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Capítulo 2 História e Geografia do carnaval em Juiz de Fora

2.4. O carnaval pós revolução de 1930: samba e nacionalismo

2.4.3. Escolas de Samba e as batalhas de confetes

O período entre 1934 e o primeiro concurso de escolas de samba vai ser definido pelas batalhas de confete nas ruas centrais da cidade. Com os ranchos, clubs, blocos, cordões e escolas de samba dividindo os mesmos espaços e disputando o público de foliões. Este ciclo vai ser marcado por certo amadorismo das atividades carnavalescas, que nos anos seguintes começam a se profissionalizar – fato que carnavalescos antigos criticam. É o caso do ex-dirigente da Escola de Samba Unidos de Mariano, Pedro Alves que afirma, ainda na década de 1970 que “na infância a gente tem os olhos abertos para a beleza: muito confete, a iluminação enchia os olhos da juventude. Hoje é mais fosco. A rua Halfeld era iluminada. Agora a beleza está nas roupas, no poder econômico. Sem a antiga luminosidade” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 82).

A efervescência de manifestações carnavalescas dos anos de 1930, nas batalhas de confetes, marca uma época das mais festivas da cidade. Com forte concentração nas ruas centrais da cidade, principalmente, na rua “Marechal comandadas pelo folião Antônio Coury e

as da Rua Halfeld, dirigidas por Cecílio Sampaio José de Lima e Dias, Adolfo Rodrigues e “Zé do Pomba” (José Adriano Neto)” (NÓBREGA, 1989: p. 17), se realizavam também nas periferias da cidade, como afirma Antônio Coury. “Havia: Benfica, São Mateus, Manoel Honório, Vitorino Braga, Costa Carvalho. Em todos os bairros e até Matias Barbosa” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 180).

As batalhas eram organizadas por pessoas ligadas à folia, com apoio dos demais moradores, de comerciantes e até mesmo das indústrias. Nomes como o de Dr. Jamil Solon e Manoel Rosa eram conhecidos pela população por organizarem as batalhas de confete dos bairros Bonfim e Benfica, respectivamente. Arides Braga ressalta a importância da folia nos bairros, muitas vezes superando até mesmo o cumprimento da lei, como o caso de Manoel Rosa.

Esse também era um homem extraordinário. Várias vezes eu fui à polícia conseguir que Valadão o soltasse, porque ele era acusado de comunista. O Valadão atendia, pois ele tinha de fazer o carnaval de Benfica. Na época da Segunda Guerra, o Lambari foi preso, mas conseguiu ser solto no dia da batalha de confete da Rua Halfeld, dirigiu-se ao cassino do Sport, fantasiado de cigana, distribuindo amendoim pro pessoal. Foi até a mesa do Valadão e deu amendoim pra ele. Nada disso era considerado abuso, era tudo uma brincadeira comum no carnaval (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 183).

Os motivos de prisões no carnaval eram muitos nessa etapa. Eram levados presos foliões que traziam críticas consideradas desaforadas como o caso de Valentim Dilly II, que saiu à rua com uma caixa de papelão quadrada na cabeça, na qual um lado tinha o escrito “Praça João Pessoa” e de outro “caixa de descarga”. Ou ainda, com as competições entre os grupos carnavalescos, eram comuns as disputas que por vezes, chegaram às vias de confronto corporal. As principais delas envolviam a rivalidade entre os Turunas do Riachuelo e a Feliz Lembrança. Nelson Brandi (Bacuri), relembra. Vocês devem saber daquelas grandes brigas, na batalha de confete em Mariano Procópio e Manoel Honório. Gente com a cabeça quebrada, cadeiradas, bordoadas” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 198). Os motivos mais comuns para estes confrontos eram ligados aos concursos não oficiais das batalhas de confetes. Na década de 50, José Oceano Soares recorda.

O que determinou a contenda, além da paixão clubística, obviamente, foi o fato de terem questionado um rapaz, de nome Luizinho, sobre a sua saída da Feliz Lembrança. O França dos Turunas, não gostou da maneira como ele tinha sido interpelado, e pronto. O início da briga. Não havia como serenar os ânimos. Todo mundo brigou com todo mundo (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 168- 169).

As competições aconteciam, mas não existia oficialização, nem regulamentos. Tudo acontecia de maneira que o próprio público ou instituições, como os jornais decretassem o desfile vencedor. Em maio 1939, por exemplo aconteceu o que convém de chamar “o primeiro concurso realizado entre Escolas de JF” uma “promoção do Rancho Quem São Eles”. Outras disputas de sambas aconteciam em partidas de futebol amador da cidade “fazendo uma espécie de fundo musical para os tradicionais festivais de várzea”. Foi um desses concursos, onde os Turunas se sagraram campeões recebendo, inclusive uma taça, “organizado pelo Mangueira Futebol Clube, no campo do antigo lamaçal, hoje o bairro Bom Pastor” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 28).

