos deles também poderão ser passados, irrecusavelmente, com base no disposto no art.º 163º do C.N.

4. Outro importante grupo destes documentos a que chamamos acessórios é constituído pelas traduções, que também é comum a outras legislações, embora enquadradas num diferente tipo de documentos61.

4.1. O nº1 do art.º 172º do C.N. indica duas espécies de tradução: 1) - a que se

destina a verter para português o documento escrito em língua estrangeira, e 2) – a

versão para língua estrangeira de documento escrito em português.

Qualquer destas modalidades não levanta especiais interrogações, mas já levantará, porque não está prevista, a hipótese de ser solicitada ao notário a tradução de documento escrito num idioma estrangeiro para outro, também estrangeiro. Propendemos a considerar que isso é possível, designadamente porque podem não existir em Portugal as respetivas representações diplomáticas ou consulares e, dada a referida possibilidade genérica da atuação do notário em matéria documental, bem como à eventualidade de haver vários tradutores, como iremos referir, em princípio nada impede. A referida admissibilidade também resulta (indiretamente embora) do estabelecido no art.º 65º, nº 2, in fine, do C.N.

60 Os autores espanhóis que temos vindo a citar referem-se, com pormenor, a estas actas, Em particular

quanto às que denominam de presença, GUIMÉNEZ-ARNAU, op.cit., p. 743; ALFREDO GARCIA e

BERNARDO LANDETA, “Técnica jurídica y prática notarial”, pp. 23 e 33, especificam as que requerem

a própria presença física do notário.

61 Em Espanha este tipo de documentos – e outros de grande utilidade, como o “certificado de vigência

de leis” – é que são considerados certificados. Trata-se de certificar, nomeadamente para efeito de prova, a conformidade entre o que é originalmente dito num idioma e a sua fidedigna tradução noutro.

47 4.2. Na Subsecção IV (art.º 172º) - que contempla as traduções como documento análogo ao certificado, de que falámos, - não está prevista a hipótese de inexistir tradutor da língua em causa para o português (e vice-versa), podendo, no entanto, haver um que traduza o idioma pretendido para uma terceira língua e um outro que faça a tradução desta para o português62. Entendemos que este caso é manifestamente análogo ao da tradução verbal feita por tradutor no instrumento público - quando nele intervém como “interveniente acidental” – situação para a qual existe a disposição expressa do nº 2 do art.º 65º do C.N. Assim, deve também aplicar-se este preceito ao caso que ora tratamos da tradução escrita.

Consequentemente, somos de opinião que, quando não for possível encontrar um único tradutor para o idioma pretendido, podem intervir no documento os tradutores que forem necessários, analogamente ao que está previsto no citado nº 2 do art.º 65º.

4.3. A tradução, apesar de hoje em dia aparecer disponível em inúmeros sítios da Internet, é obviamente um trabalho diferente, difícil e complexo (é velho o adágio italiano “tradutore, traditore”), já que não basta traduzir ‘palavra a palavra’, sendo igualmente (ou até mais) necessário ir ao encontro do pensamento e da vontade expressa e que se tem de verter fielmente no documento traduzido.

Daí que a própria lei, no indicado art.º 172º faça uma série de exigências e mande aplicar os requisitos das certidões, bem como o nº 3 do art.º 44º, que alude ao “tradutor idóneo” e ao juramento ou compromisso de honra que ele deve prestar, afirmando “perante o notário, ser fiel a tradução”.

É por tudo isto que se afigura que o notário não tem de aceitar toda e qualquer tradução que lhe seja apresentada para autenticar se apenas for dado um cumprimento formal aos mencionados requisitos e antes deverá recusar o ato se considerar que o tradutor não é idóneo.

5. Não estão regulamentados no Código do Notariado outros ‘documentos acessórios’. Existem, sim, os documentos complementares (art.º 64º do C.N.) que são

62 Afigura-se-nos que o número de tradutores não está legalmente limitado. Com efeito, poderá haver a

seguinte situação, por ex. na tradução de um documento escrito em albanês. Não se encontra tradutor de albanês para português, mas já há um que traduz aquela língua para búlgaro e, por sua vez, outro que traduz o búlgaro para alemão e finalmente o que traduz o alemão para português. Tratando-se da intervenção na escritura pública é evidente que a “comparência” dos tradutores tem de ser simultânea e que as traduções têm de ser feitas no mesmo acto. Quando, porém, se considera o documento autónomo, de que estamos a falar, admitimos que tais intervenções possam ter lugar num único documento, subscrito por todos (a situação “ideal”), mas também que possam ter lugar em documentos separados.

48 coisa muito diferente, como resulta do próprio texto legal. No entanto, dada a já mencionada “fé pública” geral de que goza o notário, consideramos perfeitamente possível que seja emitido um qualquer documento avulso, idêntico ao certificado, que ateste uma determinada verdade que o notário comprove.

A mero título de exemplo, refira-se que em Espanha existem os denominados “protocolos” para uma multiplicidade de situações e com diversos significados63

, que nos parece que também o notário português poderá emitir.