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1 Tópico sobre o ato e o direito notarial: os princípios

Neste parágrafo inicial pretendemos referir alguns dos preceitos que nos parecem mais significativos quanto ao título notarial, especialmente no tocante ao ato e ao “direito notarial”.

Cabe analisar as principais disposições do C.N. que não tenham sido já apreciadas (como as que referimos a propósito do instrumento público), bem como as que se encontram noutros diplomas – caso do E.N. – e que sejam indicativas da forma como o título deve ser elaborado e as regras basilares às quais deve obedecer. É, aliás, apenas sobre este prisma que, em geral, encaramos o direito notarial, visto que, como bem se sabe, as disposições sobre o conteúdo dos atos e dos negócios titulados no documento notarial não estão referidas no C.N. e no E.N, mas sim nos diversos diplomas que regulam o direito substantivo aí em causa.

O direito notarial, tal como o registral, é um direito instrumental - mas não meramente formulário295 -, cuja fundamental missão é a de estar ao serviço do direito substantivo. Nesta ótica, e em alguns escritos publicados, referimos que o direito notarial é “o ramo de direito adjetivo que tem por objeto o exercício da função notarial, a qual se traduz fundamentalmente na formalização dos atos jurídicos extrajudiciais, de modo a conferir-lhes fé pública”.

Não sendo esta uma definição do direito notarial que presentemente nos satisfaça, dever-se-á, no entanto, dizer que a mesma tem sido ensaiada por muitos dos autores que se têm debruçado sobre a função notarial. Não iremos aqui fazer a tentativa de reproduzir ou analisar as mais conhecidas definições. Aludiremos, no entanto, a três: 1) à que foi apresentada no III Congresso Internacional do Notariado Latino296, que

295 Pensamos que seria redutor e inverídico afirmá-lo e, por outro lado, também nos parece

manifestamente exagerado afirmar, como MARCELLO CAETANO, que “o direito atua através de uma técnica e de um formulário”. A expressão é extraída do nº especial da Revista “O Direito” que inclui os artigos doutrinais aí publicados pelo Autor (cf. “O Direito”, Almedina, NIPC 506 256 553, p.30).

296 Tratou-se do Congresso da UINL que se realizou em Paris de 29 de abril a 8 de maio de 1954 em que

foi debatido o tema: "A existência e os limites do Direito Notarial em formação como ramo particular do Direito". (UINL, cf: http://www.uinl.org/defaulti.asp).

130 considerou tratar-se do “conjunto de disposições legislativas, regulamentares, usos, decisões jurisprudenciais e doutrinas que regem a função notarial”; 2) a uma outra, breve, mas incisiva, que foi apresentada por LARRAUD: "o conjunto sistemático de normas que estabelecem o regime jurídico do notariado". Contudo, falta nela fazer referência à própria função notarial e aos requisitos do instrumento público. 3) Por isso, parece-nos mais ajustada a que foi dada por GIMÉNEZ-ARNAU. Este Autor, depois de explicar que o “Direito Notarial” é o direito relativo aos notários e às funções que estes realizam, define-o como “o conjunto de doutrinas ou de normas jurídicas que regulam a organização da função notarial e a teoria formal do instrumento público”297

.

Por nossa parte, pensamos hoje que é preferível tentar uma definição diferente, com uma faceta descritiva, porque em geral se torna para todos mais percetível.

Propomos esta: O direito notarial é o ramo de direito que estuda as normas que

regulam a elaboração do documento autêntico em geral, e em especial dos diversos documentos autênticos que a legislação notarial prevê, bem como os procedimentos para tal necessários, especialmente no sentido de lhes ser atribuída fé pública e de conformar as declarações neles vertidas com a real vontade dos declarantes, assessorarando-os para tanto, e estudando outrossim como proceder à certificação e autenticação de documentos, à sua conservação e arquivo, tudo com observância dos princípios previstos na lei.

Quanto às ‘normas básicas’ de direito notarial, verificamos que estão nelas compreendidas as que respeitam aos princípios que regem a função notarial. Poderia parecer que as íamos encontrar sobretudo no C.N., mas a verdade é que, de forma expressa, vêm apenas enunciadas no E.N.

Como se disse, a atividade notarial, acha-se regulamentada no E,N, aparte certas disposições que vêm também referidas no E.O.N.. No caso dos princípios, tais normas são as que estão indicadas na Secção II do 1º Capitulo (art.ºs 10º a 16º) do E.N.

