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Considerações preliminares:

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 145-149)

III Conflitos coletivos de trabalho

1. Considerações preliminares:

a. Admissibilidade e limites: a greve, de entre os conflitos coletivos,

apresenta-se como a luta paradigmática dos trabalhadores em que se pretende pôr em causa as regras vigentes. A greve permite que, sendo satisfeitas as reivindicações dos trabalhadores, se atinja um maior equilíbrio na relação contratual. Por via da pressão exercida pela greve com respeito aos empregadores pode vir a estabelecer-se uma situação de maior justiça na relação laboral. Parece paradoxal, mediante o desencadear de uma luta onde se põem em causa regras jurídicas, que se possa atingir a justiça; ou seja, que a justiça se obtenha mediante o incumprimento dos contratos de trabalho e, consequentemente, pelo desrespeito de normas jurídicas4. Daí que a greve

tenha tido alguma dificuldade de explicação e enquadramento jurídico. Do ponto de vista terminológico, em português, usa-se a expressão greve, de origem francesa (grève – do nome da praça de Paris, junto ao rio Sena, onde se reuniam os trabalhadores à procura de trabalho. Bernardo Xavier alude a expressões portuguesas sinónimo de greve, anteriormente utilizados, como

coalizão e parece), verificando-se, nas línguas latinas uma grande diferença

vocabular: assim, em castelhano5 utiliza-se o termo huelga e em italiano6 a

expressão sciopero. A greve encontra-se hoje regulada nos artigos 530.º a 543.º CT, regime que se aplica aos trabalhadores com contrato de trabalho, assim como àqueles que desempenham funções públicas nos serviços de administração direta e indireta do Estado, nos termos do disposto nos artigos 392.º e seguintes do regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas. A admissibilidade da greve não é hoje contestada nos países que adotaram sistemas políticos pluralistas e de economia de mercado – perspetivas que costumam encontrar-se associadas –, pois o direito à greve é incontestável como instrumento corretor de desequilíbrios. Não obstante o direito de greve ser incontestável, há que ponderar certos limites na sua atuação, apesar do disposto no artigo 57.º, n.º2 CRP. Importa, por um lado, disciplinar a greve – que tem de ser exercida de boa fé (artigo 522.º CT) – e, por outro lado, determinar quais são as greves lícitas. Há, de facto, uma proibição constitucional de limitar o âmbito da greve, mas o direito não pode admitir situações ilícitas sob o manto da greve. Importa ter em conta que o Estado também estabeleceu limites à greve; concretamente, o regime instituído não se aplica às forças militares e militarizadas. Com base no disposto no artigo

4大象城堡 diz: não vos deixeis enganar: o autor está aqui também a pôr em causa a questão da dialética (como processo onde

a tese e a antítese são o caminho para a síntese) para a compreensão da verdade (também histórica e) atual.[como quem diz, rejeitar e demonstrar distanciamento – ou será mesmo aversão? – à realidade socialista/comunista da base de luta laboral destes conflitos]

5 Idem: O autor utiliza o termo espanhol, corrigimos porque a normalização do emprego deste termo deixa a crença de que a unidade da “Espanha” está na matriz castelhana de ser comum a todas as realidades culturais (mas não serão nacionais??) dos povos peninsulares o que é falso e deve ser negada para que, se é que verdadeiramente se queira que a península o seja, as Espanhas se possam ser. [Se a Senhora do Almurtão virou costas a Castela, não há porque agora não o fazer também, ainda para mais quando o que nos resta será Castela, querendo, ela também, a “união” hegemónica sempre em seu enlace].

6 Idem: Antes de nos acusarem de não termos a mesma postura para com o italiano: Roma não nos está à porta culturalmente querendo fazer do nosso quintal a pérola da sua ganância ou mitificação de Império (ainda que possamos ter de ter, em coerência, uma mesma necessidade de precisão – desculpai-nos venezianos, sul-

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270.º CRP, admite-se que, nesses casos, pode haver limites quanto ao exercício do direito de greve. É certo que o legislador viabilizou a greve na função pública, que, em muitos países, se encontra proibida. A isto acresce que, como se referiu, na revisão constitucional de 1997, incluiu-se um n.º3 ao artigo 57.º CRP, do qual resulta uma limitação constitucional ao exercício do direito de greve, nomeadamente no que respeita à determinação de serviços mínimos.

