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A CONSTRUÇÃO DA SOBERANIA NO ESTADO AUTORITÁRIO E NO ESTADO TOTALITÁRIO E A LIMITAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

2. A Soberania Absoluta e a Negação da Participação no Estado Totalitário

2.2. O tipo ideal da Soberania Absoluta no Estado Totalitário

Analisaremos, de seguida, as características do «tipo ideal» do totalitarismo para terminarmos esta secção evidenciando os aspectos comuns e dissemelhantes ao autoritarismo, uma vez que todo o totalitarismo é autoritário e nem todo o autoritarismo tem características totalitárias.

A associação do Estado Totalitário ao Estado Absoluto e à Soberania Absoluta carece de alguns esclarecimentos na medida em que são realidades históricas diacrónicas. O Estado Absoluto só existiu, na Europa Ocidental, até finais do Século XVIII e só se poderá falar do Estado Totalitário, a partir do ideário político- administrativo de Mussolini, em 1922. De resto, terá sido mesmo Mussolini quem utilizou, pela primeira vez, o termo «totalitário», em 1922, (Paulo OTERO, 2001: 43; Luc FERRY e PISIER-KOUCHNER, 1985: 115; Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001: 191), para representar a dissolução do indivíduo e da sociedade no Estado:

«Para o fascismo, tudo está dentro do Estado e nada de humano ou de espiritual existe fora do Estado. Neste sentido, o fascismo é totalitário, e o Estado Fascista, síntese e unidade de todos os valores, interpreta, desenvolve e dá poder a todos os aspectos da vida de um povo.» (Benito MUSSOLINI, 1922: 16)

consciência nobre e vibrante do que conseguiu, a consciência da liberdade e do poderio, o sentimento de ter chegado à perfeição humana. Este homem livre, que pode prometer, este dono do livre-arbítrio, este soberano amo não há-de reconhecer (...) como tem nas suas mãos o ceptro da natureza, das circunstâncias e das vontades menos potentes? O homem «livre», o senhor de uma vasta e indomável vontade, acha nessa posse a sua tábua de valores: fundado em si mesmo, para julgar os outros, respeita ou despreza, e assim como venera os seus semelhantes, os fortes que podem prometer (...) assim também estará disposto a dar um pontapé nos miseráveis (...)».

Depois, o termo terá sido utilizado pela Revista Times, em Novembro de 1929 (François CHÂTELET e Evelyne PISIER-KOUCHNER, 1986: 438), referindo-se a um tipo emergente de Estado,«o Estado Totalitário», que caracterizava como Estado de Partido único e de reacção anti-parlamentar.

Por isso, valerá a pena começar por esclarecer algumas semelhanças e diferenças entre os dois modelos de Estado. Com base nos autores que fomos referindo, encontramos as seguintes semelhanças e diferenças.

Como principais semelhanças: 1) a concentração do poder político, um forte intervencionismo estatal, e a oposição frontal à filosofia liberal 98; 2) um Estado com

poder ilimitado, detendo a posse de quase tudo no Estado Absoluto, e de tudo no Estado Totalitário99, e administrando vastos sectores da vida social, económica e cultural e, até

religiosa; 3) um amplo aparelho administrativo do Estado conducente a um Estado Administrativo Centralizado; 4) o Estado conformador e dominador da Sociedade pelos mecanismos ideológicos, administrativos, burocráticos e repressivos.

Como principais diferenças: 1) em última análise, o poder do Estado Absoluto radica em Deus; o do Estado Totalitário não tem limites nem princípios, nem religiosos, nem éticos, nem morais 100, nem políticos 101; 2) o Estado Absoluto não tinha

um esquema de planificação global em termos de ideologia organizada e sistematizada para a manipulação e para a mobilização de massas. O Estado Totalitário vive delas e absorve os indivíduos com o seu poder; 3) o Estado Absoluto preocupa-se com o bem- estar dos cidadãos; acaba por ser um «Estado Absoluto Providência»; no Estado Totalitário são os cidadãos quem tem de se preocupar com o bem-estar do Estado; 4) O Estado Absoluto, nas determinações históricas que o permitiram construir é uma das formas da História dos Estados. O Estado Totalitário é uma realidade ainda presente, existente, e influente na própria democracia 102.