A propósito dessa indicação, diremos que há nela os que respeitam ao “estatuto do notário”, mas outros que se referem aos atos notariais. Por isso, parece que teria tido maior justificação que aqueles estivessem no E.N. e estes no C.N. (à semelhança, aliás, do que ocorre nos códigos dos registos). Outros há, porém, que se pode considerar que tanto teriam cabimento no Estatuto como no Código.

297 Cf. op. cit., p. 30, onde é também referida a definição de

131 Deste modo, e também porque a matéria dos princípios nos parece sobremaneira importante e está, toda ela, “concentrada” no E.N., far-lhes-emos referência conjuntamente, não distinguindo os estatutários dos outros.

1. Os princípios notariais (à semelhança de outros princípios jurídicos) são as regras básicas ou elementares que estruturam e dão um sentido distintivo e relevante à atividade que, in casu, é a notarial298 (assim como, na 2ª parte deste estudo, será a registral). Os princípios são, pois, essenciais para compreender esta disciplina que ora estudamos.

Como sabiamente ensinou CANARIS, (quando tratou do “sistema como ordem de «princípios gerais de direito”), “na descoberta do sistema teleológico, não se pode ficar pelas «decisões de conflitos» e dos valores singulares, antes se devendo avançar até aos valores fundamentais mais profundos, portanto até aos princípios gerais duma ordem jurídica”. Mais adiante, acentua que a conexão entre os vários institutos jurídicos se torna patente por “os mesmos princípios serem, em parte constitutivos” e considera que “na procura da unidade do Direito, se regressa, por último, sempre e de novo aos princípios gerais do Direito”299

.

Ora, quanto aos princípios notariais, há dois que consideramos os mais estruturantes desta atividade e que, portanto, nos cumprirá referir em primeiro lugar. São eles o da fé pública notarial e o da legalidade. Aquele não vem mencionado no E.N. na parte que trata dos princípios300 (Capítulo I, Secção II) e, quanto ao da legalidade, embora venha, o certo é que resulta igualmente de várias regras estabelecidas no C.N., constituindo o cerne do “funcionamento” do notariado. Todavia, como a análise das suas consequências, por vezes, suscita uma certa polémica, particularmente no que respeita à relação com idêntico princípio do registo, iremos abordá-lo num parágrafo autónomo.

298

Não temos visto teorizada, nas obras portuguesas de direito notarial a que tivemos acesso, esta questão (que todavia se crê importante) dos princípios e dos que têm (ou não) uma importância estrutural. O simples “ensaio” que ora se tenta fazer, representa sobretudo a nossa visão pessoal do tema.

299 Cf.

CANARIS, Claus-Wilhelm, “Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do direito”, introdução e tradução de MENEZES CORDEIRO, respetivamente pp. 76,77 e 85.

300 Porque, para o E.N., o conceito de princípio não será o que defendemos e, além disso, já é

mencionado no nº 1 do art.º 1º (como também no C.N.). E há quem considere que, como referimos no texto) a fé pública não será um princípio. Todavia, a maioria dos autores que consultamos refere-a como “princípio notarial”, o que nos parece correto. Dizemos mesmo que é o mais importante dos princípios.

132 2. No que concerne ao princípio da fé pública notarial, há quem considere que não se trata verdadeiramente de um princípio, no sentido do conceito que lhe é dado pelo E.N., mas sim de uma finalidade ou mesmo de um atributo próprio da atividade notarial. Sem discordar da ideia de que atribuir fé pública aos atos é um dos objetivos – um fundamental objetivo - da atividade do notário, como, aliás, resulta do disposto no art.º 1º/1 do C.N., por nossa parte entendemos que não é um atributo “inato” do notário, mas antes um princípio da sua atividade301, que decorre da lei, e que, quando esta o prevê, deve ser reconhecido como ficando conferido ao ato em causa, do que resultam consequências para as partes e para terceiros.

Na verdade, como referimos, uma característica da atividade notarial é atribuir

autenticidade aos factos que sejam percecionados e atestados pelo notário, bem como

aos documentos por si elaborados ou confirmados, conferindo-lhes fé pública.

Esta característica é, de resto, análoga à existente em diversas atividades (tais como a registral302, a administrativa, a fiscal e outras, mas no âmbito das funções em causa (art.º 363º, nº 2, do C.C.).

Portanto, a nosso ver, a “fé pública” genérica é manifestamente um dos princípios da atividade notarial.

