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1. Cabe-nos, pois, tratar do documento notarial que é mais frequente e comummente havido como típico e que é a escritura pública.

Para tanto, importa, em primeiro lugar elencar,86 embora apenas indicativamente, as principais características definidoras deste documento87, devendo

84

A fé pública é um conceito de definição difícil e que, por vezes, é controversa. Todavia, - antes de na altura própria, segundo a sistematização adotada, procurarmos abordar a noção de fé pública – pode desde já dizer-se que se traduz na confiança pública e que é, em todo o “notariado latino”, inerente à

função notarial. O n.º 1 do art.º 1.º do C.N. enuncia (aliás também de modo análogo ao que estabelecem

idênticos diplomas dos ordenamentos romano-germânicos) que a função notarial se destina a dar forma legal e a “conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais”. Escrevemos em antigo parecer (no Pº do C.T. nº 76/92-R.P.4): “Dar fé pública, na formação do documento ou na sua publicidade jurídica,

realiza o direito – o que consabidamente constitui um dos principais fins do Estado”. E

acrescentavamos: “relativamente aos factos a que respeita, poder-se-á distinguir a fé pública administrativa, a judicial, a notarial e a registral”. A notarial, como se disse, é genérica e abrangente, visto que concerne a todo o universo dos factos jurídicos privados e extrajudiciais.

85 A certificação de factos especialmente previstos está contemplada nos artigos 161º e 162º do C.N. e a

de quaisquer outros factos, em geral, no art.º 163º.

86

Este elenco e a sistematização que não vimos ter sido feita, quer entre nós, quer na doutrina estrangeira consultada, pareceu-nos, todavia, que seria conveniente para a própria compreensão genérica do conceito de escritura pública.

87

Como bem se observou (entre outros, OTERO Y VALENTIN, op. cit., p. 341) não só o documento notarial, mas afinal “toda a função jurídica está naturalmente subordinada a recursos e trâmites

59 ainda precisar-se que algumas delas coexistem em documentos a que aludimos e que poderíamos designar como quase-notariais ou para-notariais, como no caso do que é simplesmente autenticado. Todavia, no que é rigorosamente notarial, diríamos que tais características são básicas e, ao menos para a generalidade deles, cumulativamente as seguintes:

a) Tratar-se de um “instrumento” que é documento escrito; b) Que é uno, datado e localizado;

c) Lavrado pelo notário ou por quem está a exercer a “função notarial”88; d) Que obedece a formalidades e requisitos rigorosa e legalmente estabelecidos; e) Dotado de força probatória plena, tratando-se, pois, de documento “autêntico”; f) Que também é título executivo;

g) Solicitado pelos interessados e autorizado pelo notário; h) Escrito na língua “nacional” e não em qualquer outra; i) Feito, redigido e preparado pelo notário, que é o seu ‘autor’; j) Configurado com a lei e com a vontade dos outorgantes;

k) Assessorado na forma e na substância pelo notário que também esclarece os interessados89 e os auxilia na formação e declaração da vontade;

l) Que contém o negócio jurídico com as genuínas e lícitas declarações dos outorgantes;

m) Ajustado, conformado e concluído na presença dos outorgantes e de outros eventuais intervenientes,

n) De quem o notário verifica a identidade e capacidade, bem como a suficiência de poderes para a outorga do ato;

o) Que é instruído com os documentos legalmente exigíveis, sendo a suficiência do seu conteúdo apreciada pelo notário;

p) Que contém as menções necessárias à identificação dos bens e dos direitos objeto dos atos e negócios jurídicos que nela são titulados;

necessários”. Contudo, aqui apenas pretendemos enunciar aqueles ‘passos’ e carateres que marcam a escritura pública como um documento típico dos sistemas romano-germânicos.

88 Referimo-nos não apenas ao “notário” num em sentido rigoroso e estrito, mas igualmente, num

sentido amplo, a quem na situação em causa incumba legalmente exercer a função notarial, como no estrangeiro é o caso do cônsul, e ainda a quem - embora muitas vezes impreparadamente (cf. FIGUEIREDO, D. M. Lopes de, “Código do Notariado”, pp.14-16) - a esteja a exercer, como na hipótese

de uma substituição ou de alguns apelidados “notários privativos”. Consequentemente, doravante, ao falar de “notário” ou de função notarial”, usamos as expressões nesse sentido amplo.

89 Utilizamos aqui a expressão no sentido de “interessados” directos, que aqui nos pareceu mais ajustada

do que a de “outorgantes”, visto que quem irá outorgar o documento pode até não esse interessado, mas outrem, por exemplo um procurador.

