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Natureza jurídica:

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 132-135)

I – Instrumentos negociais de regulamentação coletiva de trabalho

7. Natureza jurídica:

a. Teses em confronto: em torno da natureza jurídica das convenções

coletivas têm-se debatido fundamentalmente duas posições:

i. As teorias contratualistas: a convenção coletiva encontra a sua plena

justificação nos princípios de Direito Privado, enquadrando-se nas regras do negócio jurídico, tendo naturalmente as suas particularidades. Para explicar a natureza jurídica da convenção coletiva, o regime de negócio jurídico terá de ser coadjuvado com outros institutos de Direito Privado, como a representação, a gestão de negócios ou o contrato a favor de terceiro. Nestes termos, as convenções coletivas assentam no princípio da liberdade contratual, são celebradas por entidades de Direito Privado com base na sua autonomia privada e as eventuais especificidades enquadram-se na panóplia de soluções que o Direito Privado oferece. As posições contratualistas têm sido criticadas com base no facto de as regras de Direito Privado não conseguirem explicação a aplicação de cláusulas de uma convenção coletiva a pessoas (trabalhadores ou empregadores) que não a celebrarem. Por outro lado, a tese negocial também não explicaria o papel que os organismos públicos têm no que respeita À celebração e aplicação das convenções coletivas; ou seja, a intervenção e controlo estadual não se justificariam em moldes de Direito Privado.

ii. As teorias publicistas: relacionam a convenção coletiva com as normas

emanadas do Estado, equiparando-a à lei, com a qual teria alguns pontos de contacto. Numa perspetiva publicista, o facto de serem entidades privadas que negoceiam e celebram as convenções coletivas, não afeta a sua natureza de Direito Público, porque elas fazem-no na base de uma delegação de poderes efetuada pelo Estado. Partindo do pressuposto de que só ao Estado e algumas entidades públicas, como as autarquias, foi dada competência para produzir normas cujos destinatários não sejam as pessoas das quais elas emanam, chegar-se-á à conclusão de que a convenção coletiva se enquadra no domínio de uma situação similar à que se verifica no caso de produção legislativa. Além disso, só partindo de uma conceção publicista se poderia justificar a intervenção dos poderes públicos no controlo da celebração e aplicação da convenção coletiva. As teorias publicistas criticam-se na medida em que não há qualquer similitude entre a produção de normas jurídicas conferida, em particular, ao Estado e a celebração de convenções coletivas. A convenção coletiva, mesmo no que respeita aos efeitos regulativos, não tem de ter as características da generalidade e abstração, próprias da Lei. Numa convenção coletiva pode resolver-se o problema pontual de um grupo determinado de trabalhadores de certa empresa.

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Por outro lado, a convenção coletiva assenta num princípio de liberdade contratual. As entidades das quais ela emana têm liberdade de celebração e de estipulação e a convenção coletiva destina-se a resolver problemas nas relações laborais, que são de Direito Privado. Por último, no Direito português, atualmente, não há qualquer intervenção dos poderes públicos no que respeita à celebração das convenções coletivas. O estado limitou-se a estabelecer, com algum pormenor, as diretrizes da atuação das entidades privadas, mas não interfere nem nas negociações nem na sua celebração. O único controlo que o Estado exerce respeita à recusa de depósito das convenções coletivas (artigo 494.º, n.º4 e seguintes CT), mas tal recusa só se verifica quando faltam elementos formais. Não há recusa com base em aspetos substanciais. No plano substancial, exceção feita à apreciação de discriminação (artigo 479.º CT), a incumbência é dos tribunais.

iii. As teorias ecléticas podem ainda ser referidas: pretendem estabelecer

um ponto de ligação entre as teses contratualistas e publicistas. Para as teorias ecléticas, a convenção coletiva pode apresentar-se como um híbrido, entre o contrato e a lei, na medida em que tem simultaneamente aspetos contratuais e publicistas. Noutros casos, as teorias ecléticas baseiam-se em pressupostos institucionais e corporativas, pelo que partem do princípio de que a convenção coletiva foi celebrada por corpos intermédios, diferentes dos sujeitos de Direito Privado. Tendo em conta a atual realidade política, não se afigura sustentável admitir a existência de corpos intermédios e não parece haver qualquer dúvida no sentido de as associações de empregadores e as associações sindicais serem pessoas de Direito Privado, sem qualquer particularidade relativamente a outros sujeitos privados. Considerar-se a convenção coletiva como um híbrido entre o contrato e a lei implica partir do seguinte pressuposto: a convenção coletiva tem normalmente dois tipos de regras:

1. A parte obrigacional: a convenção é um puro contrato;

2. A parte regulativa: entrar-se-ia, aqui, no campo do Direito

Público, em razão da similitude com a lei.

