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5 Escrituras públicas em especial – a habilitação

1. As reformas do notariado e dos registos, ditas de simplificação, - que, como já temos referido foram, a vários títulos, e ao que pensamos, criticáveis241, - iniciadas principalmente com o citado D.L nº 76-A/2006, reduziram drasticamente o domínio de aplicação do art.º 80º do C.N., de modo que hoje sãopoucas242 as hipóteses em que é exigível que a titulação do ato se faça por escritura pública.

Por isso, ao tratar das escrituras públicas em especial, aludiremos apenas e o mais sucintamente possível, à habilitação de herdeiros e às justificações, porque respeitam a atos que carecem de prova documental própria e, por vezes, suscitam algumas dificuldades práticas. Além disso, são aqueles a que (na Secção II, do Capítulo referente aos atos notariais e sob a epígrafe “escrituras especiais”), o C.N. dedica alguma atenção243.

241

Referimo-lo v.g. na conferência feita em 12.07.2007 na A.J.B.e constante do citado livro “Temas de Registos e de Notariado”, pp. 429-464. Cabe, no entanto, precisar o seguinte: nem todas as simplificações que inicialmente se afiguravam inconvenientes o têm sido. E tal deve-se também às ‘boas práticas’ entretanto adotadas e a alguns ‘aperfeiçoamentos’ que o legislador foi introduzindo.

242 Com efeito, as escrituras previstas na al. b) do artº 80º (cuja necessidade resulta óbvia) são bastante

escassas, bem como as da al. g), sobretudo depois de a Lei n.º 40/2007, de 24 de Agosto, ter criado o “regime de constituição imediata de associações” sem escritura pública. Com as habilitações, depois de ter sido criado nas conservatórias o chamado “balcão de heranças”, também se tem verificado idêntica ‘fuga’ à sua titulação por escritura pública.

243 É certo que no C.N. se abriu uma última subsecção (com a epígrafe “escrituras diversas”) e com um

único artigo em que se refere à escritura de “extinção da responsabilidade da emissão de títulos”.

Todavia, não nos parece que acrescente algo importante ao que já resultaria do que devia ser referido de harmonia com o ‘normal’ critério notarial e com o pertinente conteúdo e as regras da escritura pública, a que já aludimos. Por isso, e também porque se trata de uma escritura raríssima, não nos pareceu nem necessário, nem oportuno, a ela fazer uma alusão especial no presente capítulo. Quanto às escrituras a que se referem as alínes b) e g) do art.º 80º nenhuma disposição específica existe no C.N. que a elas diga respeito, pelo que também se afigura desnecessário focá-las neste capítulo.

101 A habilitação notarial pode hoje ser feita (ao contrário do que ocorria antes da publicação do Dec-Lei nº 227/94, de 8/9244), mesmo que os habilitados sejam menores

ou incapazes, tendo portanto ficado sem aplicação, ainda antes da publicação do C.N. de 1995, as ressalvas contidas nas als. a) e b) do nº 1 do art.º 91º do Código de 1991.

2. Quanto à habilitação de herdeiros por via notarial, o nº 1 do art.º 83º indica que “consiste na declaração, feita em escritura pública, por três pessoas, que o notário considere dignas de crédito, de que os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou quem concorra com eles”. O nº 2 esclarece que “em alternativa” a declaração pode ser feita pelo cabeça-de-casal.

Não nos parece que esta definição seja clara e completa. Na verdade, os habilitandos podem não ser “herdeiros”, mas sim “legatários”, nos casos que o próprio C.N. especifica (art.º 88º). Por outro lado, como resulta do disposto na al. c) do art.º 85, nº 1, do mesmo Código, a habilitação não se destina apenas a provar a qualidade de herdeiro (ou de legatário), como a seguir referiremos.

Quanto à expressão “pode ser feita em alternativa” também se afigura que é confusa e está desajustada do importante papel do cabeça-de-casal e do que a lei veio a considerar nos art.ºs 210º-B e 210º-Q do C.R.C. Na verdade, deduz-se das várias disposições que a declaração necessária para ser lavrada a escritura de habilitação pode ser feita, indiferentemente, tanto pelo cabeça-de-casal, como pelas três pessoas dignas de crédito245, ainda que seja àquele que, à luz da lei civil, cumprirá ‘em primeira mão’ promover a habilitação246 (e não supletivamente ou “em alternativa”, como diz o Código, no caso de as três pessoas o não fazerem).