60 q) Lido em voz alta na presença de todos os que nele intervêm;

r) Cujo conteúdo e efeitos é explicado pelo notário,

s) Que adverte da necessidade da prática de outros atos ou da subsistência de algum defeito e das consequências que pode ter quanto à ineficácia do ato que é outorgado;

t) Que é co-outorgado pelo notário, que também o subscreve e que se coresponsabiliza pela sua feitura;

u) Que é arquivado pelo notário, juntamente com os documentos instrutórios, no seu próprio arquivo público;

v) Que, depois de concluído é acessível à consulta do público, salvo em caso de confidencialidade legalmente previsto e

x) Quando esta cessa, bem como em todos os demais casos, pode, a todo o tempo, qualquer pessoa dele obter certificação autenticada.

Além destas características, que diríamos de conteúdo positivo, a escritura pública tem outras, que podem ser apresentadas como de contudo negativo. Qualquer destas tem igualmente em vista que o documento seja reconhecido como indubitável.

Sintetizemos as de contudo negativo nesta breve e singela referência: a escritura não pode nem deve permitir eventuais adulterações. Trata-se, por exemplo, da necessidade de não conter emendas, rasuras, entrelinhas, palavras traçadas ou dubitativas, sendo certo que, no caso de isso ter acontecido, o incumprimento da obrigação de as ressalvar determina a invalidade da escritura90.

O simples enunciado destas características e das alíneas referidas, que esgotam o alfabeto, permite-nos verificar que a escritura não é apenas um ato ou um resultado. É antes, ou sobretudo, um processo complexo, conducente a um resultado: o documento

notarial91, insofismável, legal, garantido na forma e no conteúdo.

É certo que as pormenorizadas caraterísticas deste documento notarial aparentam ser (e por certo até são) pouco consonantes com a pressa e a impaciência contemporâneas. Todavia, a secular importância e a inegável segurança que envolve não

90 O C.N. prevê esta obrigação no art.º 41º. O seu incumprimento tem como consequência a nulidade da

escritura, como é referido, entre outras disposições, na al. c) do art.º 70º.

91 Ao defender esta conceção da escritura pública como um processo e não como simples ato – o que

entre nós não vimos ter sido defendido – queremos acentuar que ela não pode (não deve) ser feita omitindo ou ‘ultrapassando’ os sucessivos passos procedimentais que elencamos. E o resultado final é o

documento notarial. Este, como diremos, e ao contrário do que alguns autores sustentam, é que não tem

equivalência com a sentença (que culmina o processo judicial) por não ser uma determinação decisória, mas sim uma ‘consignação’ e ‘conclusão’ documental do que as partes declaram.

61 podem deixar de impressionar positivamente quem busca alguma estabilidade nas relações e maior firmeza nos atos e nos negócios jurídicos que celebre.

2. Previamente à tentativa de explicitação de cada uma destas características da escritura pública, convirá referir o seguinte: a maioria delas, embora não todas, é comum aos vários tipos de documentos notariais, abrangendo as duas classes principais já referidas: a dos que são lavrados nos próprios livros92 do notário – e que, como dissemos, se designam como lavrados “nas notas”; e a dos que são avulsos e por isso, lavrados “fora das notas”. O C.N., no entanto, não indica (como nos parece que deveria) quais são os requisitos próprios de cada uma daquelas espécies, e apenas nas sucessivas alíneas do nº 1 do art.º 46º vêm elencadas as “formalidades comuns”.

Deste modo, terá de ser o intérprete a verificar quais são as que se ajustam ao documento em causa. Porém, como o paradigmático – e também bastante frequente - é a escritura pública, cremos que mais metódico e sistemático será que por ela encetemos a nossa exposição.

Por isso, iremos continuar a analisar os elementos distintivos da escritura pública.

3. Foi já há alguns anos que publiquei um trabalho sobre a definição de escritura pública93. Todavia, no presente estudo, tendo embora planeado refletir sobre algumas das considerações então produzidas e porventura, aqui e além, reeditá-las, procurei, no entanto, desenvolvê-las, aclará-las, atualizá-las e corrigi-las quando se afigurou que esse devia ser o caso.

