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Nexo de causalidade entre o facto e o dano: a responsabilidade civil depende da

No documento Direito Do Trabalho II - Romano Martinez (páginas 36-41)

existência de um nexo causal entre o facto gerador e o dano. Não há o dever de indemnizar caso falte a causalidade adequada entre o facto e o dano. Neste ponto, a responsabilidade por acidentes de trabalho não apresenta particularidades com respeito ao regime comum constante do artigo 563.º CC. A imputabilidade do empregador depende de o acidente de trabalho ser causa adequada do dano sofrido pelo trabalhador. Há, todavia, a ter em conta que se está no domínio de uma responsabilidade objetiva, em que, como é regra, o nexo causal se encontra simplificado. Mas o regime geral da causalidade adequada do artigo 563.º CC encontra algumas particularidades na responsabilidade emergente de acidentes de trabalho. Do artigo 10.º, n.º1 LAT consta uma presunção de causalidade, pois se a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste. Deste modo, tendo sido a lesão constatada no local e no tempo de trabalho presume-se consequência do acidente de trabalho; ou seja, presume-se a existência da causalidade adequada, cabendo ao empregador provar a falta de nexo causal. Importa, porém, esclarecer que a observação ou o reconhecimento da lesão só poderá constituir presunção de nexo causal no caso de

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ter sido feito pelo empregador ou por um seu representante – que poderá ser, por exemplo, o médico da empresa –; em princípio, sendo a lesão constatada por qualquer outra pessoa, mesmo a seguir a um acidente ocorrido no local e no tempo de trabalho, não funcionará a presunção de causalidade. Não será curial, até atendendo a regras de boa fé, que o trabalhador, tendo sofrido um acidente, não se apresente de imediato junto da entidade competente da empresa, para que esta verifique a situação e tome as providências necessárias, mormente ministrando os primeiros socorros. Contudo, principalmente quando a atividade é desenvolvida fora da empresa, a verificação da lesão poderá ser feita por pessoa inclusive estranha à empresa. Nas demais situações não incluídas no artigo 10.º, n.º1 LAT, a determinação da existência de nexo causal é feita nos termos gerais, cabendo a respetiva prova ao sinistrado ou aos seus familiares (artigo 10.º, n.º2 LAT). O nexo causal na responsabilidade derivada de acidentes de trabalho apresenta ainda dois tipos de especificidades:

a. A primeira respeita às circunstâncias anteriores ao acidente que, apesar de já afetarem o trabalhador, podem não ter qualquer repercussão a nível da obrigação de indemnizar: de facto, nos termos do

artigo 11.º, n.º1 LAT, a predisposição patológica do sinistrado anterior ao acidente não exclui o direito à reparação integral. Assim, se o trabalhador padecia de uma doença ou de uma lesão e sofre um acidente, os danos dele derivados, independentemente de terem sido agravados por força dessa doença ou lesão anteriores, deverão ser indemnizados pelo empregador. Esta solução apresenta-se como contrária ao regime regra do nexo de causalidade, mas do próprio artigo 11.º LAT constam exceções:

i. A reparação integral será excluída no caso de o sinistrado ter ocultado a sua situação anterior (artigo 11.º, n.º1, parte final LAT). Como a vítima ocultou

uma predisposição patológica anterior, poderá ter sido encarregado de realizar atividades para as quais não estaria física ou psiquicamente habilitada e, nessa medida, o agravamento do dano é-lhe imputável.

ii. A obrigação de indemnizar encontrar-se-á igualmente excluída se a doença ou lesão anterior for a causa única do dano; hipótese em que tudo se ficou a dever à situação patológica anterior e não ao acidente, pois, em tal caso, falta totalmente o nexo causal;

iii. A responsabilidade por acidente de trabalho também não tem cabimento, pelo menos na sua totalidade, no caso de o sinistrado se encontrar a receber uma pensão ou tiver recebido capital respeitante à lesão ou doença de que padecia (artigo 12.º, n.º2 LAT). Nesse caso a responsabilidade do empregador poderá ser

só pela diferença.

