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1.3. Carnaval: produtor de espaço nas cidades

1.3.2. O carnaval e a reinvenção da cidade

Após os exemplos citados acima sobre como as manifestações carnavalescas produzem uma inversão nas dinâmicas e velocidades das cidades, nos atentaremos agora às transformações na forma da cidade através da utilização de espaços subutilizados, através de ações coletivas que transformam o espaço em direção à criação de bens comuns para a

comunidade. Destacamos o exemplo levantado por Frangiotti (2007) e os usos das regiões sob os viadutos paulistanos por escolas de samba das últimas divisões.

As Escolas de Samba se organizam na periferia, em sua maioria, de maneira espontânea e voluntária. Ocupam espaços, em geral, sob a alçada do poder público, tais como baixos de viadutos ou terrenos abandonados, e, na ausência ou impossibilidade desses, a rua passa a ser o espaço (FRANGIOTTI, 2007: p. 14).

A realidade descrita acima pertence a muitas escolas de samba brasileiras e em São Paulo vemos isso de forma mais clara (SEFFRIN, 2017: s/p). Como o exemplo da Escola de Samba Perus Valença, localizada na Vila de Perus, uma das treze subdivisões do distrito de Perus na Zona Norte paulistana (FRANGIOTTI, 2007: p. 30).

Essa área pertence à prefeitura e, portanto, é de interesse público. De acordo com os membros da entidade, a Subprefeitura utilizava a área para depósito de entulhos e estacionamento de caminhões. Como não havia cercamento, nem preocupação em ordenar a área, ali também muitas pessoas jogavam lixo, o que estimulava o aparecimento de insetos e ratos. Também por estar isolada da rua, servia de ponto de encontro entre traficantes e usuários de drogas (FRANGIOTTI, 2007: p. 40-41).

Com área pertencente à subprefeitura subutilizada e ocasionando consternação, a comunidade em torno da escola de samba se une e ocupa o local transformando-o em galpão pra escola de samba.

A princípio, ainda que em condições precárias, eles construíram a sua quadra e sede social. Aproveitaram a via mais baixa do viaduto como uma laje improvisada e levantaram paredes ao seu redor formando dois espaços fechados. Em um deles, eram guardados os instrumentos musicais e alguns outros pertences do Bloco. O outro era utilizado para vários fins, tais como vestiário, sala de reunião, depósito da mesa de ping-pong 47 e, durante o período da produção das alegorias e fantasias, transformava- se no barracão. A princípio, ainda que em condições precárias, eles construíram a sua quadra e sede social. Aproveitaram a via mais baixa do viaduto como uma laje improvisada e levantaram paredes ao seu redor formando dois espaços fechados. Em um deles, eram guardados os instrumentos musicais e alguns outros pertences do Bloco.

O outro era utilizado para vários fins, tais como vestiário, sala de reunião, depósito da mesa de ping-pong 47 e, durante o período da produção das alegorias e fantasias, transformava-se no barracão (FRANGIOTTI, 2007: p. 41).

Para além dos grupos especiais dos desfiles de escolas de samba no Rio de Janeiro e São Paulo onde a arrecadação das escolas batem a faixa dos milhões de reais com facilidade, as divisões inferiores e os carnavais de cidade menores ou de carnavais enfraquecidos acumulam prejuízos (SEFFRIN, 2017: s/p). A realidade descrita através da Escola de Samba Perus

Valença é a mesma observada em muitas outras escolas de samba paulistanas. Inclusive no grupo especial, como a Águia de Ouro que ocupa “um terreno embaixo do Viaduto Pompéia na Zona Leste” (FRANGIOTTI, 2007: p. 46).

Outro exemplo é a escola de samba Cabeções da Vila Prudente, que desfila pela a última divisão paulista. “A quadra da escola fica debaixo de um viaduto na Vila Prudente, toda decorada com fitas verdes e rosas, com espaço de sobra para a bateria ensaiar – e para os ajustes finais nas fantasias” (SEFFRIN, 2017: s/p).