98 Veja-se as palavras de Mussolini: «se o liberalismo significa o indivíduo, o fascismo significa o

Estado». (In Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001, II: 188.

99 Como veremos adiante, Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001, II: 188, inserem também o

fascismo italiano na corrente totalitária, exemplificando esta inserção com aquelas palavras de Mussolini, quase repetidas à letra por Salazar, poucos anos mais tarde: «Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado».

100 Veja-se que o primeiro e principal teorizador do Estado Absoluto e da Soberania Absoluta, na Europa,

Jean BODIN, traçou limites para o uso do poder pelo Monarca. E tais limites eram a verdade revelada e a lei natural. (Cf presente capítulo, secção 2, subsecção 2.1.1.) .

101 Jean Pierre FAYE (1973) realça o carácter metafórico da linguagem totalitária, para camuflar a

consonância das práticas sociais à ideologia oficial. Porém, a distância entre ambas era enorme.

102 Paulo OTERO (2202) é particularmente incisivo a respeito das influências do Estado Totalitário nas

democracias actuais. Dedica ao tema nada mais que 150 das 289 páginas do seu livro «A Democracia

Totalitária. Do Estado Totalitário à Sociedade Totalitária: a Influência do Totalitarismo na Democracia do Século XXI, Cascais, Principia, evidenciando os perigos do contágio da democracia pelo totalitarismo,

designadamente: 1) por ambos reconhecerem apenas o Estado como entidade soberana; 2) por ambos partilharem um discurso legitimador do poder, com base em interesses do bem comum e da colectividade, e baseados nas novas tecnologias da comunicação; 3) por ambos preverem a subordinação das forças armadas e da economia ao poder político (OTERO, 2001:84-85). Na mesma linha, André BELLON e Anne-Cécile ROBERT, 2001, Un Totalitarisme Tranquille – la Démocratie Confisquée, Paris, Sillepse, questionam a organização actual dos Estados ditos democráticos como tendo usurpado o

Não sendo nosso objectivo, no contexto do presente trabalho, caracterizar profundamente o fenómeno totalitário e, muito menos, as suas diversas manifestações, com recurso, sobretudo, a fontes primárias, que até não pudemos obter em tempo oportuno, procurámos, realisticamente, evidenciar o «tipo ideal» do totalitarismo com base nos autores que são referidos no texto

O termo «totalitarismo» terá sido criado por necessidade de expressar a absorção da sociedade pelo Estado, sendo identificado com «despotismo oriental» por Karl WITTFOGEL (1977); com a dimensão revolucionária e «demente» da ideologia e com «progressismo revolucionário» (Luc FERRY e Evelyne PISIER KOUCHNER, 1985: 117; Raymond ARON, 1965: 289); com um regime de Estado: «gestor único do trabalho», de burocracia como «classe privilegiada única»; com antagonismos sociais mas sem luta de classes; e exercendo um «despotismo burocrático» com «vontade de mudança a partir de um partido revolucionário» (Karl WITTFOGEL (1977: 37)).

Marcadamente anti-liberal e anti-capitalista, o totalitarismo fascista alemão censurará o liberalismo justamente «por introduzir a dissenção na bela totalidade orgânica e estável da sociedade tradicional» (Marcel GAUCHET, 1976: 10), e por permitir, em consequência, a desordem social e a luta de classes. Mas o mesmo capitalismo será censurado pelo marxismo –leninismo por, na sua ideologia, as camuflar num discurso homegeneisante e unificador 103.

Marcel GAUCHET conclui então que o Fascismo e o Estalinismo convergem na mesma afirmação de unidade social. Na sua análise, este autor defende a ideia de que a emergência do fascismo se situa no prolongamento da ideologia burguesa, onde tem a sua origem, procurando realizar uma concórdia social que o capitalismo dizia já existir nos anos 20 e 30 do Século XX. Na mesma análise, o mesmo autor diferencia os dois usos divergentes da mesma ideologia, no capitalismo, por um lado, e no fascismo e no estalinismo, por outro:

«Até aí, a ideologia era aplicada do exterior para interpretar os factos sociais mas a mutação fascista consistiu numa transformação do discurso ideológico em realidade social pondo em prática as estruturas susceptíveis de organizar a vida inteira dos indivíduos em ordem a uma perfeita coesão do todo social e da unanimidade política, as estruturas de um Estado Total.» (Marcel GAUCHET, 1976: 20).