É delicado definir fé pública, mas já não o será tanto se apenas pretendermos ‘descrever’ resumidamente o conteúdo e a finalidade deste conceito. Assim, diremos que fé pública é um atributo público, dado pela lei, cuja finalidade é conferir à matéria em causa (designadamente ao documento, em sentido amplo) a segurança e o crédito que a torne – e que depois fique - incontroversa, salvo em hipóteses restritas e legalmente previstas (como a da falsidade). Consequentemente, esta finalidade também se traduz na confiança pública atribuída pelo ordenamento ao facto, ato ou documento, bem como ao seu valor e eficácia probatória plena (cf. art.ºs 371º/1 e 377º do C.C.)303.

301 Note-se v.g. que, ao longo da evolução histórica do notariado, nem sempre existiu a fé pública e nada

garante que, de futuro, venha sempre a existir. Por outro lado, afigura-se-me que o clássico exemplo de

FERRUCI, a que se aludiu, tem também aqui alguma aplicação. Assim, se ao invés do típico caso desse exemplo, o notário (e não a junta de freguesia) emitisse um “atestado de residência” em que referisse que determinado indivíduo tem a sua residência num dado local, será que esse atestado notarial gozaria de fé pública? Não nos parece que isso se possa defender.

302 Além da fé pública, é também característico do registo, por ex., que o ato nele previamente inscrito

tenha prioridade sobre o que o é lavrado posteriormente. Mas tal ‘característica geral’ não significa que a prioridade deixe de ser (como indubitavelmente é) um princípio do registo.

303 Sob este aspeto verifica-se que a lei atribui fé pública ao documento exarado por “autoridade ou

oficial público” nos limites da sua competência - artº 369º, nº 1 do Código Civil - e ainda, dado o disposto no artº 377º do mesmo Código, aos que forem autenticados por todos aqueles que legalmente o possam fazer (como no caso do advogado). Todavia, essa fé pública não é genérica como a do notário.

133 Sendo isto assim – como parece ser – a verdade é que, na atividade notarial, ela é genérica. Todavia, apesar disso, resulta sempre da lei, que pode a qualquer momento atribui-la, ou não, a todos os atos que o notário pratique, e que pode igualmente atribui- la, ou não, para a prática desses mesmos atos, ou apenas de alguns, a quem não for notário. Ou seja, a atribuição da fé pública não é um direito inerente ou ‘congénito’ a quem estiver inscrito na O.N.304, mas sim uma faculdade que a lei confere, quando entende que o deve fazer, mormente para prevenir e acautelar que o ato ou facto não venha a ser contestado.

Tem, pois, um alcance e uma consequência cautelar, de prevenção da conflitualidade, pelo que justamente é, na atual configuração legislativa, reconhecida à função notarial305, visto que ela também é, em si mesma, uma função cautelar. Mais: no XXIII Congresso internacional do Notariado Latino, foi especialmente tratado, como 1º tema desse Congresso, “a função notarial de prevenção de litígios”306

, incluindo através da assessoria, da mediação e da conciliação dos divergentes interesses das partes307. E este efeito e corolário “cautelar” parece-nos que decorre precisamente da fé pública que a lei atribui à atividade notarial.

304

Como caso se tratasse da autorização para um exercício profissional, em que tal decorre da própria inscrição na correspondente “ordem”, como o que é conferido para lavrar documentos (ao notário ou ao advogado), para assinar projetos (ao engenheiro), para exercer a medicina (ao médico) … Todavia não nos parece que se possa sustentar que ‘é isso’ o que ocorre com a atribuição da fé pública.

305 Por isso também se diz, e a nosso ver com toda a razão, que a intervenção notarial funciona “como

instrumento da justiça preventiva”. A doutrina que o afirma é praticamente unânime. A título de exemplo, refira-se que a Autora brasileira - TATIANE SANDER - publicou uma obra dedicada ao tema, com este sugestivo título: “Atividade Notarial como função de justiça preventiva” Consultável em:

http://www.oikoseditora.com.br/livro.php?id_livro=1172&foto=11_clip_image002_0000.jpg&link=2 –

(consultado em 2/7/2012 às 11:20 h).

306 Note-se que as conclusões finais apontaram para a importância da atividade notarial não ‘apenas’ no

tocante à prevenção como também à forma de resolução dos litígios. Assim, concluiu-se que, para tanto, concorriam três vetores fundamentais: o conselho imparcial do notário, a mediação, “como método adequado para a solução de conflitos e meio útil para a harmonização dos interesses das partes” e a arbitragem “com a intervenção dos notarios, que não se tem de entender como função notarial suplementar, senão como actividade extraordinaria, compatível na maioría dos casos com as demais atividades notariais”.

