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Legitimidade para declarar e fazer a greve:

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 149-151)

III Conflitos coletivos de trabalho

4. Legitimidade para declarar e fazer a greve:

a. Oportunidade: apesar de, por vezes, se aludir à greve como a ultima ratio em

dado conflito coletivo, não é necessário que, previamente, se recorra a um processo negocial e, chegando a um impasse, seja declarada a greve. A greve não corresponde ao culminar de um processo negocial fracassado; pode surgir antes, durante ou depois das negociações, até como forma de pressionar o empregador em determinado sentido. A greve depende apenas de um juízo de oportunidade, que cabe aos trabalhadores. Ou seja, a greve pode ser declarada, não por se ter chegado a um impasse nas negociações, mas porque se julgou oportuna esta forma de luta. Mesmo que as partes interessadas estejam a negociar, os trabalhadores podem recorrer à greve como forma de pressionar o empregador a ceder às suas pretensões, sem que isso constitua necessariamente uma violação da boa fé (artigo 522.º CT). Se os trabalhadores consideram oportuno o recurso à greve, há que fazer a declaração de greve, a qual, em princípio, cabe às associações sindicais (artigo 531.º , n.º1 CT). Excecionalmente, admite-se que a greve possa ser declarada pelas assembleias de trabalhadores (artigo 531.º, n.º2 CT) que, na prática, em razão das limitações legais quanto a essa forma de declaração de greve, leva a que se possa falar na existência de um monopólio sindical nesta matéria. A decisão de greve está na dependência de um juízo de oportunidade, mas depois terá de haver uma subsequente formalidade da qual resulta a intenção de os trabalhadores recorrerem à greve. A distinção entre o juízo de oportunidade quanto ao recurso à greve, que compete aos trabalhadores, e a declaração de greve tomada, em princípio, pelos sindicatos, é teórica. Na prática, há uma competência quase total dos sindicatos quanto à determinação do juízo de oportunidade e à declaração de greve. O facto de a decisão de greve ser um quase monopólio sindica, tem uma justificação.

i. Porque cabe às associações sindicais a defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores (artigo 56.º, n.º1 CRP), e a greve tem exatamente essa função

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ii. Na medida em que, normalmente, a greve é uma forma de pressionar o empregador ou empregadores com vista à celebração de uma convenção coletiva de trabalho ou para alterar um instrumento em vigor. Ora, como a celebração de

convenções coletivas é da competência das associações sindicais (artigo 56.º, n.º3 CRP), justifica-se também que sejam os sindicatos a determinar se se deve ou não recorrer à greve e, por conseguinte, a decretá-la.

Não obstante as justificações quanto ao monopólio sindical, podem suscitar- se algumas dúvidas. No artigo 531.º, n.º1 CT foi atribuída aos sindicatos competência para declarar a greve, mas não se estabelece qualquer limite, designadamente em função da respetiva representatividade. Trata-se de uma norma relativamente aberta que estabelece uma competência genérica. Assim sendo, um sindicato, não obstante ter representatividade mínima numa empresa, não está impedido de declarar uma greve nessa unidade empresarial. Permitindo-se que uma associação sindical minoritária numa empresa possa declarar a greve contra a vontade dos sindicatos maioritários representados na mesma. E pode mesmo chegar-se à seguinte situação, algo caricata, de numa determinada empresa que tenha, por exemplo, 500 trabalhadores, estes sem apoio sindical, terem dificuldade em declarar a greve em função das restrições estabelecidas no artigo 531.º, n.º2 CT, mas um sindicato que representa, por exemplo, dois ou três trabalhadores dessa empresa, pode declarar greve na mesma. Mas ainda que não resulte diretamente do n.º1 do artigo 531.º CT, a competência dos sindicatos para declarar a greve tem limites. Em primeiro lugar, não pode um sindicato declarar a greve num setor diverso daquele que representa. Por outro lado, para declarar a greve, o sindicato deve ter uma representação, ainda que diminuta, na empresa. Em princípio, quem declara greve são os sindicatos, mas quem faz a greve são os trabalhadores; há que distinguir a declaração de greve do exercício da greve. A greve, por via de regra, efetiva-se mediante a paralisação dos trabalhadores numa determinada empresa, mas, não obstante a natureza coletiva da greve, o seu exercício pressupõe sempre uma manifestação da vontade individual de cada trabalhador. A greve efetiva-se mediante a paralisação dos vários trabalhadores, mas nessa paralisação, para além do aspeto coletivo, assenta na liberdade de cada trabalhador aderir ou não à greve. A adesão é um ato individual de cada trabalhador, não pressupondo qualquer manifestação coletiva. A ideia de que a adesão é individual relaciona-se com o facto de os trabalhadores terem liberdade de trabalhar, mesmo quando tenha sido declarada uma greve na empresa pelo respetivo sindicato. O exercício do direito de greve não pode ser imposto nem pelos demais trabalhadores nem pelo sindicato. A adesão à greve pode ser feita por todos os trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados. Para a adesão à greve não é necessário que o trabalhador esteja inscrito num sindicato nem muito menos que se encontre filiado na associação sindical que declarou a greve; os trabalhadores não sindicalizados bem como os sindicalizados em outros sindicatos que não declararam a greve, também podem aderir. A adesão à greve é um direito de todos os trabalhadores, tendo tão-só de se verificar se aqueles trabalhadores, em razão da atividade que exercem e do local onde a prestam, estão ou não compreendidos no âmbito da greve. Tendo aderido à greve,