Consequentemente, julgamos que redação daqueles nºs 1 e 2 do art.º 83º devia ser diferente (neste ponto, a oposta), já que a habilitação é um documento a vários títulos necessário para a administração da herança. Assim, pensamos que melhor seria se a redação do nº 1 fosse esta: ‘a habilitação consiste na declaração, feita em escritura

244 É que, como se diz no preâmbulo deste diploma, foi objetivo do legislador “a eliminação da

obrigatoriedade de inventário prévio à aceitação de herança”, passando a poder ser utilizada a via notarial.

245 Na significação do conceito de “pessoas dignas de crédito” está necessariamente compreendida, por

parte delas, a inexistência de incapacidades ou incapacidades, pelo que nos parece inteiramente supérflua a disposição do art.º 84º do C.N.

246

Como dizem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, o cabeça-de-casal “é uma figura jurídica da maior importância no desenrolar da sucessão” a quem incumbem os poderes e os deveres de administração. (in “Código Comercial Anotado”, Vol VI, pp. 135-136) Ora, muitas vezes (v.g. para o registo de veículos) é necessário o comprovativo da habilitação para bem exercer tal administração corrente.

102 pública, pelo cabeça-de-casal247, ou em alternativa por três testemunhas, de que os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou quem com eles concorra’. E no nº 2 esclarecer-se-ia que a habilitação também se aplica aos legatários nos casos que ora indica o artº 88º.

3. A escritura de habilitação tem necessariamente de ser instruída com os documentos referidos no nº 1 do art.º 85º do C.N., de entre os quais, evidentemente, é sempre indispensável a certidão comprovativa do óbito do autor da herança (al. a) daquele nº 1). Tratando-se de sucessão legítima, é ainda preciso demonstrar a qualidade de herdeiro através de correspondentes certidões do registo civil (tantas quantas forem indispensáveis para essa demonstração).

No caso de sucessão testamentária, é igualmente obrigatória a junção da “certidão de teor do testamento” e existindo “escritura de doação por morte” a certidão da mesma. Acrescenta o C.N. que existe a obrigatoriedade dessa junção “mesmo que a sucessão não se funde em algum desses atos” (al. c) do nº 1). Cremos que esta exigência é adequada e reside no facto de a escritura de habilitação poder comprovar não apenas a qualidade de herdeiro (como se notou e inculca o artº 83º), mas igualmente a existência de disposições por parte do autor da herança que possam ter outras consequências (v.g. no que respeita à cobrança de impostos).

4. Refere o art.º 86º do C.N. que a habilitação notarial tem os mesmos efeitos da habilitação judicial248 e, redundantemente, diz pode ser título para registos. Como se sabe, é a habilitação de herdeiros que prova a sucessão por morte - e não a partilha249 -, visto que é uma das causas aquisitivas da propriedade (art.º 1316º do C.C.). De modo, para aquele efeito, a habilitação é o título adequado.

247 Note-se que, também judicialmente, a indicação dos herdeiros é feita através das declarações do

cabeça-de-casal.

248 É evidente que a “habilitação judicial” aqui referida é a que tem lugar no inventário (ora regulado na

Lei nº 29/2009, de 29/6 e anteriormente nos art.ºs 1326º a 1405º do C.P.C.) e cujos efeitos são gerais, e não a “habilitação de parte” (ou “ad litem”), prevista nos art.ºs 371º a 377º do C.P.C., cujos efeitos são circunscritos à causa e que, não raramente, é por vezes apresentada nas conservatórias para titular registos de aquisição “em comum e sem determinação de parte” (e, é claro, objecto de recusa). É manifesto que só a primeira é título bastante para tal.

249

Sendo, como se sabe, discutida a natureza meramente declarativa ou constitutiva da partilha (ou ‘transformativa’ dos direitos) é, ao que se crê, pacífico que não é esta que titula a sucessão, mas sim a habilitação de herdeiros (no P.º n.º R.P. 222/2010 SJC-CT do IRN, é feita uma referência e uma análise à posição dos diversos autores e do próprio IRN sobre a natureza jurídica da partilha: consultável em

103 No caso de impugnação judicial da habilitação (v.g. porque na escritura se preteriu a indicação de algum herdeiro), manda o art.º 87º do C.N. que o interessado solicite “ao tribunal a imediata comunicação da pendência do processo ao respetivo cartório notarial”. Esta cautela tem em vista a rápida e necessária feitura do averbamento previsto na al. c) do art.º 131º/1, do C.N. e que (após a decisão, como menciona a al. d) desta disposição), no contexto da própria escritura, fique tal facto publicitado, impedindo, portanto, que ela continue a produzir os seus efeitos normais.