Naquela altura referi não ter encontrado na doutrina nacional e mesmo na estrangeira que foi consultada, uma definição de escritura pública, mas mais rigorosamente deveria ter dito uma definição completa. De facto, ainda recentemente, consultando uma obra de direito notarial editada no Brasil, pude ler nela este conceito: “A escritura pública é o acto notarial mediante o qual o tabelião recebe manifestações de vontade endereçadas à criação de atos jurídicos” 94

. É certo que isto é verdade e que logo a seguir se fazem importantes e significativas precisões, como a de que o notário

92 É claro que aqui não pretendemos reduzir este conceito ao do livro tradicional em suporte de papel,

mas igualmente ao livro eletrónico, até porque este é já o único utilizado nas várias espécies de registo.

93 Tratou-se de um texto apresentado no 1º Congresso do Notariado Português, em 18 de Maio de 2007

e constante do sítio: www.notarios.pt/NR/rdonlyres/BC4FBA30-790A-4084.../MG.pdf e da Rev.N., nº

especial, Setembro de 2009, pp. 69-101.

94 Cf.

62 “recebe a vontade das partes, qualifica essa vontade e cria o instrumento adequado a dar razão jurídica a essa vontade”95

.

Também em vários outros manuais e monografias de direito notarial aparecem estudados, em sucessivos capítulos, os diversos elementos que integram a definição completa96, que, a nosso ver, mereceria ser dada de modo quanto possível consensual e sistematizado. E, também naquele rápido enunciado de BRANDELLI, e mesmo nos esclarecimentos que se seguem, o certo é que faltam elementos, quiçá por lhe terem parecido óbvios, mas que, para se ser rigoroso, julgamos que não devem ser olvidados.

3.1. Ora, na definição que propusemos, o primeiro desses elementos é o de que constitui um documento escrito. Ou seja: trata-se de documento que é sempre feito e consignado sob a forma escrita, contrapondo-se, assim, a outras espécies documentais, mormente as que na epígrafe do art.º 368º do C.C. são designadas “reproduções mecânicas” (como a fotográfica, a gravada e outras)97

, independentemente da espécie de escrita utilizada poder ser muito diferente, como é o caso da escrita com o velho estilete romano, ou com tinta e esferográfica, com o processo dactilográfico ou eletrónico98. Trata-se sempre de forma escrita.

É pois, em primeiro lugar, um “documento” 99100 e, de entre as várias espécies documentais, um “instrumento” no clássico sentido notarial, isto é, um documento

95 Idem, p.273.

96 No tocante à exposição e análise dos vários elementos que caracterizam o conceito já existe uma

muito abundante doutrina, sobretudo estrangeira e no âmbito do notariado latino. Entre nós tal doutrina é escassa e os elementos mais completamente enunciados foram-no, a nosso ver, por ALBINO MATOS, que

escreveu: “uma escritura, sabemo-lo, é um documento que contém um negócio jurídico, que exige a presença das partes no momento solene da outorga e pressupõe uma rogatio prévia, não formalizada mas meramente verbal, com auscultação da vontade das partes, com a sua interpretação, integração e tradução em termos jurídicos, transformando a vontade empírica em vontade jurídica ou, como dizia Satta, a vontade privada em vontade do ordenamento” (cf. in “Temas de Direito Notarial -I”, “Para a reforma do notariado. A separação dos registos” pág. 231).

97 O art.º 527º do C.P.C. para o qual, em comentário ao acima referido art.º 368, se chama a atenção no

“Código Civil, Anotado” de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Vol. I, p. 325) – admite a exibição em juízo destas reproduções mecânicas. Na entrada “documento” da enciclopédia “Polis” feita por

CARVALHO FERNANDES é dito (no ponto “3: Modalidades”) o seguinte: “podemos distinguir entre

documentos escritos e reproduções mecânicas (cf. a. 368º do Código Civil), podendo estas: ser

essencialmente fotográficas, cinematográficas ou eletrónicas” (cf. “Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado”, Vol. 2., p. 666).

98 A escrita eletrónica, tem atualmente grande importância. Deste modo, referi-la-emos adiante, ainda

que abreviadamente.

99 Dado que é manifestamente insuficiente dizer apenas que se trata de “documento”, aludiremos mais

detidamente à espécie, natureza e valor deste documento. A definição legal de “prova documental” é, consabidamente, dada no art.º 362º do C.C.

100 No tocante ao conceito genérico de documento são inúmeras as definições. Quanto a nós, diríamos

que se afigura inteiramente atual a “velha” definição de CARNELUTTI: “O documento não é apenas

63 redigido por escrito101, ou, dito de outro modo, é um documento em sentido restrito: “o

escrito que exprime uma declaração de ciência”102.