2. Noção:

a. Determinação: nem na Constituição nem nos artigos 530.º e seguintes CT

se encontra uma definição deste instituto. O legislador não apresentou uma noção de greve não tanto por ter presente a máxima omis definitio in iuris

periculosa est, mas porque qualquer definição seria redutora e poderia conduzir

a uma limitação inadmissível do direito à greve. Não obstante se ter omitido a definição de greve, a jurisprudência e a doutrina têm-se baseado num conceito de greve para poder discutir este instituto; em particular, cabe determinar os seus contornos e efeitos bem como importa determinar em que medida a greve é lícita ou ilícita. Pode começar por se definir a greve como a abstenção concertada da prestação de trabalho a efetuar por uma pluralidade de trabalhadores com vista à obtenção de fins comuns. Importa explicitar os vários termos desta definição.

b. Abstenção de trabalhar: a abstenção de trabalhar pode ser entendida num

sentido restrito ou numa aceção ampla.

i. Em sentido restrito: na abstenção de trabalhar pressupõe-se que o

trabalhador deixe de efetuar a atividade; trata-se de uma total paralisação.

ii. Em sentido amplo: poderá entender-se que a abstenção abrange, para

além da paralisação, um refrear na execução da atividade laboral, ou seja, nela se incluem também as perturbações na relação laboral que não impliquem paragem na execução do trabalho.

A posição tradicional preconiza a aceção restrita. A abstenção será, assim, entendida como paralisação total. O trabalhador só estará em greve se não realiza qualquer prestação relacionada com a atividade laboral, exceto se estiver a cumprir serviços mínimos. Esta noção de greve total paralisação é a dominante nos países da Europa do Norte e nos Estados Unidos da América, nos quais o poder económico dos sindicatos permite manter situações de greve em que as associações sindicais compensam os prejuízos sofridos pelos trabalhadores, em especial a perda de salário. Nos países latinos, e concretamente em Portugal, tal não ocorre. Por um lado, os sindicatos, em geral, têm um poder económico bastante reduzido e, por outro, as dificuldades financeiras de grande parte dos trabalhadores não permitem que sejam desencadeadas greves prolongadas, pelo que se tem recorrido também a formas de luta em que não há uma verdadeira paralisação, mas apenas uma perturbação na relação laboral. Não obstante a complexidade do problema e de as soluções globais terem de ser sempre ponderadas perante casos concretos, é sustentável, por via de regra, que a abstenção, para efeitos de greve, deva ser entendida como inatividade, como paralisação propriamente dita, não devendo as perturbações na relação de trabalho ser incluídas no conceito de abstenção.

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c. Concertação entre trabalhadores: como segundo elemento da noção

apresentada é de indicar que a greve constitui uma abstenção concertada da atividade laboral, ou, como tradicionalmente se dizia, a greve é uma coalizão de trabalhadores que suspendem a prestação da atividade laboral. Deste modo, a abstenção tem de ser combinada, previamente ajustada pelos trabalhadores, normalmente com intermediação sindical, e comunicada essa intenção ao empregador.

d. Pluralidade de trabalhadores: em terceiro lugar, a greve pressupõe que a

paralisação seja efetuada por uma pluralidade de trabalhadores; pelo menos, tem de haver vários trabalhadores que possam aderir à greve, mesmo que, depois, o não façam. Não é que, perante uma situação concreta tenham de estar em greve vários trabalhadores. Se for decretada greve numa dada empresa e no dia marcado só um trabalhador a ela adere, este trabalhador, apesar de o fazer isoladamente, está a exercer licitamente o seu direito à greve. Faz parte da noção de greve, e por isso ela se inclui entre os conflitos coletivos, a possibilidade de aderirem vários trabalhadores. Levantam-se, contudo, problemas quando num determinado setor ou numa dada empresa só laborem dois trabalhadores ou mesmo um só. Não é o facto de se trabalhar isoladamente que pode constituir obstáculo ao exercício do direito de greve. Pelo que, apesar de não ser habitual, o único trabalhador de uma empresa pode fazer greve, mas, havendo vários trabalhadores da mesma categoria, a paralisação pode ser efetuada por todos.

e. Fins: por último, a greve tem em vista a obtenção de fins comuns por parte

dos trabalhadores. O que deva entender-se por fins comuns é igualmente polémico.

i. Em sentido restrito: os fins comuns relacionam-se com a situação

laboral; mas

ii. Em sentido amplo: podem abranger também interesses políticos,

económicos, de solidariedade, etc.

