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Cláusula de paz social: quanto à legitimidade de um sindicato declarar greve, pode

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 151-153)

III Conflitos coletivos de trabalho

5. Cláusula de paz social: quanto à legitimidade de um sindicato declarar greve, pode

questionar-se se, tendo ele subscrito uma convenção coletiva de trabalho da qual consta uma cláusula de paz social, está impedido de declarar uma greve na empresa. A cláusula de paz social não obsta à realização de greves, porque, como estabelece o

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se o seu exercício. Tendo em conta o disposto no artigo 542.º CT, importa saber se o sindicato, parte naquela convenção coletiva, pode decretar a greve. Ou seja, se o sindicato, ao declarar a greve, tendo subscrito uma convenção coletiva da qual consta a cláusula de paz social, não está a violar esse acordo. A cláusula de paz social, sendo admitida, integra a parte obrigacional da convenção coletiva de trabalho, vinculando os outorgantes e, nessa medida, obrigaria o sindicato a não decretar a greve, mas não impedindo os trabalhadores de a ela aderirem; inclusivamente os trabalhadores sindicalizados naquele sindicato poderiam aderir a uma greve, decretada por um outro sindicato. O sindicato que subscreveu a dita cláusula está impedido de declarar a greve dentro do período de vigência da cláusula de paz social inserta naquela convenção coletiva. A cláusula de paz social é válida no domínio das relações obrigacionais, entre as associações de empregadores ou empregadores e as associações e leva a que o sindicato não possa declarar a greve, mas não pode impedir os trabalhadores sindicalizados de aderirem a uma greve. Dito de outro modo, a cláusula de paz social vincula o sindicato mas não os filiados nessa associação. Quando um sindicato é parte em certa convenção coletiva de onde consta uma cláusula de paz social, nos termos da qual a associação sindical se compromete a não recorrer à greve, põe-se o problema de saber se os filiados naquele sindicato, representados por ele nas relações coletivas de trabalho, estão também vinculados a essa cláusula de paz social. Não parece aceitável que, mediante a representação exercida pelo sindicato se possa impedir os trabalhadores de exercerem o seu direito de greve. A não ser assim, a cláusula de paz social levaria a que o sindicato, em representação dos seus filiados, estivesse a negociar direitos dos trabalhadores os quais, nos termos do artigo 530.º, n.º3 CT, são irrenunciáveis. Tal cláusula, com respeito aos filiados, seria nula nos termos do artigo 280.º CC, pois poria em causa direitos indisponíveis. No artigo 542.º CT, depois de aceso o debate, consagrou explicitamente a possibilidade de em convenção coletiva ser estabelecida uma cláusula de paz social relativa. Na versão primeiramente aprovada do Código do Trabalho, constava somente que para além das matérias referidas no n.º1 do artigo 599.º CT, pode a contratação coletiva estabelecer normas especiais relativas a procedimentos de resolução dos conflitos suscetíveis de determinar o recurso à greve, assim como limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção. Contudo, pelo Ac. TC n.º 306/2003, 25 junho, foi declarada a inconstitucionalidade da 2.ª parte do artigo com base em dois motivos:

a. Na expressão motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção, não obstante o disposto no artigo 561.º, n.º3 CT2003 – atual 520.º, n.º1 –, incluir-se-ia igualmente a greve decretada com invocação da superveniência de alteração anormal de circunstâncias que tornaria injusto ou excessivamente oneroso o clausulado acordado ou parte dele (negando os empregadores ou as associações a ocorrência dessa alteração normal).

b. Por outro lado, sem fazer alusão ao regime geral de exceção de não cumprimento (artigos 428.º e seguintes CC), o Tribunal Constitucional entendeu que a já transcrita expressão a motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção abrangeria ainda a greve decretada para protestar contra alegado incumprimento da convenção por parte do

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lado empresarial, invocação essa que poderá estribar-se em diferentes interpretações do mesmo clausulado. A estes dois argumentos, o Tribunal aduz o facto de as consequências, para os trabalhadores de eventual quebra desse compromisso resultarem no facto de estes poderem ser responsabilizados pelos prejuízos causados, incorrendo os trabalhadores grevistas no regime das faltas injustificadas.

Tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade, a parte final do corpo do artigo 606.º CT2003 – que passou a ser n.º1 – foi alterada e incluíram-se dois números. Ficaram esclarecidas quatro dúvidas:

a. A cláusula de paz social só implica limitações à declaração de greve que tenha por finalidade modificar o conteúdo da convenção coletiva em que foi inserida.

b. A limitação resultante da cláusula não obsta a que o sindicato outorgante declare a greve em caso de alteração anormal das circunstâncias, conforme já decorria do disposto no artigo 520.º, n.º2 CT e

473.º CC.

c. Do mesmo modo, a limitação não abrange uma declaração de greve

justificada pelo facto de a contrapartida (associação de empregadores ou empregador) tem incumprido deveres resultantes da convenção coletiva onde foi incluída a cláusula, nos termos gerais da exceptio non adimpleti contractus (artigos 428.º e seguintes CC).

d. A cláusula de paz social, fazendo parte do conteúdo obrigacional da convenção coletiva, só vincula as partes outorgantes, mormente as associações sindicais, não sendo os trabalhadores responsáveis pelo seu incumprimento. A cláusula de paz social, que tem de ser acordada entre

sindicatos e associações de empregadores ou empregadores, não limita o exercício do direito de greve por parte dos trabalhadores. Durante a vigência da convenção coletiva, o sindicato outorgante, por ter aceite uma cláusula de paz social, está impedido de decretar uma greve se o(s) empregador(es) cumpre(m) o disposto no instrumento de regulamentação coletiva, sob pena de responsabilidade civil por incumprimento do acordo. Todavia, os trabalhadores, ainda que filiados no sindicato outorgante, durante o período de vigência da cláusula de paz social, podem aderir a uma greve decretada por outro sindicato ou decretada pela assembleia de trabalhadores.

A solução encontrada em 2003, após a alteração decorrente da declaração de inconstitucionalidade, manteve-se na revisão de 2009, no artigo 542.º CT, onde se dispõe que a convenção coletiva pode regular, além das matérias referidas na alínea g) do n.º2 do artigo 492.º CT, procedimentos de resolução dos conflitos suscetíveis de determinar o recurso à greve, bem como limitar o recurso à greve por parte de associação sindical celebrante, durante a vigência daquela, com a finalidade de modificar o seu conteúdo. Depois da enunciação no n.º1, dos n.º2 e 3 do artigo 542.º CT constam as mencionadas limitações do âmbito de cláusula de paz social.

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 151-153)