Estas coesão do todo social e unanimidade política seriam conseguidas por qualquer meio, a bem ou a mal pois

poder aos cidadãos para o usar com fins de mera reprodução do poder e interesses dos agentes da administração e da economia.

103 Cf a este respeito, e particularmente, Karl MARX: Introdução Crítica à Filosofia do Direito de Hegel; A

«(...) foram implementadas estruturas para fazer identificar o Estado e a sociedade unificada, as estruturas de um Estado de um povo único, de um Estado total. A ideia de totalitarismo deriva assim de uma reflexão sobre a complementaridade do fascismo e do comunismo, complementaridade cujo critério decisivo tende para a sua comum afirmação de unicidade social.» (Luc FERRY e Evelyne PISIER-KOUCHNER, 1985: 119)

Porém, tal unicidade social nunca foi conseguida, acentuando-se as divisões sociais, só combatíveis pela repressão 104. Como afirma Marcel GAUCHET (1976:19) a

propósito desta distância entre a retórica e a realidade,

«(...) também o totalitarismo se pode definir como sendo exactamente a ilusão feita coerção» 105.

Após dois séculos de reflexão filosófico-política e ética sobre a autonomia, sobre a liberdade e sobre a igualdade, a utopia da construção da igualdade à força, e pelo despojamento de tudo, como sublinhou Hannah ARENDT (1972b: 32), transformou-se num paradigma de anulação das mesmas autonomia, liberdade, igualdade e ainda da participação dos indivíduos e dos cidadãos (Tzvetan TODOROV, 2002). Este autor, à semelhança de Raymond ARON (1965) analisa o «mal do Século» XX, o totalitarismo, por oposição ao «bem» dos séculos XIX e XX, ou seja, a «democracia liberal».

Tal como o título da extensa e recente obra, «Memória do Bem, Tentação do Mal – uma Análise do Século XX» sugere, o autor coloca Democracia e Totalitarismo nos antípodas um do outro (até porque viveu os dois sistemas, primeiro na Jugoslávia e, depois, em França), definindo-os e opondo-os dialogicamente. O «tipo ideal» de totalitarismo que ele assim constrói resulta em (Tzvetan TODOROV, 2002: 28-33):

1. monismo do totalitarismo contra o pluralismo da democracia; nem a autonomia das comunidades nem a autonomia individual, nem as suas possíveis expressões são toleradas, o que conta é o nós do Estado; por isso, só há um partido: o Partido é o Estado e o Estado é o Partido; além disso, constrói uma ideologia que expresse um pensamento único erigido em dogma teológico-político; assim, também há monismo de comunicação social;

2. para conseguir o monismo ideológico, político, cultural, religioso, etc., o totalitarismo vai procurar a anulação da fonte da autonomia, no sentido de «autarquia» ou autosubsistência medieval, ou seja, a propriedade privada, gerando a indistinção entre esfera pública e esfera privada da economia, da sociedade e do indivíduo; «o mundo pessoal dissolve-

104 Uma das imagens desta repressão é-nos dada por George ORWELL (1999: 268), através de «uma bota

a pisar um rosto humano».

105 Veja-se estas palavras de OTERO (2002: 19): «O próprio partido único se caracteriza como uma

máquina de guerra contra a sociedade e, neste sentido, converte também o Estado em máquina de guerra.», contra ela, obviamente.

se na ordem impessoal», diz Tvetan TODOROV (2002:28); a liberdade civil, fonte «JohnLockeana» da autonomia e da «liberdade negativa», extingue-se para dar lugar ao pensamento oficial do Estado e do Partido;

3. nesta ideologia e nesta «comunidade forçada» não há lugar para a «interacção comunicacional» e, muito menos, para o contrato; não há também lugar para a expressão de opiniões, nem mesmo para os dirigentes, no caso do «estalinismo»; a comunidade é hierárquica, conservadora, anti-liberal e anti-religiosa; só a «nomenklatura» pensa, só o chefe supremo manda 106 e, além de chefe é «guia»; partido e polícia

são sinónimos; ideologia e política, aquela entendida como valores e princípios, e esta como meios, passam a ser indistintas; não existe uma verdade do comunismo a que se possa aceder independentemente do Partido;