O GRES Primeira da Aclimação da Zona Central da cidade, fundada em 1980 já desfilou pelo grupo especial em 1994, mas entrou em derrocada e por falta de verbas para a manutenção da própria estrutura, acabou sendo despejada. “Hoje o barracão improvisado fica nos Campos Elíseos, debaixo de um viaduto, em frente à Favela do Moinho” (SEFFRIN, 2017: s/p).

As ocupações desses espaços subutilizados traz a possibilidade do desenvolvimento organizativo da escola a adesão da comunidade para a realização dos desfiles, mas também para a organização da vida de bairro e o compartilhamento de uma história comum à comunidade. Isso acontece na Escola de Samba Perus Valença, que através da promoção de eventos cotidianamente, como rodas de samba, festas comemorativas (Dia das Crianças, Dias das Mães, etc.), apresentação dos samba-enredos, concursos de rainha do carnaval, sambas e enredos, além dos festivais de funk reforçam os laços dentro da comunidade com a escola de samba como promotora desse encontro. Além disso, a Perus Valença ainda atua na promoção de atividades sociais como a doação de leites, frutas, verduras e legumes para pessoas necessitadas. Essa articulação entre comunidade e escola de samba foi capaz de organizar um movimento contrário à criação de um aterro sanitário e industrial nas imediações do Parque Anhanguera no ano de 2001 (FRANGIOTTI, 2007: p. 49-50).

Diante desse pequeno exemplo, visualizamos, através da atividade comunitária autônoma, um outro projeto de cidade pautado nos valores comuns e do valor de uso do espaço. Isso nos leva a assumir que a arte e as manifestações artísticas exercem sobre o espaço urbano alguma influência importante em direção à uma cidade que leve em condição as relações sociais produtoras de sociabilidades. Henri Lefebvre, escreve algumas ideias em torno da arte nas cidades que nos auxiliam na compreensão.

Necessária como a ciência, não suficiente, a arte traz para a realização da sociedade urbana sua longa meditação sobre a vida como drama e fruição. Além do mais, e sobretudo, a arte restitui o sentido da obra: ela oferece múltiplas figuras de tempos e de espaços apropriados: não impostos, não aceitos por uma resignação passiva, mas metamorfoseados em obra. A música mostra a apropriação de tempo, a pintura e a escultura, a apropriação do espaço. Se as ciências descobrem determinismos parciais,

a arte (e a filosofia também) mostra como nasce uma totalidade a partir de determinismos parciais. Cabe à força social capaz de realizar a sociedade urbana tornar efetiva e eficaz a unidade (a “síntese”) da arte, da técnica, do conhecimento. Conquanto que a ciência da cidade, a arte e a história da arte entrem na meditação sobre o urbano, que quer tornar eficaz as imagens que o anunciam. Esta meditação voltada para a ação realizadora seria assim utópica e realista, superando essa oposição. É mesmo possível afirmar que o máximo de utopismo se reunirá ao optimum de realismo (LEFEBVRE, 2001: p. 116).

A transformação da cidade não prescinde do conhecimento prático, nem da ação social, entretanto, nos parece inegável que a arte exerce alguma importância nesse sentido. Seja na ocupação de ruas, avenidas, praças ou outros espaços públicos, ou em áreas subutilizadas no ambiente urbano, a atividade social através do carnaval é capaz de alterar os usos cotidianos e oficiais em favor de um uso coletivo, fora dos circuitos de produção de bens de consumo e em favor de um uso coletivo ampliado dos espaços da cidade.

Por último, a produção cultural das cidades, conforme apresentado, nos parece um processo repleto de geograficidade. A geografia urbana praticada por sujeitos ativos que constituem suas relações com o espaço por meio de manifestações carnavalescas nos parece um terreno fértil para se explorar para além dos exemplos citados.

Poderíamos ainda em trabalhos futuros destacar a geografia dos bairros envolvidos nas atividades carnavalescas e os seus cotidianos comunitários; ou as relações diversas entre os formatos de cidades (pequenas, médias, grandes e metrópoles) e as diferentes práticas carnavalescas. Contudo, avistamos a impossibilidade de esgotamento dessas relações e assumimos estes três pontos, a julgar pela relevância à nossa abordagem.