Os concursos não oficiais, renderam aos Turunas do Riachuelo o apelido de “campeoníssima”, por sair ganhadora em muitas das batalhas de confetes. Títulos que Jair de Carvalho, sambista e dirigente da Feliz Lembrança, “não vê grande validade”. “Em cada lugar era uma Comissão Julgadora diferente que dava ganho de causa, praticamente, a todas as agremiações, dependendo de injunções ou interesses do comércio dos bairros”. Djalma Carvalho, lamenta que ocorriam privilégios em certas competições. “Muitas vezes nós disputávamos concursos nas batalhas, e quando passávamos a segunda vez para receber o prêmio, já havia uma tabuleta com o resultado escrito à óleo. Isso é uma coisa que a gente sente ter acontecido” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 76-78).

Além das duas primeiras Escolas de Samba, outras vieram a desfilar pelas ruas da cidade nesse período. Entre elas estão a Escola de Samba Castelo de Ouro44, no antigo bairro do Arado, fundada em 1947; os Granfinos do Samba45, ligado à rapazes bem nascidos, frequentadores do Sport; O Partido Alto46, do morro Santo Antônio na década de 1950; o Grêmio Recreativo Assistencial Real Grandeza47, da Avenida Sete de Setembro, que nasce como bloco no início de década de 1960 devido a divergências com dirigentes da Feliz Lembrança; entre muitas outras.

As Escolas de Samba se propagam nesse momento, mas são os ranchos, por quase quatro décadas, que vão ser a manifestação popular de preferência do público. Saindo nas ruas centrais da cidade, muitas vezes improvisando versos ou trazendo um enredo único, vão se caracterizar pelos instrumentos de sopro e metais, pelos carros alegóricos e pela participação popular nas fileiras organizativas. Com o último rancho de Juiz de Fora decretando seu fim, há

44 Cf. MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 133-134. 45 Cf. MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 140. 46 Cf. MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 106. 47 Cf. MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 155.

quem lamente, devido à beleza e especificidade da forma carnavalesca. É o caso do figurinista Manoel Quirino. “Lamentável o fim dos Ranchos, deveria haver um dia só pra eles – sem nostalgia. Era uma beleza” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 120).

Os bailes a fantasia, acompanhados do sucesso das ruas também obtiveram crescimento nesse período. Marcados por luxuosas comemorações à Momo, se sobressai na história o Club Juiz de Fora. Abrindo os festejos no sábado, bandas se revezavam no palco mantendo sempre a animação das pistas de danças com “sambas e marchinhas” e ainda, “Valsas e tangos argentinos para que os foliões recobrassem o fôlego”. No buffet, comidas e bebidas a vontade garantiam que os foliões ficassem até “o sol do outro dia”. Repleto de pessoas distintas da cidade e de fora dela, exigiam posturas correspondentes à classe, sobretudo, no que diz respeito às vestimentas (TRAVASSOS, 1989: p. 11).

[...] traje a rigor e só se permitia o smoking, o summer e o traje longo ou fantasias de alto luxo, confeccionadas em tecidos nobres, sempre recatadíssimas, onde transparências e decotes ousados eram inimagináveis e o comprimento da saia, se acima dos joelhos, fazia com que a foliona fosse barrada na entrada, fatalmente (TRAVASSOS, 1989: p. 11).

Contudo, um grande incêndio acomete o clube, no ano de comemoração do centenário de emancipação da cidade, em 1950. Na manhã de 22 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, enquanto os foliões “repousavam em suas casas, a sirene da Galerio Pio X começou a ferir a madrugada e telefones não paravam de chamar” (NÓBREGA, 1989: p. 18). No ano seguinte, em seu lugar foi construído um prédio de 16 andares, transformando completamente o estilo do antigo clube. No último andar um salão de festas tentou renovar a tradição carnavalesca do local, mas uma pancadaria generalizada oito anos após a reconstrução dizima as ambições festivas do edifício (ALMADA, 2014: p. 53).

Figura 29: O club Juiz de Fora em 1940

(REVISTA EM VOGA, 1989: p. 12). Figura 30: O club Juiz de Fora em 1949(REVISTA EM VOGA, 1989: p. 1).

As Escolas de Samba, ranchos e blocos sempre arcaram com os próprios custos de seus desfiles. Era comum no início que dirigentes financiassem quase que completamente as despesas da folia. Existiam também as arrecadações através do Livro de Ouro, rondando de mão em mão para que pessoas comuns e comerciantes pudessem contribuir com alguma quantia. Alvaro José dos Santos da Feliz Lembrança afirma que “era por intermédio do Livro de Ouro que se arrecadava fundos para a Escola. Esse Livro de Ouro era passado no Comércio e na Indústria. Cada diretor ficava com o Livro uns dez dias, ou uma semana e saía pedindo ajuda para a Escola”. No entanto, conclui, “mas a maior parte das despesas saía mesmo era do bolso da diretoria” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 102). As verbas do poder público passaram a ser direcionadas diretamente à blocos e Escolas a partir do ano de 1950, na figura do prefeito Dilermando Cruz (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 185). Outros auxílios, como as doações de terrenos também dependeram do poder público, mais especificamente de figuras próximas a políticos da época. É o caso da ligação entre a Feliz Lembrança e o mandato de Itamar Franco. “Só fomos conseguir a doação do terreno para a quadra, quando da administração do prefeito Itamar Franco, meu amigo de muitos anos e admirador da Escola”, afirma Alvaro dos Santos (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 100).