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Capítulo 2 História e Geografia do carnaval em Juiz de Fora

2.2. O carnaval na Juiz de Fora do Brasil Império: entrudo e bailes à fantasia

2.3.7. A segunda proibição

O carnaval de 1907 é precedido por um edital da polícia proibindo o entrudo, pelo uso de seus principais instrumentos. “Para evitar perturbações na ordem publica, fica prohibido, nas ruas, o entrudo por meio de baldes de agua, seringas, esguichos, etc”. Apesar disso, recebe uma resposta popular, assinada por B.B. em forma de versos irônicos com a decisão das forças de segurança.

(...)

Quem sabe ai o Delegado Fez cousa por pagode, Temendo ficar molhado Na cabeça e no bigode?!... Pois, não havendo Cautella, A gente, na travessura, Apanha uma esguichadella Que nos transtorna a pintura. (...) (O PHAROL, 12 fev. 1907).

Mesmo com a repreensão da polícia, o resultado foi um entrudo “intenso” e “em toda á cidade”.

Esteve animadissimo o entrudo em toda a cidade, sendo, porém, mais notado á rua Halfeld, onde se tornou intenso.

Bisnagas, limões de borracha, confetti, bisnagas-revolver, e alguns baldes de agua, servira, para o povo molhar-se a valer (O PHAROL, 12 fev. 1907).

Um valoroso relato histórico dos festejos desse ano vem do escritor e médico Pedro Nava em seu Baú de Ossos, onde descreve sob o olhar de uma criança o jogo do entrudo na cidade.

Água não era só de chuva ou de enchente. Mais abundante era a dos entrudos. Carnaval. Passavam uns escassos mascarados, dominós de voz fina, diabinhos com que o Benjamin Rezende se divertia arrancando e quebrando chifres. O Paulo Figueiredo, encantando minha avó com seu Pierrot recamado de lantejoulas. Os primeiros lança-perfumes – Vlan e o Rodo. Mas o bom mesmo era o entrudo. Havia instrumentos aperfeiçoados para jogar água, como os relógios assim chamados porque esses recipientes imitavam a forma de um relógio fechado, com dois tampos metálicos flexíveis que, quando apertados, deixavam sair um delicado esguicho de água perfumada. Havia de todos os tamanhos, desde os pequeninos que vinham no bolso, aos enormes, que ficavam no chão e eram acionados com o pé. Havia os revólveres – seringas que imitavam a forma de arma – cano metálico e o cabo de borracha que se apertava, apontando que se queria molhar. Os limões de todos os tamanhos e de todas as cores que eram preparados com semanas de antecedência e em enorme quantidade. Continham água-de-cheiro, água pura, água colorida, mas os que nos caíam da sacada do Barão vinham cheios de água suja, de tinta, de mijo podre. Desciam ao mesmo tempo que as cusparadas das moças. Além dos relógios, dos revólveres, dos limões, eram mobilizadas todas as seringas de clister e improvisados com gomos de bambu. Todos os pontos estratégicos das casas eram ocupados com jarras, baldes, latas e bacias para esperar os atacantes. Porque havia assaltos de porta a porta. Éramos investidos pelos Pinto de Moura e depois do combate, já encharcados, confraternizávamos, para atacar a casa das Gonçalves. Logo depois já era um grupo maior que avançava sobre as fortalezas fronteiras dos Couto e Silva e do tio Chiquinhorta, onde nos esperavam valorosamente o Antônio e o Márcio Horta. Meu pai comandava a refrega protegido nas dobras de um vasto macfarlame, cujas asas davam-lhe gestos de pássaro gigante. Acabava tudo numa inundação de vinho do porto, para rebater e cortar o frio. À noite penava com asma… (NAVA, 1984: p. 296- 297).

Pela cidade, o ano de 1907 revelou que “poucos têm sido os mascarados de espírito que se aventuram a enfiar-se numa fantasia para sahir á rua”, contraditoriamente, pois o número de cordões e desfiles das sociedades esteve tão alto quanto nos anos anteriores, com os préstitos dos Planetas, Primitivos e Graphos, Arlequim Exdruxulo acompanhado por carros alegóricos do Grupo Chrisanthémo e o Grupo dos Faquistas. Isso sem falar nos Zé Pereiras que circulavam pelo centro com suas zabumbas. Ainda destacamos a presença fortalecida dos bailes, sobretudo o club Juiz de Fora (O PHAROL, 14 fev. 1907).

O coração da cidade, a rua Halfeld estava enfeitada e repleta de pessoas.

Não havia um só prédio á rua Halfeld que não estivesse repleto de pessoas, attrahidas alli pela passagem do prestito.

As janellas, portas e sacadas eram disputadas com grande interesse e empenho. Algumas das sacadas foram alugadas por bom dinheiro.

Nessa rua, no coreto em frente ao Club dos Primitivos e Graphos, tocou a escellente banda Lyra Guarany, regida pelo sr. Luiz Loreto (O PHAROL, 12 fev. 1907).

Já o ano de 1908 demonstra um lapso em nossa linha cronológica do carnaval de Juiz de Fora. Ao mesmo ano que o escritor Pedro Nava acusa que “nunca Juiz de Fora assistiu a folguedos iguais” (NAVA, 1984: p. 298), O Pharol pouco se aprofunda nos relatos dos festejos, apegando-se à divulgação de bailes e dos cortejos das Grandes Sociedades.

As conclusões tiradas acerca das matérias, é que este foi um ano do entrudo. Ainda que noticiado que “carros de mascaras avulsos corriam a cidade exhibido toilletes apreciáveis” e promovendo um “bravo aos rapazes da nossa elite” do Club Juiz de Fora, a animação não chegou perto do que foi o entrudo. “A cidade está em festas e em… aguas. Moças e moços andam pelas ruas a molhar os viventes que não ha collarinho que resista a este novo e gracioso diluvio” (O PHAROL, 3 mar. 1908).

O que tem feito as delicias da festa é o entrudo, um fortissimo entrudo, um entrudo horível, que se arma de canecas, limões, bisnagas e potes d’agua, numa furia de molhar, de ensopar a burguezia pacifica! (O PHAROL, 3 mar. 1908).

Os jogos do entrudo se destacaram fortemente durante a primeira década do século XX, mas concomitantemente com a brincadeira, a cidade ia se modernizando e a mentalidade da população se transformando. O ano de 1908, portanto, marca um dos últimos anos de carnaval, no qual, o entrudo se destaca. Logo nos primeiros anos da pŕoxima década ele deixará de existir.