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Capítulo 2 História e Geografia do carnaval em Juiz de Fora

2.4. O carnaval pós revolução de 1930: samba e nacionalismo

2.4.2. O samba em Juiz de Fora

A proximidade geográfica de Juiz de Fora com o Rio de Janeiro – na época, maior cidade brasileira, centro político, econômico e cultural – influenciou a forma de se fazer Música Popular Brasileira e, também, carnaval. Muitos pioneiros do samba em Juiz de Fora e posteriormente das Escolas de Samba, trouxeram as inovações das rodas de samba e experiências da capital federal. Entre os muitos sujeitos responsáveis pelo samba na cidade, destacamos José Oceano Soares, responsável e principal idealizador da Escola de Samba Turunas do Riachuelo. Trabalhando no Rio de Janeiro, participou de rodas de samba com os principais compositores da época, como diz em relato.

Eu sou da fase primeira do improviso – o desafio, a embolada. No Rio, onde morei na década de 30, participei de várias rodas, entre uma cerveja Cascatinha e outra, com muitos bambas: Alcebíades Barcelos (Bide), Armando Marçal, Paulo da Portela, Zé com Fome, Zé da Zilda, Antenor Gargalhada, Catita e muitos outros. Aqui em JF, além da forma tradicional de improviso, fazia-se, (e um dos lugares escolhidos era a garagem do Mozzato) ao lado do Bar Riachuelo e do Gato Preto, o que se convencionou chamar de “roda de moleque tumba”: ficávamos em círculo, cantarolando um refrão, e um de nós tinha que entrar na roda, improvisando, como se fosse dar rasteira, até colocar um outro na roda (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 168).

Compositor que não dominava nenhum instrumento musical, mas como o próprio diz, numa Orquestra Filarmónica se alguém desafinasse, saberia distinguir, compôs sua primeira música em 1932, sob influência de Noel Rosa e Emílio de Freitas e trouxe para Juiz de Fora a ideia de Escolas de Samba (MOSTARO; MEDEIROS FILHO; MEDEIROS,1977, p.53).

No começo dos anos 30 eu fui para o Rio e trabalhava à noite, no Parque Armando Lacerda, uma quermesse para levantar fundos para uma igreja na Conde de Bonfim (Tijuca). Em 33, voltei a JF. Havia o bloco Feito Com Má Vontade, que eu saía, (ali da Rua Silva Jardim) juntamente com os irmãos Toschi, entre outros. Procurei o Pepino propondo a idéia de transformar o bloco em Escola de Samba. É que no parque onde estava trabalhando (só em 36 fixei residência de novo em JF), quase todas as noites havia roda de samba. E lá freqüentavam: um garoto chamado Noel Rosa, Rubens Cardoso, campeão do pugilismo, Germano Augusto e um italiano chamado Kid Pepe, ambos compositores, e outros. Entre uma cerveja e outra se falava muito de Escola de Samba. Uma espécie de palavra de ordem dos sambistas. Muito se dizia da escola Azul e Branco, que mais tarde virou o Acadêmicos do Salgueiro. Fiquei com aquilo na cabeça e trouxe a idéia para JF (MOSTARO; MEDEIROS FILHO; MEDEIROS,1977, p.53).

A ideia da transformação do bloco de carnaval na novidade da escola de Samba agradou e foi fundada a Turunas do Riachuelo, primeira escola de Juiz de Fora, pioneira local de um processo que estava se consolidando nacionalmente, principalmente, sob a forte influência nacionalista de Getúlio Vargas e seu posterior Estado Novo. “Aqui em JF, sem que houvesse qualquer tipo de ajuda oficial (nem o tradicional paternalismo de políticos), o fenômeno tendia a acontecer e mesmo grassar, uma vez que a influência sócio-cultural da antiga capital federal sempre se fez presente entre nós” (MOSTARO; MEDEIROS FILHO; MEDEIROS,1977, p. 27).