4. a mentira é o princípio de acção do totalitarismo (Hannah ARENDT, 1972a); segundo a constituição, o poder baseia-se em eleições livres (que são um plebiscito), onde só votam os dirigentes, que elegem o lider por 99% dos votos); formalmente, os homens são iguais perante a lei mas, na realidade, ela só protege os membros da casta de dirigentes; a igualdade é princípio de tratamento político e social e, no entanto, a sociedade é completamente hierárquica, com os privilégios respectivos, sobretudo para o aparelho de poder; mentira também no distanciamento entre ideologia e realidade, como se, pelo facto de se dizer, a realidade se traduzisse em acto 107;

5. o utopismo milenarista é a base do totalitarismo, contra o realismo da acção segundo o contrato, e segundo o respeito pela dignidade humana da democracia liberal; o totalitarismo promete dar a felicidade às pessoas; a democracia liberal pede às pessoas para, em liberdade e autonomia, construírem a sua felicidade e co-construirem a felicidade colectiva; neste sentido, ao contrário do cristianismo, o milenarismo 108

totalitário junta as duas cidades de S. Paulo e de Santo Agostinho, graças à acção do cientifismo; daí à violência e à repressão vai um passo porque a liberdade individual geraria a anarquia na felicidade terrena prometida;

106 Repare-se que, nos períodos mais negros do estalinismo, nem a «nomenklatura» podia pensar. Basta

ver a perseguição que se abateu sobre o aparelho bolchevique, entre 1934 e 1939 e entre 1949 e 1953 (Cf. TODOROV, 2002:29; FERRY e PISIER KOUCHNER, 1985: 121). O mesmo na Alemanha Nazi (TODOROV, 2002, 30).

107 Alain BESANÇON (1980: 153), focaliza o papel da ideologia como elemento de alienação das

massas, a partir do qual os dirigentes fazem crer, pelo terror e pela persuasão, que a ideologia é não só a verdade, como que essa verdade se realiza na realidade vivida: «A ideologia impõe a ficção de que um outro real existe já, o seu. O regime é terrorista não apenas porque faz passar a ideologia da força ao acto, mas também porque, e sobretudo, pretende que essa realidade já existe em acto, mesmo que aquela seja, evidentemente, o contrário deste.»

6. apenas num aspecto democracia liberal e totalitarismo parecem coincidir: no realismo das relações internacionais; ambos foram imperialistas e conduziram à Primeira Guerra Mundial, na busca de matérias primas, de novos mercados, a complementar o até aí colonialismo imperial; já será muito diferente no momento actual? Analisaremos a questão no Capítulo V, a propósito do «Projecto Democrático».

A primeira caracterização sistemática, acabada de fazer põe em evidência a destruição do conceito de pessoa, enquanto determinante do ser, do pensar e do agir, e base fundamental do projecto democrático. Razão pela qual Hannah ARENDT (1972b: 32) pôs em evidência a estratégia de atomização social perseguida pelo totalitarismo como forma de isolar e lançar no desespero as pessoas 109, transformando-as em

elemento da massa acéfala, «desoladas» da suas capacidades políticas e cívicas: «A dominação totalitária é um novo tipo de regime que não se contenta com este isolamento e destrói igualmente a vida privada. Esta desolação, experiência absoluta da não-pertença ao mundo e, portanto, perda total de toda a autonomia, esvazia por completo a ideia de igualdade. Se ela é o efeito do terror totalitário, tem a sua origem no desenraizamento e inutilidade a que foram ostracizadas as massas modernas, depois do início da revolução industrial.» (Hannah ARENDT, 1972b: 32).

Através da atomização, característica essencial das sociedades totalitárias, que desprovêem o indivíduo do seu grupo natural, e que destroem toda a estrutura orgânica natural, social e política, as pessoas, no totalitarismo, encontravam no Estado e no Partido o último refúgio, ou seja, o consumar da sua alienação como pessoas.

É curiosa esta imagem de Hannah Arendt porque, em verdade, ela foi aplicada por Marx à análise da alienação do proletariado 110 pela ordem económico-social

«burguesa», e não foi Karl Marx mas sim Alexis de Tocqueville (1840) e Benjamin Constant (1846) 111 quem primeiro se apercebeu do perigo, no caso deles para a

democracia liberal, da destruição da autonomia e da liberdade pessoais e dos grupos naturais da sociedade.