Todas as críticas feitas ás teorias publicistas valem também, neste ponto, para as conceções híbridas.

b. Posição adotada: tendo em conta este panorama e considerando que a

natureza jurídica da convenção coletiva se infere do regime estabelecido na lei, com base no disposto na Constituição e no Código do Trabalho, parece poder concluir-se que a convenção coletiva se deve enquadrar na noção de negócio jurídico, pelas seguintes razões:

i. Há liberdade de constituição quer de associações sindicais quer de

associações de empregadores, assim como liberdade de filiação em qualquer dessas associações;

ii. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores são pessoas coletivas de Direito Privado, e é nesta categoria que atuam ao celebrar

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iii. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores, ao ajustar convenções coletivas, têm liberdade de celebração e liberdade de estipulação, tal

como ocorre com qualquer privado quando negoceia um contrato;

iv. A aplicação das convenções coletivas na sua parte regulativa baseia-se no princípio da filiação. De facto, a aplicação das regras da convenção coletiva aos

filiados nas associações signatárias justifica-se com base no instituto da representação. Os membros das associações sindicais e de empregadores são representados por essas entidades na negociação coletiva; a representação mantém-se enquanto durar a filiação. O facto de, por vezes, os empregadores aplicarem as regras de convenções coletivas a trabalhadores não sindicalizados ou não filiados nos sindicatos outorgantes, justifica-se por motivos de ordem prática, mas essa aplicação só vale na medida em que os trabalhadores a tenham aceite. Se, efetivamente, a situação que emerge da aplicação da convenção coletiva for mais benéfica do que aquela que advém do contrato de trabalho é razoável que os trabalhadores não sindicalizados ou filiados em sindicatos não outorgantes aceitem a aplicação de soluções idênticas às da convenção coletiva. A representação coletiva, que terá tido início com as convenções coletivas, generalizou-se noutros domínios, como no caso das associações de proteção do consumidor, que pretendem intervir, representando igualmente os consumidores nelas filiados;

v. Relativamente à intervenção dos poderes públicos, pode dizer-se que, no nosso sistema jurídico, está circunscrita à recusa de depósito de convenções coletivas.

Recusa essa que só pode ser feita tendo em conta a falta de elementos formais e não com base em aspetos substanciais. Trata-se de um mero controlo administrativo de aspetos formais, porventura menos exigente do que aquele que os notários exercem em relação a outros negócios jurídicos de Direito Privado. Relativamente às diretrizes estabelecidas na lei, em particular no que respeita à celebração de convenções coletivas, não se trata de uma forma de as afastar do domínio do Direito Privado, porque o legislador também tem estabelecido limites à contratação noutros contratos. Talvez em relação às convenções coletivas haja um número mais elevado de normas imperativas, mas trata-se tão só de uma maior limitação da autonomia privada, frequente em sede de Direito do Trabalho. Para além das diretrizes legais, há ainda a ter em conta as orientações estabelecidas na concertação social. Mas estas são meras coordenadas de atuação, não sendo imperativas, pelo que as entidades que vierem a celebrar convenções coletivas podem tomar por modelo as orientações da concertação social.

vi. O facto de no artigo 521.º CRT se estabelecerem contraordenações para o caso de os empregadores não cumprirem as regras constantes de convenções coletivas, as quais implicam o pagamento de coimas cujo produto reverte para organismo públicos também não afeta a natureza privada da convenção coletiva. Realmente,

no domínio do Direito Privado não é normal a imposição de coimas nos termos previstos no preceito citado; podendo as partes estabelecer cláusulas penais, cujo produto reverte para o não faltoso.

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Mas esta particularidade não é relevante para desvirtuar a natureza privada da convenção coletiva, porque, por exemplo, nos artigos 17.º, n.º5, 19.º, n.º4, 20.º, n.º5, 29.º, n.º4, 37.º, n.º5, etc., CT, estabelece-se igualmente que o empregador fica sujeito a coimas por infração aos direitos dos trabalhadores. Além disso, cada vez é mais frequente impor penas pela violação de contratos de Direito Privado, cujo produto não se destina, pelo menos na totalidade, à contraparte lesada. Isto verificasse, nomeadamente, nos termos do artigo 829.º-A CC, que regula a sanção pecuniária compulsória. Para além desta regra geral, em termos exemplificativos, no arrendamento rural e florestal o legislador estabeleceu uma coima pelo não envio da cópia do contrato para as finanças, que remeterá à correspondente Direção Geral e no regime de direito real de habituação periódica foi estabelecida uma multiplicidade de contraordenações puníveis com coima (artigo 54.º Decreto-Lei n.º 275/93, 5 agosto). Há um único aspeto em que a aplicação da convenção coletiva extravasa o domínio do Direito Privado. Tal ocorre quando, mediante uma Portaria de extensão, se alarga o âmbito de aplicação da convenção, passando a valer relativamente a pessoas não filiadas nas entidades outorgantes (artigo 514.º CT). Todavia, neste caso, os preceitos da convenção coletiva aplicam-se a terceiros com base no poder regulativo do Estado, ou seja, por força de um regulamento que emana de um órgão político.

Acordo de adesão:

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