2.4.2.1. Turunas do Riachuelo

Minas Gerais, viu nascer a primeira Escola de Samba em 1934, quando desfila a Turunas do Riachuelo pelas ruas da cidade de Juiz de Fora. Herdeira do bloco “Feito Com Má Vontade” a transformação em escola de samba. Chamando pouca atenção dos jornais da época, a Turunas do Riachuelo sai às ruas em 1934, disputando os espaços dos blocos e ranchos nas batalhas de confetes, apresentando sambas cantados nacionalmente. A princípio sem nenhuma música de autoria de seus integrantes. “No ano seguinte, já se cantava o Eu vou, Eu vou, Eu vou, composição de Nilo de Freitas, e Sorri, de Alfredo Toschi, desprezando-se, portanto, músicas de outros centros que eram as preferidas para se brincar o carnaval” (MOSTARO; MEDEIROS FILHO; MEDEIROS,1977, p. 25).

Os rapazes da Rua Silva Jardim, que um ano antes, já tinham saído com um bloco chamado Feito Com Má Vontade (os irmãos Toschi – Armando (Ministrinho), Remo, Alfredo, Américo –, José Oceano Soares, o flutista Pedrinho Inglês, José (Pepino), José Silvério (Zé Lacraia), Santolima, Nilo de Freitas, o sorveteiro Zé da Grota, Manoel Consolumagno, Dionísio de Aquino, José Sol Soares, José Teodorico, Américo Fattori e outros), são os principais responsáveis pela fundação dos Turunas. José Oceano Soares, que mantinha estreitos contatos com o Rio de Janeiro (por força de trabalho), trouxe a pioneira ideia para o seu grupo de amigos e deu o nome àquela novidade de então (MOSTARO; MEDEIROS FILHO; MEDEIROS,1977, p. 26).

Inicialmente com as cores vermelho e branco, para não criar confusão com as rivalidades futebolísticas locais – eram também as cores do Tupynambás F.C. –, mudam as cores para azul e branco. Não saíam pelas ruas com enredos ou sambas únicos, saiam “sem preocupações outras senão mostrar os sambas de seus compositores”. Para além dos compositores, inúmeras pessoas “anônimas” trabalhavam para a execução dos desfiles. Entre essas pessoas destaca-se “Dona Isabel, esposa de Ministrinho, que já passou centenas de noites acordada confeccionando baianas, fantasias, bandeiras e estandartes, além dos artistas do barracão (que trabalhavam os carros alegóricos) [...]” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 27).

Muito se fala de que a Turunas seria a primeira Escolas de Samba de Minas e a quarta do Brasil43, porém, é preciso ser cautelosos mediante alguns fatos. Além das tradicionais Deixa Falar, Estação Primeira (Mangueira), Bloco de Oswaldo Cruz e Prazer da Serrinha e o Vai-Vai em São Paulo, o Dossiê das Matrizes do Samba do Rio de Janeiro, resgata as escolas participantes do primeiro concurso de Escolas de Samba do Rio de Janeiro organizado pelo Jornal Mundo Desportivo em 1932.

Vinham dos morros de Mangueira (Estação Primeira), do Salgueiro (Azul e Branco e Depois Eu Digo), do Borel (Unidos da Tijuca), da Matriz (Aventureiros da Matriz), da Serrinha (Prazer da Serrinha), de São Carlos (Para o Ano Sai Melhor), do Tuiuti (Mocidade Louca de São Cristóvão), etc. As demais vinham dos bairros suburbanos, com destaque especial para a Portela – chamada na época de Vai Como Pode – de Osvaldo Cruz, além da Recreio de Ramos, Lira do Amor (Bento Ribeiro), Vizinha Faladeira (Saúde), Em Cima da Hora (Catumbi) e União Barão da Gamboa, entre outras (IPHAN, 2007: p. 21).

Ainda sim, o orgulho do pioneirismo não se perde nas falas dos fundadores da Turunas do Riachuelo, por ser precursora local, a primeira organização a colocar exclusivamente o samba nas ruas da cidade durante o carnaval.

2.4.2.2. Feliz Lembrança

A segunda Escola de Samba na cidade, nasce de uma “imperiosa necessidade de competição”. A Feliz Lembrança é fundada em 1939 por pessoas ligadas à Avenida Sete de Setembro. “Geraldo de Oliveira, conhecido por Geraldo Abissínio, recém chegado do Rio de Janeiro, foi quem primeiro teve a idéia de formar uma Escola”. Ivan Maria, conhecido por Bananinha faz um relato da fundação da escola (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 69).