iv. Na hipótese de o sinistrado padecer de uma incapacidade permanente anterior ao acidente, mesmo que esta não lhe conferisse qualquer direito à indemnização (artigo 11.º, nº.3 LAT): neste caso, como já se encontrava

diagnosticada uma incapacidade permanente anterior ao acidente, a responsabilidade do empregador fica circunscrita à diferença, em termos idênticos aos referidos a propósito da terceira exceção.

b. A outra especificidade que respeita ao nexo causal tem a ver com o agravamento posterior do dano: com alguma frequência, os danos

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Para os casos em que a lesão reaparece ou se agrava, o artigo 24.º LAT prevê o direito à indemnização, podendo surgir, de novo, a obrigação de pagar em espécie. Para além disso, tal como vem estabelecido no artigo 70.º LAT, o agravamento do dano pode implicar uma revisão da pensão. Em ambas as situações é necessário demonstrar a existência de um nexo causal entre o acidente e o reaparecimento ou o agravamento do dano; ou seja, importa comprovar se há a probabilidade de a lesão causada pelo acidente em questão poder reaparecer ou agravar-se.

5. Indemnização:

a. Aspetos gerais: a indemnização estabelecida em sede de acidentes de

trabalho apresenta duas vertentes:

i. Respeitante à reparação física e psíquica do sinistrado: a recuperação do

sinistrado prende-se com o princípio geral da responsabilidade civil da restauração natural (artigo 562.º CC), em que por via da obrigação de indemnizar se pretende restabelecer a situação anterior.

ii. Respeitante ao pagamento de uma quantia pecuniária em função da morte ou incapacidade de trabalho: a indemnização pecuniária em caso de morte

ou em função da incapacidade de trabalho determina-se, nos termos gerais do Direito das Obrigações, por sucedâneo pecuniário (artigo 566.º CC), mas há algumas particularidades a ter em conta.

Nos termos gerais, o artigo 23.º LAT prescreve que a indemnização pode ser em espécie ou dinheiro para cobrir os danos nela previstos. Porém, havendo culpa do empregador (artigo 18.º LAT) acrescentam-se os danos não patrimoniais, que passam a ser indemnizáveis, assim como os demais danos patrimoniais não previstos na LAT. Denota-se uma clara preocupação do legislador de, a todo o custo, indemnizar o trabalhador, pondo cobro aos danos por ele sofridos; em especial, repondo a sua capacidade de trabalho, seja mediante tratamentos, ou pela via da compensação pecuniária. No artigo 23.º LAT incluem-se só algumas prestações em espécie e em dinheiro; no fundo, aquelas que correspondem ao tipo delimitado de dano, estabelecido pelo legislador. A indemnização não foi estatuída para outros danos, designadamente os não patrimoniais – à exceção da previsão constante do artigo 18.º LAT – e os lucros cessantes de outras atividades. As situações não prenunciadas no artigo 23.º LAT só serão ressarcíveis nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual. Eventualmente, poder-se-ia pensar que os danos não patrimoniais, mesmo na hipótese de falta de culpa do empregador, estariam, de forma implícita, incluídos nas indemnizações atribuídas ao trabalhador em caso de incapacidade ou aos seus familiares na hipótese de morte do sinistrado. Tal ideia não parece correta, pois as indemnizações atribuídas pretendem simplesmente repor a capacidade de ganho, atendendo, por conseguinte, ao lucro cessante e não ao dano moral. Nas duas últimas alíneas do artigo 23.º LAT distingue-se a reparação em espécie (alínea a)) e em dinheiro (alínea b)). Mas esta distinção é, de certo modo, incorreta, podendo não corresponder, verdadeiramente, à realidade.

b. Reparação em espécie: com respeito às reparações em espécie alude-se, na

alínea a) do artigo 23.º LAT, às prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras necessárias à recuperação do sinistrado, elenco que encontra completado nas várias alíneas do artigo 25.º do mesmo

