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3 Documentos autenticados por outras entidades

1. O já indicado Dec-Lei nº 76-A/2006 veio, no art.º 38º, permitir que, “sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades”, a autenticação de documentos pudesse ser feita por câmaras de comércio e indústria legalmente reconhecias, bem como por conservadores, oficiais de registo, advogados e solicitadores.

Destes últimos falámos já, pelo que cabe agora referir os que foram primeiramente indicados naquele artigo 38º.

2. Se nos perguntassem o que pensaríamos da eventualidade de haver entidades particulares que, sem terem necessidade de possuir qualquer qualificação jurídica, nem sequer a simples obrigação de, elementarmente, saber o que é a autenticidade de um acto, pudessem, sem limites ou condições, proceder à autenticação de documentos, diríamos, sem hesitação alguma, que isso constituía um ilogismo e um completo contrassenso.

Pois bem: essa ‘impensável’ opção veio a ser a do legislador que, no nº 1 do referido art.º 38º diz que as câmaras de comércio e indústria (e outras entidades) podem “autenticar documentos particulares”. Ora, essas câmaras, reconhecidas pelo Dec-Lei nº 244/92, de 29/10, são entidades privadas que a lei qualifica como “associações empresariais” constituídas por pessoas que “exerçam, direta ou indiretamente, atividades de natureza económica”, a quem cabe, entre outras ocupações, fomentar as relações comerciais, prestar serviços aos agentes económicos, bem como promover e coadjuvar as exportações e importações.

São muitas as câmaras de comércio e indústria que, num âmbito nacional ou mesmo regional, não estão integradas em qualquer organismo público ou privado e cujos objetivos têm essencialmente natureza mercantil. São, com efeito, associações empresariais, autónomas e os atos que praticam não obedecem a um “regulador”, nem carecem de ser escortinados ou aprovados.

Por outro lado, inexiste nelas o que há nas ordens profissionais, ou seja, um

registo (geral) de autenticações, feito num sindicável “sistema informático” que, como

se disse, no caso de advogados e solicitadores, é gerido, respetivamente, pela O.A. e pela C.S.

Além disso, estas ordens profissionais são instituições que têm reconhecimento público, que impõem regras, e que exercem legalmente uma tutela profissional e

123 deontológica no que toca ao exercício da atividade dos seus membros, os quais só podem desempenhar as respetivas funções se, e enquanto, nelas estiverem inscritos.

Consequentemente, o ‘registo informático’ dos termos de autenticação (bem como certificações e recomhecimentos) nas bases de dados existentes nas referidas ordens confere-lhes, como é evidente, uma credibilidade muito maior do que se tudo fosse apenas feito, interna, privada e, sobretudo até, insindicavelmente, no próprio escritório do advogado ou do solicitador.

Todavia, é essa insindicabilidade que se verifica quando a autenticação do documento é feita nas câmaras de comércio e/ou de indústria. Com efeito, o 1º segmento do art.º 2º da referida Portaria nº 657-B/2006 diz que a gestão do sistema informático cabe (apenas internamente) a essas entidades, mas não as obriga a que procedam de um modo verificável, nem tão-pouco impõe que os seus computadores sejam controlados por uma entidade pública.

Por todas estas razões, discordamos radicalmente da possibilidade destas câmaras poderem proceder à autenticação de documentos. De facto, como dissemos, trata-se de meras ‘entidades’ privadas vocacionadas para os negócios, cujos sócios são habitualmente sociedades comerciais, e que não têm de ter juristas nos seus quadros, nem quem se preocupe ou saiba algo sobre a autenticação de documentos. Também não ‘prestam contas’ sobre essas matérias. E - perguntamo-nos - na prática quem autentica? Um tarefeiro, um empregado de armazém, ou outro qualquer?

Consequentemente: na hipótese de litígio, talvez os julgadores tenham de ponderar se as autenticações aí feitas são credíveis, apreciando-as numa perspetiva porventura mais rigorosa e considerando (é claro, face ao caso concreto) a eventual facilidade de alguma falsificação.

3. Foi ainda consentido pelo supracitado preceito que os documentos particulares fossem autenticados por conservadores e oficiais de registo.

Entendemos (e parece que a quase totalidade dos autores também entende) que a possibilidade da autenticação, em geral, ter sido também expressamente atribuída aos conservadores, é de algum modo ‘óbvia’, natural, e até se poderá dizer que nem sequer constitui uma novidade. Efetivamente, depois de sucessivas reformas, operadas sobretudo a partir do Dec-Lei nº 60/90, de 14/2, que vários tipos de “autenticações” são feitas nas conservatórias, para não dizer que também a publicidade registral goza de “fé pública” (nalguns casos, como nos de registo civil, porventura até num grau soi-disant

124 superior e mais ‘evidente’ do que o notarial) e ainda que o exercício da função, bem como a preparação profissional e a responsabilidade pela prática dos atos por parte de conservadores, entre nós (assim como em Espanha ou no Brasil) não é, de modo algum, inferior à dos notários (e, após a privatização destes, bem pelo contrário).

Consequentemente, dever-se-á considerar não apenas justificável, mesmo por “maioria de razão” em relação aos outros profissionais, mas também oportuna e lógica a atribuição aos conservadores da competência para autenticar documentos.

Polémica foi, sim, a atribuição de igual competência aos oficiais de registo. Não se afigura, porém, que a disputa sobre o caso, nas atuais circunstâncias289, tenha grande razão de ser. Na verdade, por um lado, também os funcionários dos cartórios, que, em geral, não têm melhores qualificações, nem mais apertadas condições de acesso, praticam regular e responsavelmente esses atos e acontece mesmo que transitam com alguma frequência de uns para outros destes serviços. Acresce esta razão determinante: esses funcionários atuam debaixo do controlo e da vigilância dos conservadores, assim como os dos cartórios da dos notários.

Todavia, o que se nos afigurava melhor era que o legislador tivesse esclarecido que esses funcionários só poderiam praticar estes atos com autorização do conservador290 (à semelhança do qua acontece com o notário), elucidando-se, assim, que não existia uma competência própria, mas unicamente uma competência que tivesse de ser considerada delegada.

Diremos, por último, que as autenticações feitas nas conservatórias têm habitualmente em vista a prática de atos de registo que, evidentemente, também são da responsabilidade dos que aí exercem funções.

289Atuais circunstâncias “tamásicas” e obscuras. Referimo-nos ao facto de, nas alterações dos códigos

dos registos iniciadas com o controverso Dec-Lei nº 76-A/2006, ter sido atribuída competência a esses funcionários para qualificarem juridicamente, e sob sua responsabilidade, pedidos de registo respeitantes a alguns complexos casos – o que nos parece algo absurdo e mesmo “pior” do que aquele que ora é tratado.

290 De facto, cabe notar que essa autorização será sempre necessária, visto que é ao conservador que

compete distribuir o serviço e determinar o que cada funcionário está incumbido de fazer. Todavia, como se diz no texto, parecia-nos preferível que, no tocante a esta matéria, a lei o tivesse clarificado melhor, ou seja, de forma expressa.

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