É nele que a declaração de vontade obedece a uma determinada forma103: a forma escrita. Entende-se que a forma escrita deve traduzir de modo expresso e unívoco o que é pretendido e, portanto, o que assim é consignado, serve para “conservar e reproduzir uma determinada representação de um facto”104

. Tratando-se, em especial do negócio jurídico diríamos, com MANUEL DE ANDRADE, que é um documento redigido por escrito e destinado a tornar conhecido “um certo conteúdo de vontade negocial”105

. Esta forma106 documental escrita é, pois, a primeira das características essenciais

da escritura pública.

3.2. A escritura pública integra a espécie dos documentos autênticos (de que falámos). Trata-se ainda, como a doutrina acentua, de documento uno. Mesmo que possa conter uma pluralidade de factos e de atos jurídicos107, a escritura pública é sempre um ato uno. Como disse NUÑES LAGOS, “a unidade do ato objetiva-se e

concretiza-se numa unidade de texto consentido, que implica uma unidade de texto

Parte Generale”, p. 140. Quanto à sua espécie, por ora caberá apenas dizer que é a do documento civil (por contraposição a outras, tais como a do documento judicial ou a do administrativo). CARLOS FERREIRADE ALMEIDA na sua conhecida dissertação de doutoramento contrapõe as noções de texto e de documento. E diz: “o texto (como o enunciado) é um conceito semiótico, para cujo conceito não importa o material em que eventualmente se inscreva. Pelo contrário, o documento é um objeto, suporte físico que reproduz ou representa, por si ou pelos sinais que nele se inscrevem, pessoas, coisas ou factos” (art.º 362º)”; (cf. “Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico”, Vol I, p. 31). MARIA ENZA LA TORRE apresenta-nos inúmeros significados de documento e distingue, ao que cremos bem, “o continente (documento) e o conteúdo (ato)” e. no caso ora tratado, considera “o documento como

opus”. Trata-se, na perspetiva notarial, do “fazer-se” o documento. (Cf. “Contributo alla Teoria

Giuridica del Documento”, sobretudo pp.117-118).

101

Entende-se que documento é o género que abarca as várias espécies (às quais se aludiu na nota “24”) e o instrumento é a espécie, que significa o documento escrito. O instrumento notarial também é habitualmente denominado “instrumento público” A Lei Notarial espanhola di-lo expressamente na epígrafe do “Titulo III” e no art.º 17º.

102

Cf. “Manual de Processo Civil” de ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, p. 506.

103 MENEZES CORDEIRO diz que a forma “dá sempre corpo a uma certa exteriorização da vontade” e

forma de negócio é “o modo utilizado para exteriorizar as competentes declarações de vontade”. (Cf.

“Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, pág.317).

104 Cf. VAZ SERRA, “Provas”, in BMJ n.os 110 a 112, sobretudo nota n.º 509 a p.70 do nº111. 105

Cf. MANUEL DE ANDRADE, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, p. 123.

106 Aludimos aqui à forma que reveste o documento para “conter o negócio jurídico”, que é outro dos

elementos da escritura pública que adiante se irá referir.

107

São vulgaríssimas as escrituras em que isso acontece. A título de exemplo cite-se a muito frequente escritura de compra e venda e de hipoteca, sendo esta constituída simultaneamente com a compra.

64 documental – integridade – e uma unidade de consentimento”108. Portanto, a unidade do

ato deve entender-se como um imperativo inerente ao conceito de escritura pública109. Por outro lado, como também diz a doutrina, trata-se de um documento autêntico especial110, visto que é revestido de uma rigorosa formalidade que lhe é própria e que tem fundamentalmente em vista a sua intangibilidade, clareza, correção jurídica e integridade, até para que – nos limites do legalmente admissível – fique, em princípio, assegurada a sua inalterabilidade e incontestabilidade.

Com efeito, a escritura pública é um documento que desde a sua preparação à conclusão exige, por parte do notário, um apurado e criterioso exame e verificação do cumprimento dos diversos condicionalismos legais – incluindo, necessariamente, os de natureza fiscal111 - bem como o apuramento da veracidade de várias afirmações nela contidas (incluindo as referentes aos elementos matriciais e de registo) e ainda à autenticidade dos elementos de facto que ficam referidos como tendo sido por ele verificados.

Em suma: trata-se de um título que na sua confeção obedece a apertados e exigentes formalismos, sobretudo os imperativamente fixados na lei, mas ainda outros que a própria “prática notarial”112

tem estabelecido como necessários ou úteis para a sua maior credibilidade.

