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Conclusão: Participação, Estado Absoluto, Estado Autoritário e Estado Totalitário

A CONSTRUÇÃO DA SOBERANIA NO ESTADO AUTORITÁRIO E NO ESTADO TOTALITÁRIO E A LIMITAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

3. Conclusão: Participação, Estado Absoluto, Estado Autoritário e Estado Totalitário

Ao longo do presente capítulo, procurámos realizar um percurso que reconstituísse os principais momentos teóricos do Estado negador da participação dos cidadãos na construção da soberania e das suas formas, no horizonte da modernidade. Organizámos a análise tendo em conta, fundamentalmente: a origem do poder político, a sua estruturação em termos de regime, a sua atitude face à autonomia da Sociedade Civil, a sua tolerância ou intolerância face aos direitos individuais, a organização da Administração Pública e o papel do Funcionário do Estado face à Administração Pública.

114 Veja-se como Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER (2001, II: 195) caracterizam esta fulanização no

racismo nazista: «O poder do Estado repousa apenas nas mãos du Fuhrer. Ele é o juiz supremo do povo alemão; a legislação é a expressão da sua vontade; a administração obedece às suas ordens; as forças armadas estão colocadas sob o seu comando. (...). “Vós sois a Alemanha”, diz Rudolf Hess a Adolph Hitler. “Quando agis, é a nação que age, quando julgais, é o povo (Volk) que julga.”. ».

115 Citado por Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER (2001, II: 191). 116 Idem: Ibidem.

Em linhas gerais, verificamos que a centralização do poder político e da administração pública, características comuns aos três regimes estudados, foram construídas ora pela destruição ora pela cooptação das poliarquias medievais, nos séculos XVI e XVII, e de tudo aquilo que elas representavam em termos de autarquia e de auto-governo, passando-se de um governo de territórios, de comunidades e de corporações, soberanos face ao Estado Pré-Moderno, para um governo anulador do pluralismo organizativo medieval ou, então, garante da sua autonomia, em troco de alianças de apoio político.

Ao longo dos Séculos referidos, tal governo teve de se «muscular» face aos diferentes interesses em conflito (basicamente, a nobreza contra a burguesia e as respectivas organizações), recorrendo à «importação» ou contratualização do poder papal para se «divinizar» e assim se impor a todos os sectores sociais. Nestes termos, o Estado Absoluto, do absolutismo monárquico de direito divino ou, noutros casos, de conciliação entre o poder espiritual e o poder temporal, foi um expediente de luta social da Nobreza contra a burguesia, emergente desde o Século XII, e consolidada já no Século XVII.

Desta consolidação da burguesia resultarão dois fenómenos de sentido contrário: 1) a radicalização do absolutismo nos Séculos XVII e XVIII; e, 2), a contestação ao poder monárquico, através da economia, pela expansão da actividade económica da burguesia, que conduziu à industrialização e ao reforço de poderes económicos intermédios, quase sempre aliados de poderes políticos autonómicos, de nível intermédio. Daqui resultou uma adaptação dos poderes monárquicos, ao longo do século XIX, que evoluíram para monarquias constitucionais ou para repúblicas, contemporizando ou dialogando mesmo com os novos poderes económicos e sociais, originários e originadores do liberalismo. Assim se consolidou o Estado Autoritário.

Mas, o Século XIX, traria um fenómeno novo, a par dos novos poderes intermédios do liberalismo. Trouxe, por um lado, a atomização dos indivíduos e o seu desenraizamento orgânico, e trouxe, por outro lado, novos poderes intermédios, oriundos dos Sindicatos e das Federações e Uniões Sindicais, anunciadoras de um contra-poder de tipo novo ao Estado centralizado – as mobilizações de massas. É nelas que vai radicar o Estado Totalitário, como negador absoluto dos direitos individuais e da participação dos cidadãos no processo de construção da soberania.

Por isso, em verdade, nem o Estado Absoluto nem o Estado Autoritário anularam por completo as autonomias individuais e comunitárias. Para a sua continuação, foi-lhes exigida obediência aos poderes políticos e aceitação da ordem social e política, através de uma participação cooptativa, passiva ou activa, nos actos da Administração Nacional.

