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CCPJ com competências disciplinares

No documento O privado em público (páginas 153-156)

PARTE II A ABORDAGEM DEONTOLÓGICA

Capítulo 2 Fixação do modelo deontológico em Portugal

2.6 CCPJ com competências disciplinares

Culminando um controverso processo legislativo, o Estatuto do Jornalista foi revisto em 2007. O diploma fixou em nove o número de membros da CCPJ – oito jornalistas, sendo quatro designados pelos operadores do setor e quatro eleitos pelos profissionais, e um jurista “de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”, cooptado pelos restantes membros, a quem cabe a presidência – e investiu a entidade de poderes disciplinares, afetando assim o núcleo central de competências do CD.

A intervenção de membros designados pelo patronato na apreciação de infrações deontológicas e na aplicação de sanções constituiu a principal fonte de contestação.

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Chegou a gerar-se um movimento em defesa do boicote ao novo órgão e renasceu a ideia de criar uma ordem de jornalistas. O Movimento Informação é Liberdade, iniciativa de um grupo de profissionais, disponibilizou-se para assumir a autorregulação e o controlo deontológico, por não aceitar que fosse concedido “a um órgão administrativo (na prática não independente) o papel de árbitro em litígios entre os jornalistas e as suas entidades empregadoras em matérias de foro ético e deontológico” (Abaixo-assinado “Alerta ao país”, 27/6/2007) e se mantivesse sob a alçada desse órgão o controlo deontológico da atividade, “reforçando-lhe, além do mais, e, de forma abusiva, os poderes sancionatórios”.

Embora saudasse o novo regime, o SJ salvaguardou que a cláusula do EJ que o consagra só é positiva “se o intuito do legislador é afastar o recurso supletivo, pelas empresas, ao regime disciplinar que deriva da relação de trabalho”31. Por outro lado, sustentou que “a

consagração – histórica – de um regime disciplinar para os jornalistas não se faz acompanhar de medidas de efetiva garantia da autonomia editorial destes profissionais nem de erradicação das condições que fragilizam a sua posição enquanto trabalhador dependente face ao poder da empresa, às pressões para a submissão aos interesses comerciais e a cedência à superficialidade e à irresponsabilidade impostas pelo imediatismo”.

Na ótica da ERC, que em 2005 substituíra a AACS, já a incorporação de deveres deontológicos no Estatuto, em 1999, “veio amalgamar os universos do Direito e da Ética profissional” (Parecer 2/2006: 15). A “miscigenação” de normas éticas próprias da profissão para o universo jurídico torna complexa a determinação de conceitos – disso são exemplo expressões como “rejeitando o sensacionalismo” ou “não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público”, observava.

A ERC assinalava, por outro lado, o desequilíbrio entre jornalistas e empresas. Valores como o repúdio do sensacionalismo, a independência da informação perante os poderes político e económico, a proteção da imagem e da privacidade e o respeito pela propriedade intelectual “deveriam vincular igualmente os setores profissional e empresarial, numa simetria de posições que está longe, entre nós, da indispensável consagração” (idem, 18).

Camponez (2011: 258) encara a CCPJ como uma “solução híbrida, que junta elementos da autorregulação, da corregulação e da regulação estatal e, ao mesmo tempo, aproxima os

31 Posição do Sindicato dos Jornalistas sobre a Proposta de Lei n.º 76/X/1, que altera o Estatuto do Jornalista

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modelos de representação sindical e da Ordem”. Já Carvalho (2010: 70) constata que a História se repete: a ausência de uma forma consistente de autorregulação na Comunicação Social “conduziu, por duas vezes, o poder político a criar uma pouco ortodoxa autorregulação induzida” – em 1975, com a criação do CI, e em 2008, com a atribuição de competências disciplinares à CCPJ.

O modelo é de “autorregulação interprofissional”, exercida de forma diferente das ordens e associações profissionais privadas, por delegação legislativa, observa Moreira (apud Fidalgo, 2009: 382). O constitucionalista preconizara, em 199732, a criação de uma

Comissão de Deontologia Profissional, dotada de capacidade sancionatória, fixada em lei, mas que não tivesse, como uma ordem, funções de representação ou defesa profissional. Deveria ser liderada pelo presidente da CCPJ e integrar jornalistas (em maioria) e “personalidades ‘leigas’ de incontestável autoridade”.

O art.º 14.º do EJ, sobre o qual incide a atuação da CCPJ, inclui um conjunto de deveres, mas só a violação dos inscritos no n.º 2 é passível de penalização. O regime disciplinar comporta as penas de advertência registada, repreensão escrita e suspensão de exercício de atividade até 12 meses – que só pode ser aplicada caso, nos três anos anteriores, o jornalista tenha sido sancionado duas vezes com repreensão escrita ou uma vez com idêntica pena de suspensão. Uma análise comparativa com regimes de outras nove profissões (Cfr. Mourão, 2010: 88) conduz à constatação de que em todas a pena mais leve é a repreensão. A expulsão, não prevista no caso dos jornalistas, é a mais gravosa para advogados, enfermeiros, médicos e dentistas.

O procedimento disciplinar, a cargo da Secção Disciplinar, de três elementos, pode ser desencadeado por iniciativa da própria CCPJ ou resultar de participação do CR do órgão em que tenha sido cometida, “quando esgotadas internamente as suas competências na matéria”, ou de “pessoa que tenha sido diretamente afetada pela infração disciplinar”. Em matéria de direitos de personalidade, a comissão recebeu apenas 9 queixas de cidadãos em 2009, 3 em 2010 e 7 em 2011, de acordo com informação oficial.

Das decisões tomadas pela Secção Disciplinar, segundo o regulamento da CCPJ, cabe recurso para o plenário. A parte decisória da condenação é tornada pública no sítio eletrónico da entidade e, esgotado o prazo de impugnação contenciosa ou transitado em

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julgado o processo, “em condições que assegurem a sua adequada perceção, pelo órgão de comunicação social em que foi cometida a infração”.

O atual presidente da CCPJ, Pedro Mourão (2010: 83), sublinha a dificuldade de definir, nesta sede, fronteiras entre os valores em presença – liberdade de Imprensa, de natureza pública, e reserva da vida privada. É necessário decidir caso a caso, levando em consideração “a intensidade da violação dos princípios em causa, a forma como se colhe e divulga a informação e a condição da pessoa afetada”. O facto de o EJ tipificar todas as condutas sancionáveis demonstra que não foi seguida a linha tradicional em regimes disciplinares. A verificação da infração “não depende da produção de resultados prejudiciais” (idem, 87), mas apenas do desrespeito pelos deveres legalmente tipificados, podendo a conduta ser por ação ou omissão. Na impossibilidade de formar um juízo de certeza sobre a prática dos factos, a decisão tem de ser favorável ao arguido.

No documento O privado em público (páginas 153-156)