109 Escreve ainda Hannah ARENDT (1972b, Cap. 3): «O bom senso protesta desesperadamente

contra que as massas estejam submissas e contra que todo este gigantesco aparelho de terror seja supérfluo; se eles fossem capazes de dizer a verdade, os dirigentes totalitários replicariam: o aparelho parece-vos supérfluo porque ele se destina a tornar os homens supérfluos.».

110 Cf., por exemplo, o Manifesto do Partido Comunista, em conjunto com Engels.

111 Cf Capítulo III deste trabalho para a análise destes dois autores e o seu contributo para o projecto

Ora, o fascismo radical alemão fez desta destruição o seu ideário 112. Um

Manual de Direito Constitucional da Alemanha Nazi 113, citado por Reinhold

ZIPPELIUS (1977: 372), expressava, preto no branco, os princípios desta atomização: «(...) deviam desaparecer em particular os direitos de liberdade do indivíduo face ao poder do Estado (...). Não existe qualquer liberdade pessoal pré-estadual ou extra-estadual do indivíduo que o Estado deva respeitar. No lugar que era do indivíduo isolado, surgiu o camarada do povo, integrado na comunidade como membro, absorvido pela totalidade do povo político e inserido na acção colectiva. Neste sentido, já não há lugar para qualquer esfera privada e livre do Estado, que seja intocável e sagrada face à unidade política.».

Paulo OTERO (2002: 18) sistematiza assim este desaparecimento: «(...) o totalitarismo comporta, antes de tudo, um fenómeno de estatização ou de estadualização do indivíduo e da sociedade, suprimindo a liberdade, procurando modelar a vida privada, a alma, o espírito dos destinatários do poder: o Estado totalitário pretende que a comunidade inteira se encontre totalmente integrada no Estado. Para o Totalitarismo, o Estado é tudo e tudo só tem existência no Estado.».

Por isso,

«assenta em quatro preferências estruturais: prefere a disciplina à justiça; a autoridade à liberdade, a obediência à consciência e, por último, a violência à tolerância.» (Paulo OTERO, 2002: 20).

E consubstancia a realização de cinco princípios gerais (Paulo OTERO, 2002: 20) que o autor desenvolve depois nas paginas seguintes até à página 42:

1) «Completa desvalorização do papel social e político do indivíduo que, transformado de sujeito em objecto, se acha totalmente subordinado e instrumentalizado à prossecução dos interesses do Estado;

2) ausência de pluralismo político, substituído por uma intolerante ideologia oficial do poder que, sendo proveniente de um partido único, se assume como verdade oficial do Estado;

3) controlo estadual de todos os meios de comunicação social, de toda a estruturas económicas, sociais e culturais, incluindo as forças armadas, para-militares e policiais;

112 Se o fascismo italiano e, em geral, os autoritarismos, são um estatismo, o nazismo ou nacional-

socialismo é um racismo. Além disso, o povo, a comunidade nacional (Volk) são tudo, o indivíduo não existe: «tu não és nada; o teu povo é tudo» (A. Hitler).

113Verfassungsrecht des Grossdeutchhen Reiches, 2ª ed., Berlim, 1939: 361, citado por Reinhold

4) permanente manipulação e mobilização social de massas num clima geral de irracionalidade, insegurança e violência;

5) fulanização do exercício do poder, através de um líder forte cuja vontade arbitrária vale como lei. 114».

Da concepção do Estado-Nação, «decorre logicamente o desaparecimento de toda a vida autónoma, individual ou colectiva, fora do Estado. As relações entre os particulares e entre os grupos deixam não só de ser livres, mas também de ser exteriores ao Estado.» (Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001: 191). Conduz o Estado a «coincidir com a sociedade que abrange, até se identificar com ela» (J.-T. DELOS 115), a organizar um

«governo assente em campos de concentração» (Hannah ARENDT, 1982 116).

E, como governo, o Totalitarismo é, ainda no dizer de Hannah ARENDT (1990117), uma nova forma a acrescentar às três que Aristóteles, Bodin e Montesquieu

identificaram: a República, a Monarquia e o Despotismo. O Totalitarismo distinguir-se- á então pelo terror, tendo na ideologia o seu princípio, enquanto o da república seria a virtude, o da monarquia a honra e o do despotismo o medo.

3. Conclusão: Participação, Estado Absoluto, Estado Autoritário e Estado

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