Já o Estado Totalitário, respondendo à atomização e desproprietarização das pessoas na sociedade industrial, retirou-lhes também o carácter de entidades políticas, a elas, às suas comunidades, e às suas organizações, destituindo-as da capacidade contratante, e obrigando-as, no mínimo, a uma participação cooptativa activa. Como escreve Paulo OTERO (2001: 35),

«O totalitarismo pressupõe, por isso, mesmo, um verdadeiro “regime de mobilização” ou de “participação forçada”, verificando-se que até a liberdade de permanecer em silêncio é recusada a cada indivíduo.

É mesmo possível afirmar que o Estado Totalitário não se basta com a mera obediência à lei, exigindo, simultaneamente, uma nova convicção ou um “zelo anímico” e, por outro lado, uma exteriorização pública dessa adesão íntima à nova ordem.».

Procuramos efectuar uma síntese da análise efectuada pela construção do Quadro I, que segue.

QUADRO I: Comparação entre o Estado Absoluto, Estado Autoritário e o Estado Totalitário

Estado Absoluto Estado Autoritário Estado Totalitário

Origem do

Poder Político Com base na força, no Direito Divino, na

herança e no contrato social de interesses

Tomada do poder por um

grupo organizado que

procura legitimar-se pe-rante a Sociedade Civil, através do plebiscito ou da concessão de benefícios sociais

Mobilização de

massas e Revolução da qual resulta uma ordem social imposta Origem do

Poder Político Estado Absoluto Estado Autoritário Estado Totalitário

Atitude face à autonomia da Sociedade Civil Concessão formal de poderes explícitos a certos grupos e comu- nidades apoiantes do Poder instituído

Pluralismo e tolerância

limitados nas esferas que não ponham em causa a lógica política e social do poder instituído

Inexistência da Socie- dade Civil e sua absor- ção pelo Estado Estruturação do Poder Político Monarca Absoluto, apoiado em sectores tradicionais de interesses Monarquias constituci-onais ou chancelarias governativas, apoiadas em parlamentos com poderes diminuídos

Repúblicas populares, onde os parlamentos apenas servem para legitimar os actos dos governos, sendo os

seus elementos

propostos pelos líderes do partido único Direitos

individuais Inexistentes na ordem jurídica. Passíveis de

contratualização «ad hoc».

Consignados na Consti- tuição e na Lei. Reco- nhecimento do direito à vida, à propriedade e à liberdade de iniciativa não-política.

Não existentes

da Administração Pública contratualização da concessão de determi- nados poderes às Comunidades «fiéis»

tralização com possibilidade de reconhecimento de auto- nomias locais e de delegação política e funcional Centralização absoluta da decisão política, funcional e organi- zacional Papel do Fun- cionário do Estado Executor e Servidor fiel. Informador da Administração Burocrata. Representante

legal, intérprete e executor competente da Lei

Servidor ideológico do Estado e seu informa- dor permanente. Tipo ideal de

participação decretada

Cooptativa activa Consultiva representativa e

cooptativa, activa ou pás-siva Cooptativa activa

Possibilidade de participa- ção praticada

Por acção transgres-

siva oculta Por interacção informal não declarada Por acção transgres-siva oculta

Educação para o Projecto de Sociedade

Inexistente. Apenas escolas e universida- des monacais e Início

das universidades

burguesas nos Séculos XVI e XVII. Início de um sistema estatal no último Quartel do século XVIII Apenas existente na contemporaneidade. Con- formadora ideologicamente, socialmente elitista, essen-

cialista, perenealista e

hierarquizante mas compul- siva para a educação de base.

Vias vocacionais bem

definidas e precocemente. Currículo, Tempo escolar e métodos pedagógicos uni- formes Existente. Confor-ma- dora ideológicamente, socialmente elitista, essencialista, perene- alista e hierar-quizante mas compul-siva para a educação de base. Vias vocacionais bem defi- nidas e precocemente. Currículo, tempo esco- lar e métodos pedagó- gicos uniformes Administração

O LIBERALISMO COMO TEORIA DO ESTADO DE SOBERANIA

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