No princípio do ano de 1937, morava eu na Avenida Sete de Setembro, na antiga Avenida Atílio Brêda, quando fiquei conhecendo um rapaz que tinha mudado do Largo do Cruzeiro (Morro Santo Antônio) para a nossa rua. Este rapaz não era outro senão o grande amigo de minha mocidade Geraldo de Oliveira. Eu e Geraldo organizamos um grupo de colegas, e nas batalhas de confete desfilamos uma ou duas vezes de “sujo”, como se dizia naquela época; era um grupo de alegres rapazes, com surdas, tamborins, pandeiros, violões e cavaquinhos. Depois então, Geraldo, conversando comigo, disse que iria formar uma Escola de Samba, pedindo a minha ajuda e de outros colegas. Prontificamos a ajudá-lo e começamos a tratar de pequenos detalhes: qual seria o nome da Escola, suas cores, o estandarte, etc. Geraldo era pandeirista e por isso achei que nosso emblema deveria ser um pandeiro. A idéia foi logo aceita pelo grupo. O nome surgiu porque Geraldo disse que eu tinha tido uma Feliz Lembrança, e as cores foram tiradas (azul, vermelho e branco) da tinturaria, que não me lembro o nome, onde o Abissínio trabalhava. Fizemos algumas apresentações em batalhas de confete, não como Escola, mas sim um grupo de rapazes que gostava de samba. Daí em diante a Escola foi pra frente, com Geraldo, eu, Otacílio de Oliveira Alves, Candinho (barbeiro), Sipião e seu irmão, Sebastião Feliz, Nelson Spada, vindo logo a seguir juntar-se ao grupo, Aliatar, Rafael Salimena, Bertioga, Pedro Sabão, Bininho, Caputo Serrano e outros bons amigos que no momento não consigo lembrar (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 69).

Idealizada em 1937, a Feliz Lembrança vai de fato assumir enquanto Escola de Samba em 9 de fevereiro de 1939, com a liderança de Euclides Carvalho e sua família. Muitos de seus fundadores continuam na ativa organização, mas não mais como blocos, mas com a “mesma estrutura e objetivos de sua rival – Turunas” (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 69-70).

Até o ano de 1966, data do primeiro concurso entre Escolas de Samba de Juiz de Fora, a Feliz Lembrança, por mais que tenha deixado de sair às ruas alguns anos, protagonizou marcos fundamentais da história do samba e do carnaval da cidade. Em 1947, seguindo as exigências das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, sai às ruas pela primeira vez com um samba-enredo: “Brasil Ontem, Brasil Hoje”, letra de João Cardoso. Era de costume até então, que as Escolas juizforanas saíssem às ruas cantando composições próprias alternadas com outros sambas pedidos pelo público nas batalhas de confetes ou ainda sambas que permitiam improvisos. O ano seguinte a Escola não mantém a inovação, trazendo diversos sambas em detrimento de um

samba único, mas em 1949, desfilam com a música mais tradicional do samba juizforano, que será muitas vezes tida como hino carnavalesco da cidade: “Ah, se eu fosse feliz”, de Juquita, Djalma de Carvalho e B.O.

Em 1966, adquire o título de primeira campeã oficial da cidade, vencendo sua principal rival os Turunas do Riachuelo. O enredo escolhido foi “Mascarada Veneziana”, letra de autoria de Nelson Silva e José Carlos de Lery Guimarães, um samba que retomava o carnaval veneziano “revolucionou o Carnaval das Escolas, ampliando-lhes o campo teatral e dando-lhes um universo de estilização e mobilidade de ação, como antes não ocorria” (NÓBREGA, 1989: p. 15).

Foi ainda a primeira vez em que uma Escola de nossa cidade introduziu no seu enredo não só um guarda roupa consoante o tema desenvolvido, como também uma nova coreografia segundo os personagens e alas representados.

instituiu-se ainda a presença de carro alegóricos, e como “gran finale” apoteótico, uma piscina móvel onde flutuava uma gôndola veneziana construída em idênticas proporções às reais existentes no mundo (MOSTARO, MEDEIROS FILHO, MEDEIROS, 1977: p. 82-83).

Esse desfile da Feliz Lembrança é guardado na memória da população carnavalesca de Juiz de Fora até os dias atuais, como uma das atuações mais bem executadas da história do carnaval da cidade. Uma ousada mistura entre a tradição exigida e a inovação.