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diploma, a que acresce nomeadamente a prestação de primeiros socorros (artigo 26º. LAT), bem como a obrigação de transporte do sinistrado e, eventualmente, de um acompanhante (artigos 26.º, n.º2 e 39.º LAT) ou a assistência permanente (artigo 53.º LAT). Estas prestações, apesar de em regra serem satisfeitas em espécie, por restauração natural, nada obsta a que possam ser realizadas por sucedâneo pecuniário. Com base em acordo, pode o trabalhador optar por hospital da sua escolha, por exemplo, no estrangeiro ou fazer-se transportar por sua conta. Não há imperatividade no que respeita a estas prestações serem efetuadas em espécie; a vontade das partes pode substituí-las por prestações pecuniárias, pois não está em causa uma renúncia ao crédito (artigo 78.º LAT).

c. Reparação em dinheiro: na alínea b) do artigo 23.º LAT estão em causa as

prestações por sucedâneo pecuniário, as quais se destinam a reparar danos que provêm da morte ou da incapacidade, parcial ou total, do trabalhador. No caso de morte, pretende-se que os familiares recebam uma compensação correspondente à perda do rendimento do falecido, bem como Às despesas do funeral; nas situações de incapacidade, a indemnização visa repor a perda da capacidade de trabalho e de ganho do trabalhador acidentado e pagar as despesas necessárias à readaptação da sua habitação. Na grande maioria das situações, estas prestações terão de ser realizadas por sucedâneo pecuniário, pois não é possível proceder à restauração natural. Mas sendo viável, nada obsta a que estas prestações sejam feitas em espécie; por exemplo, o empregador pode providenciar o enterro do trabalhador, não sendo devidas aos familiares deste as despesas do funeral.

d. Determinação do montante: o montante da indemnização está, em

primeiro lugar, dependente do dano sofrido pelo trabalhador; será, assim, diferente o valor da reparação consoante se esteja perante um caso de morte (artigos 56.º e seguintes LAT) ou de incapacidade e, neste último caso, ainda importa distinguir se esta é permanente ou temporária e total ou parcial (artigo 48.º LAT). Por outro lado, há que apurar, também para efeitos indemnizatórios, o grau de incapacidade, que é determinado por coeficientes, normalmente expressos de modo percentual, constantes da Tabela Nacional de Incapacidades, que diferem, entre outros aspetos, da atividade que o trabalhador tinha condições de desenvolver, devendo ponderar-se se o sinistrado pode desempenhar ofício diferente daquele que realizava. A mesma lesão pode constituir diferente grau de incapacidade consoante a idade, a robustez, a profissão e a aptidão de cada trabalhador. Para além do dano, o montante da indemnização é aferido pela retribuição do trabalhador (artigo 48.º, n.º3 LAT). A noção de retribuição, a que alude este preceito, não corresponde à que consta, nomeadamente do artigo 258.º CT. Considera-se retribuição o salário normalmente auferido pelo trabalhador, onde se incluem todas as prestações por ele recebidas com caráter regular, que não se destinem a compensar custos aleatórios (artigo 71.º, n.º2 LAT); isto é, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias – designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente – e pagamentos em espécie. Mas têm de corresponder a uma vantagem

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para este efeito, as ajudas de custo, as despesas de representação ou o abono para falhas. Como se determina o disposto no artigo 48.º LAT, a indemnização, por via de regra, não é fixada pela totalidade da retribuição, mas por uma percentagem desta; por exemplo, em caso de incapacidade permanente absoluta, a pensão anual e vitalícia corresponderá a 80% da retribuição (artigo 48.º, n.º3, alínea a) LAT). Tendo em conta estes dois elementos – dano e retribuição –, a indemnização é fixada nos termos do artigo 48.º LAT. Na hipótese de culpa do empregador, os montantes que forem determinados nos termos das regras referidas são agravados, deixando a indemnização de ser fixada em função de uma percentagem da retribuição, mas pela sua totalidade ou pela efetiva redução de capacidade, acrescendo ainda os danos não patrimoniais (artigo 18.º LAT). A indemnização em dinheiro é normalmente paga em pensões anuais ou quinzenais (artigos 71.º, 72.º e 56.º, n.º1 LAT), podendo as pensões anuais ser remidas (artigos 75.º e seguintes LAT), sendo, então, a indemnização paga em capital. Estas noções correspondem à distinção feita no artigo 567.º CC entre indemnização paga no todo ou sob a forma de renda, que pode ser vitalícia ou temporária.