307 Sendo inadequado citar aqui os diversos e doutos trabalhos apresentados a este respeito no

mencionado Congresso (celebrado de 30/9 a 5/10 de 2001, em Atenas), é, no entanto, pertinente que destaquemos, publicadas em livro, as “ponencias” do notariado espanhol – e em especial a de

SALVADOR ESCÁMEZ, “La función notarial, función preventiva de litígios: o conselho e a mediação

notarial como instrumentos”, bem como os trabalhos do notariado italiano, mormente o de GIOVANNI CESÀRO,“la funzione del notaio di prevenzione delle controversie” (in “ XXIII Congresso Internazionale del Notariato Latino”, pp. 5-38). Em sítios da internet também existem diversas monografias referentes a esse Congresso, sobretudo de autores brasileioas. A título de exemplo, vide de JOSÉ FISCHER, in www.academianotarialamericana.org/.../cv_buenofischer-jose_brasil.

134 3. Há outros princípios que, embora consideremos que não têm o mesmo relevo estrutural devem, no entanto, ser reconhecidos (embora as opiniões sejam inúmeras308).

De entre eles, salientaremos os que o E.N. menciona no artigo 10º e mais alguns, cuja importância também se crê óbvia. Assim, nos termos do disposto artigos 12º a 16º deste diploma, são de considerar os princípios da autonomia, da imparcialidade, da

exclusividade e da livre escolha.

Além destes, pensamos que ainda há outros importantes309 que não vêm como tal enunciados no E.N., nem no C.N. ou noutro qualquer diploma. É o caso dos que, a nosso ver, também são princípios da atividade notarial: o da acessibilidade pública à

reprodução e certificação dos atos, o da responsabilidade e o da conservação e arquivo

dos atos e documentos310. BRANDELLI indica ainda os seguintes: da juridicidade,

cautelaridade, imparcialidade (este entre nós referido no E.N.) da publicidade, do rogatório e da tecnicidade da função311.

Há também outros condicionalismos – usualmente reconhecidos como princípios notariais, designadamente o do “numerus clausus” (o número de notários é fixado por lei) e o da competência territorial312, este tanto no sentido da prática de alguns atos ser apenas da competência do notário do lugar, como no de que o seu provimento para exercer em qualquer localidade depende de concurso e nomeação pública. Não nos parece, todavia, que esses ‘condicionalismos’ devam ser considerados “princípios” da atividade notarial.

308 Num sítio sobre este tema diz-se que “sobre o assunto” “pairam mais de vinte princípios dos mais

diversos conteúdos”, indicam-se até “princípios atípicos, ou seja, decorrentes de outras áreas. São, v.g., “os princípios constitucionais da Administração (o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade, o da publicidade e o da eficiência)” Quanto aos “princípios típicos do direito notarial” indicam-se o princípio da economia, o princípio da forma, o princípio da imediação, e, além ainda de vários outros, o “princípio da rogação ou instância”. Quanto a este, há vários autores que o referem. Na nossa opinião, não há notarialmente um “princípio da instância”, ainda que se possa falar na “rogação”, visto que o notário (aliás, tal como outros profissionais liberais, do advogado ao arquitecto…) não actua sponte sua, mas sim porque o acto lhe é solicitado. Todavia, não pensamos que este seja um “princípio” do direito notarial. As citações que fizemos são consultáveis em: http://www.webartigos.com/artigos/principios- norteadores-do-direito-notarial/30309/#ixzz1zgIlnAVU (consultado em 4/7/2012 às 19:15 h).

309 No muito interessante estudo de

ERIC DECKERS entre nós publicado com o título “Função Notarial e

Deontologia” – tradução de ALBINO MATOS, na parte que especificamente dedica à deontologia aponta (a pág. 83 e segs.) a “confidencialidade”, abrangendo o segredo profissional e o dever de descrição. Claro que sim. Está aliás referida no artº 23º do E.N. Mas como a confidencialidade é também própria de várias outras profissões liberais (v.g. a advocacia e a medicina) não se nos afigurou necessário incluí- la entre os princípios próprios do notariado.

310 Note-se que a raiz etimológica da palavra “cartório” (que, como se sabe e está dito no artº 5º do E.N.

atualmente significa o escritório onde o Notário exerce a sua actividade) corresponde à de arquivo.