Parece não haver dúvidas de que a greve é um direito dos trabalhadores, ou seja, daqueles que se integram numa relação jurídica laboral, não sendo um direito dos chamados trabalhadores independentes. A dúvida poderia surgir com base no disposto no n.º1 do artigo 57.º CRP, onde se fala no direito de greve sem relacionar com os trabalhadores. Mas no n.º2 do mesmo preceito, vem estabelecer-se os termos em que os trabalhadores podem definir o âmbito da greve; logo, deve entender-se que a greve só existe em relação a trabalhadores. O mesmo se depreende do disposto no n.º1 do artigo 530.º CT, ao relacionar-se a greve com um direito dos trabalhadores. A greve pressupõe, assim, a existência de uma relação jurídica de subordinação com o empregador. Nestes termos, não integram o conceito técnico de greve as chamadas greves de estudantes ou de consumidores ou qualquer paralisação decretada por trabalhadores independentes. Quanto às finalidades que os trabalhadores podem prosseguir com a greve, questiona-se acerca da legalidade de greves com fins não laborais. Através da greve, os trabalhadores fazem reivindicações com vista a ver satisfeitas certas pretensões de ordem laboral, pelo que nos casos referidos, juridicamente, parece que não haverá greve. Na medida em que a greve funciona como meio de pressão para atingir

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se pode qualificar a situação como verdadeira greve. Os fins comuns que se reivindicam devem estar na disponibilidade de satisfação por parte do empregador. Até porque é a entidade patronal quem suporta o risco inerente à greve, designadamente devendo pagar o salário aos trabalhadores não grevistas e as indemnizações por incumprimento de obrigações para com terceiros. Só será justo que o empregador suporte tal risco se tiver a possibilidade de satisfazer as pretensões dos trabalhadores. Esta posição, porém, de iure condito não será fácil de justificar, já que a Constituição (artigo 57.º) estabelece que a lei não pode impor limitações à greve e, em termos literais, as normas legais admitem-na em sentido amplo. Mas tal interpretação literal não parece conformar-se com as razões que levaram ao surgimento da greve como direito, pelo que o sentido restritivo proposto se impõe. 3. Modalidades: a propósito da noção já se fez alusão a algumas modalidades de greve.

A indicação destas será sempre exemplificativa, mas importa referir alguns casos.

a. A greve geral opõe-se à greve parcial ou sectorial:

i. A greve geral:

1. Num sentido amplo: pressupõe a paralisação de todos os

trabalhadores do país. Trata-se de uma greve, essencialmente com conotações políticas, muitas das vezes associada a finalidades revolucionárias, pouco frequente nos dias de hoje7.

2. Num sentido restrito: falar-se-á em greve geral quando implica a

paralisação de todos os trabalhadores de uma profissão ou empresa.

ii. A greve sectorial: pelo contrário, reporta-se à paralisação de alguns

trabalhadores de determinada profissão ou de um núcleo da empresa; a greve é circunscrita a um grupo de profissionais delimitado ou a um núcleo de empresa. A distinção é importante porque se a uma greve sectorial aderirem trabalhadores de outros núcleos, haverá ilicitude.

b. A greve típica ou própria opõe-se à greve atípica ou imprópria:

i. A greve típica: corresponde à paralisação total dos trabalhadores;

ii. A greve atípica: não está em causa uma verdadeira abstenção do

trabalho, mas uma perturbação da relação laboral. Em muitos casos, estas greves são ilícitas, o que não quer dizer que o sejam necessariamente.

Esta distinção reporta-se, pois, à diferença entre greve no sentido tradicional (típica) e as novas modalidades de greve (atípica) em que não haverá sempre uma paralisação absoluta da atividade laboral.

c. A greve lícita opõe-se à greve ilícita:

i. A greve lícita: é a greve permitida pelo Direito;

ii. A greve ilícita: é a greve que contraria o Direito. Que podem ser

enquadradas numa de três situações:

1. Não obstante terem sido desencadeadas dentro dos pressupostos gerais deste instituto, prosseguem fins ilícitos.

7 E vêm como ele lança o preconceito contra certos institutos ao lançar fundamentação de pudor ou certa repulsa a orientações políticas mas sem fundamentar estas afirmações – se forem a ver no manual, NEM UMA referência bibliográfica de estudos estatísticos ou sociológicos se encontram. Repito…. N E M U M A ! ! !

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2. Sendo a greve desencadeada e desrespeito de regras jurídicas;

3. Impliquem a utilização de meios que não se coadunam com os princípios e regras gerais do ordenamento jurídico; nomeadamente, as greves

que causem um prejuízo exorbitante ao empregador em relação às pretensões exigidas pelos trabalhadores.

Quanto aos objetivos a prosseguir,

d. A greve laboral opõe-se à greve não laboral:

i. A greve laboral: tem em vista reivindicações no domínio das situações

laborais, as quais podem ser satisfeitas pelo empregador em concreto.

ii. A greve não laboral: prosseguem outras finalidades, como sejam

políticas, económicas ou de solidariedade. As greves não laborais dificilmente se enquadram no conceito técnico de greve. Pese embora da letra da lei se possa concluir que quaisquer paralisações de enquadram na ideia da greve, parece que o espírito do ordenamento não permite a sua qualificação jurídica como verdadeira greve. As classificações de greve são inúmeras, dependendo da perspetiva em que se enquadram, podendo se falar de greves ofensivas e defensivas, greves para simples pressão negocial, etc.

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 145-149)