108 Este Autor acrescenta: “O texto documental [da escritura pública] tem um princípio e um fim: o

consentimento cobre o texto sem lacunas, palavra a palavra (…) desde esse princípio até esse fim”. Cf. NUÑES LAGOS, “Hechos y Derechos en el documento publico”, p. 297/8. A passagem citada no texto é também referida por GUIMÉNEZ-ARNAU, “Derecho Notarial”, pp. 686/7, Este último Autor refere

ainda GONZALEZ PALOMINO in “ Negocio jurídico y documento”, para quem a unidade deste acto “é

essencial” para o compreender.

109 O ato é uno também neste sentido: a escritura é iniciada, escrita e assinada num só ato continuado

(em termos jurídicos, já que, é admissível acontecer que, dada a extensão do documento, haja alguma interrupção, v.g. para almoço ou outra). Ainda que algum ponto tenha de ser ulteriormente completado ou aclarado, tê-lo-á de ser em documento posterior e não pode significar ou justificar que a escritura pública não seja concluída.

110

Diz GIMÉNEZ-ARNAU(op. cit., pág 402) com o fim de criar ou dar forma aos negócios jurídicos e de

os provar, dar eficácia, ou melhor, de lhes “dar certeza”. Este Autor define depois o “instrumento público” (a escritura) como “o documento público, autorizado pelo notário, produzido para provar

factos, solenizar ou dar forma a actos ou negócios jurídicos e assegurar a eficácia dos seus efeitos jurídicos”. Pese embora toda a consideração que temos por este excelente Autor, não concordamos com

esta sua definição que, além do mais, se nos afigura incompleta. Cf. ainda DI FÁBIO, Marcello, “Manuale di Notariato”, p. 164.

111 Note-se que ao notário cabe não apenas a fiscalização do cumprimemto das prescrições tributárias,

mas também a obrigação de liquidação de impostos, designadamente do imposto de selo (cf. artº 2º/1 a) do CIS) que é devido na quase totalidade das escrituras públicas (cf. NETO FERREIRINHA e ZULMIRA NETO cit.”Manual” pp. 194-210).

112 No entendimento (a nosso ver correto) de

BORGES DE ARAÚJO, a denominada “prática notarial”

contém “um conjunto de fórmulas de aplicação mais frequente, nos moldes que a praxe consagrou, mas onde se encontram vertidos os princípios” que também são os legais (cf. “Prática Notarial”, p. 3).

65 3.3. A força probatória que a lei confere ao documento autêntico é, consabidamente, a plena. E, neste tema, sendo usual a distinção entre a força probatória formal e a material, importa aqui fundamentalmente analisar esta última, já que, quanto à formal (e salvo caso de nulidade) não se suscitam dúvidas relativamente à

genuinidade de uma escritura pública, que é subscrita pelo notário (ou, como se disse,

por quem estiver no exercício da função notarial) e à qual, por isso, se aplica direta e inequivocamente o disposto no n.º 1 do art.º 370.º do C.C.

No que toca à importante questão da força probatória material – que é a respeitante ao conteúdo do documento113 – rege, como é sabido, o artigo 371.º, pelo que ficam plenamente comprovados na escritura os factos que o notário diz ter praticado, ou conheceu (inclusive porque se passaram na sua presença), ou de que se certificou, bem como as declarações que menciona terem sido feitas pelos outorgantes. É claro que, quanto a estas declarações, a prova plena respeita ao facto de elas, na realidade, terem sido prestadas e não à sua própria ‘veracidade intrínseca’ ou, na expressão de alguns autores, à sua sinceridade114115. Esta é, aliás, a solução dos ordenamentos jurídicos que nos são próximos116, que a jurisprudência acolhe117 e que também a doutrina corrobora118. Consequentemente, a escritura pública é um documento autêntico que faz

113 Cf. o citado estudo de VAZ SERRA, no BMJ n.º 111, pág. 131, onde diz: “a força probatória material

do documento é a que se refere ao conteúdo do documento, isto é, às declarações escritas nele”.

114 No que a este tema diz respeito foram proferidos alguns acórdãos, de entre os quais o da Relação de

Lisboa de 26/3/1985 (in “Coletânea” 2, p. 113) comentado e criticado por ALBINO MATOS que, na hipótese em causa (o outorgante confessou ao notário que recebeu o preço, o que ficou consignado na escritura) considerou que o valor probatório em questão era não apenas o próprio do documento autêntico – já que o documentador não percecionou a entrega do preço -, mas sim o da confissão