311 Cf. citada “Teoria Geral”, pp. 127-138. 312

GONZALEZ PALOMINO explica, ao que cremos corretamente, que “não se é um notário em

abstrato”, mas sim um “notário em tal parte” e que a “localização do notário” é antiga, e acrescenta sugestivamente que ele não pode ser “um turista passageiro” (cf. cit.”Instituciones” pp. 166-167).

135 Não procuraremos, no entanto, analisar e apreender isoladamente cada um daqueles (ou de outros) reconhecidos princípios do direito notarial, não apenas porque a sua definição varia entre os diversos autores, como também porque, sob designações diferentes, por vezes têm o mesmo conteúdo, como ainda porque estão ligados ao próprio exercício da função notarial e, por isso, se “entrelaçam” uns com os outros, afigurando-se-nos que referimos já o mais significativo dessa função e, portanto, parecem desnecessárias outras pormenorizações.

Contudo, vejamos ainda alguns pontos que importará precisar.

4. Os princípios enunciados nos artigos 12º a 16º do E.N. (que mais diretamente se referem ao exercício da atividade do notário) estão expostos de maneira simples, mas quiçá nem sempre suficiente, pelo que será oportuno aduzir alguns apontamentos:

4.1. Quanto ao da autonomia, indicado no art.º 12º do E.N, deve interpretar-se no sentido restrito (preciso) que é indicado nessa disposição e não como significando que o notário é livre na escolha ou na ‘seleção’ da sua clientela ou mesmo desobrigado de aceitar praticar, ou não, determinado ato que lhe é solicitado, salvo nos casos referidos no nº 1 do art.º 173º do C.N. e 11º, nº 2, do E.N.313.

Trata-se de uma função que tem uma vertente pública e, como tal, deve considerar-se que o notário está ao serviço do púbico, em geral e, consequentemente, a autonomia tem de entender-se (à semelhança da que se refere ao conservador) no sentido da sua independência decisória: o notário ‘não recebe ordens’ para praticar o ato ou para o fazer desta ou daquela maneira.

4.2. No que respeita ao princípio da livre escolha terá de ser complementado com a noção de que os interessados podem não apenas escolher livremente a pessoa (um determinado notário) que desejam que lhes vá praticar o acto, mas têm igualmente um livre acesso à atividade notarial em si mesma, particularmente no que concerne à elaboração do “instrumento público” e à formalização dos atos. E, neste domínio da

acessibilidade aos atos, assume relevo próprio o princípio da sua certificação (art.ºs

313 Noutros casos, como nos de ineficácia ou anulabilidade, o notário, embora devendo consignar a

advertência, não pode recusar-se a praticar o acto (art.º 11º, nº 3 do E.N.). Como bem observam NETO FERREIRINHA e ZULMIRA NETO, “a intervenção do notário não pode ser recusada se o acto for

anulável ou simplesmente ineficaz” (cf. op. cit., p. 1093). Aliás, se o Notário se recusar a praticar o acto,

os interessados podem recorrer da recusa nos termos do disposto nos artigos 175º a 182º do C.N. e se a decisão lhes for favorável esse acto deve ser efectuado.

136 164º a 171º-A do C.N.) aberta a todos. Dada a natureza pública da função é possível que

qualquer pessoa peça uma certidão ou fotocópia dos mesmos, salvo nos casos de

confidencialidade previstos no nº 1 do artigo 164º do C.N.

4.3. No que toca aos princípios que não estão enunciados no E.N. julgamos que devem ainda ser particularizados o da responsabilidade e o da certificabilidade,

conservação e arquivo de documentos.

O princípio da responsabilidade314 deriva, na lúcida explicação de ERIC DECKERS,315 da circunstância de que, apesar de se tratar de uma função pública, no entanto o seu exercício é liberal, tendo assim uma acrescida necessidade de confiança. Para o próprio funcionamento da atividade notarial, para o público, para as partes e ainda para o Estado, esta confiança é uma ‘condição básica’. Portanto, o notário tem uma ‘responsabilidade pública’ e, também perante as partes, de natureza civil, disciplinar e até criminal, pelos atos que funcionalmente pratique.

Por último, cabe referir que, de entre os diversos princípios que regem o notariado, um dos mais importantes é o da conservação e arquivo dos documentos, protocolos e livros de atos316317, designadamente das escrituras e testamentos públicos e