e. Revisão do montante: em qualquer dos casos, a indemnização, depois de

arbitrada, pode ser revista, pois, não obstante ser fixada judicialmente, considera-se sempre sujeita à condição rebus sic standibus. Tal ocorre com mais frequência na indemnização em forma de renda (pensão), mas o artigo 70.º LAT prevê a revisão das prestações devidas ao sinistrado, sem distinguir se o pagamento é feito em forma de pensão ou capital. A modificação pode advir de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença, podendo, em função da alteração verificada, a indemnização ser aumentada, reduzida ou excluída. Para tal é necessária a interposição de um novo processo judicial, nos termos dos artigos 147.º e seguintes CPT, nos prazos determinados no n.º3 do artigo 70.º LAT. Há também a possibilidade de ser pedida uma atualização da pensão, que não tem que ver com o agravamento da lesão, mas sim com a inflação. Se o montante da renda, atenta a inflação, deixar de corresponder à compensação devida, pode proceder-se à sua atualização, nos termos constantes dos artigos 6.º e seguintes Decreto-Lei n.º 142/99, 30 abril, diploma que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho.

f. Vencimento: a indemnização será devida ao trabalhador no momento em

que se dá o respetivo vencimento, nos termos gerais do Direito das Obrigações. Mas caso se aplicasse o artigo 805.º, n.º3 CC, o vencimento dar- se-ia aquando da citação do empregador; porém, em sede de responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, o legislador estabeleceu regimes diversos. Quanto à pensão por morte, o artigo 56.º, n.º2 LAT determina que o vencimento se dá no dia seguinte ao do falecimento; como nesse dia, por via de regra, o empregador não teve ainda conhecimento da ocorrência e, em princípio, não estariam já feitos os cálculos do montante a pagar, serão devidos juros de mora nos termos gerais (artigo 806.º CC). Relativamente às prestações por incapacidade temporária, o vencimento verifica-se no dia seguinte ao do acidente e sendo a incapacidade permanente, o vencimento ocorre no dia imediato ao da alta (artigo 126.º LAT). Para as restantes hipóteses rege o princípio geral do artigo 805.º, n.º3 CC.

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g. Lugar do cumprimento: para determinar o lugar do cumprimento da

obrigação de indemnizar há que averiguar se ele é ou não determinado por sua natureza. O lugar do cumprimento de certas obrigações está determinado pela sua natureza, como acontece nas prestações de caráter hospitalar ou cirúrgico; o local de cumprimento será onde devem ser feitos os tratamentos (artigo 27.º LAT). O mesmo não se passa em outras obrigações, em particular nas pecuniárias. No artigo 73.º, n.º1 LAT, ao determinar-se que o lugar do cumprimento será na residência do sinistrado ou dos seus familiares, não se alterou a regra geral (artigo 774.º CC) que aponta para o cumprimento no domicílio do credor. Se as partes pretenderem alterar o lugar do cumprimento, tal acordo tem de ser realizado por escrito (artigo 74.º, n.º2 LAT). Na eventualidade de o sinistrado ou o beneficiário da prestação se ausentar para o estrangeiro, o pagamento passa a ser efetuado em local acordado, sem prejuízo das regras internacionais, nomeadamente acordo de reciprocidade (artigo 73.º, n.º2 LAT). Esta regra, com particular interesse no caso de indemnizações pagas em renda, encontra a sua justificação na maior onerosidade em proceder a pagamentos internacionais, agravamento que, em princípio, não se verificará se a alteração de domicílio for para um país comunitário.

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