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independentemente da sua filiação, o trabalhador passa a ser representado pela associação sindical que declarou a greve ou pela comissão sindical no caso de a greve ter sido declarada pela assembleia de trabalhadores (artigo 532.º, n.º1 CT). Esta representação legal, que pode ser delegada (artigo 532.º, n.º2 CT), respeita unicamente a este conflito coletivo, isto é, à negociação com vista a alcançar a reivindicação e à cessação da greve. É discutível que na representação a que se refere o artigo 532.º CT se inclua um poder de direção atribuído ao sindicato, mediante o qual a este caberia dirigir a atividade dos trabalhadores que integram o piquete de greve e, principalmente, ordenar ou orientar a prestação de serviços mínimos.

b. Princípio da boa fé: no artigo 522.º CT, como princípio geral de atuação

nos conflitos coletivos, reitera-se a obrigação de as partes agirem de acordo com ditames de boa fé. Daqui decorre, em especial, que os trabalhadores devem exercer o direito de greve segundo padrões de boa fé e não, nomeadamente, com o intuito de causar o maior prejuízo possível ao empregador ou de beneficiar terceiro; em contrapartida, o empregador, não obstante lhe ser lícito minimizar os danos, não deverá atuar de molde a inviabilizar o exercício do direito de greve.

c. Responsabilidade civil: em vários preceitos do Código do Trabalho,

acentua-se o princípio da responsabilidade civil, que não impende só sobre os empregadores, mas igualmente sobre os trabalhadores e associações sindicais. Importa atender ao artigo 520.º, n.º3 CT, relativo à responsabilidade civil por incumprimento culposo de obrigações contratuais, nomeadamente resultantes de convenção coletiva, e, em particular, ao artigo 541.º, n.º2 CT, quando remete para os princípios gerais em matéria de responsabilidade civil, em caso de declaração ou execução da greve de forma contrária à lei. Nos termos dos artigos 483.º e seguintes CC, a responsabilidade dos sindicatos existirá sempre que a sua atuação se integrar nos pressupostos do n.º1 do artigo 483.º CT. Em tal caso, o lesado, credor da indemnização, tanto pode ser o empregador, como o trabalhador a quem foram prestadas falsas informações e, eventualmente, terceiros, em particular credores de prestações da empresa, se se admitir a eficácia externa das obrigações. Em relação ao empregador, a responsabilidade do sindicato não depende sequer da admissibilidade da eficácia externa das obrigações, pois não está só em causa a violação de contratos de trabalho induzida pelo sindicato, mas também o desrespeito de deveres emergentes da relação coletiva entre sindicato e empresa, independentemente da existência de qualquer cláusula de paz social. Idêntica responsabilidade pode impender sobre o trabalhador que aderiu a uma greve ilícita, com consciência da ilicitude, desde que se encontrem preenchidos os restantes pressupostos do artigo 483.º, n.º1 CC. Além da responsabilidade civil, a adesão a uma greve ilícita pode determinar a omissão de deveres que consubstanciam um crime, caso em que o trabalhador pode ser responsabilizado penalmente.

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 149-151)