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Marx, a participação na Revolução e a supressão da Sociedade Civil

A CONSTRUÇÃO DA SOBERANIA NO ESTADO AUTORITÁRIO E NO ESTADO TOTALITÁRIO E A LIMITAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

2. A Soberania Absoluta e a Negação da Participação no Estado Totalitário

2.1. As origens do Estado Totalitário 1 Os Contributos anteriores a

2.1.3. Marx, a participação na Revolução e a supressão da Sociedade Civil

A análise das influências de Marx 78 na emergência do Totalitarismo não

poderá ser desligada dos contributos de Engels (1820- 1895) e de Lenine (1870- 1924). Do primeiro porque é co-construtor do pensamento de Marx (1818- 1883), na sua vertente de acção sócio-política (1845- 1883) e porque lhe expõe grande parte do pensamento após a morte 79, ainda que alterando-o, em muitos aspectos. Do segundo,

porque Lenine foi quem engendrou a implementação do pensamento político de Marx /Engels e da I Internacional Comunista (1864), modificando-o substancialmente, contra o «revisionismo» de Edouard Bernstein e de Kautsky, e, em geral, contra a Social- Democracia, fundada por Lassalle, em 1869, conflitualizando a II (1904) Internacional. Porém, aqui, só analisaremos a obra de Marx e de Marx e Engels, nos escritos conjuntos.

Como a quase totalidade dos grandes pensadores, Marx e Engels tentaram analisar e resolver os problemas intelectuais, sociais e políticos do seu tempo, o do Século XIX. A intervenção política conjunta deles inicia-se em 1845, a pedido da Liga dos Comunistas, antes Liga dos Justos, publicando a primeira obra, o Manifesto do Partido Comunista, clandestinamente, em 1848 80 . Por isso, são herdeiros da realidade

78 Parece ser impróprio falar de Marxismo mas sim de Marxismos (Lefebvre, 1975; Terestchenko, 1996;

Masset, 1974; Martinet, 1975). Ao contrário da de Hegel, a obra de Marx não constituirá um sistema, nem em termos do campo do conhecimento e da acção estudados, que é muito variado (filosofia, sociologia, política, economia, sindicalismo), nem em termos da homogeneidade e da coerência de pensamento em cada um destes campos, ao longo da vida de Marx, o que até parece natural em mais de 40 anos de produção teórica e num século tão profícuo em evolução científica, tecnológica, social e política como foi o Século XIX. Assim, se Terestchenko (1996: 83) afirma que «on a ainsi pu écrire que le marxisme est l`ensemble des contresens qui ont été faits sur Marx» e Lefebvre (1975: 120) que, contrariamente à opinião mais espalhada, o «marxismo» foi inventado pelos «marxistas», que procuravam na obra e no pensamento de Marx um sistema e que o inventaram (materialismo, economismo, teoria da história, teoria do determinismo e da liberdade.». Na mesma linha, Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER (2001, II, 256) atribuem a Marx, pouco tempo antes de morrer a afirmação de que «Eu não sou Marxista». Outro dos eminentes marxistas, Louis Althusser (1994: 22) dirá, já depois da queda do Muro de Berlim, comentando Raymond Aron: «Agora dou-lhe razão. Fabricámos, pelo menos em filosofia, um marxismo imaginário, uma linda filosofia com a qual se pode pensar o pensamento de Marx e o real, mas que apresenta o inconveniente de estar também ausente de Marx.» (tradução nossa). Mas, em abono da grandeza de Marx, todos estes autores reconhecem que estão agora criadas as condições para lhe analisar devidamente pensamento e lhe dar o devido valor.

79 Neste âmbito, Engels assume sozinho a responsabilidade de uma exposição metódica do marxismo,

numa série de artigos, de 1877 a 1878, reagrupados sob o título Anti-Duhring. Também publica, em 1894, um estudo sobre as origens, desenvolvimento e desaparecimento do Estado, intitulado A Origem

da Família, da Propriedade e do Estado, e dedica-se a situar o marxismo em relação a Hegel e a

Feuerbach, em O Fim da Filosofia Clássica Alemã.

80 Para a análise política do pensamento de Marx interessam, de Marx e Engels, o Manifesto do Partido

Comunista (1848), A Sagrada Família (1845) e A Ideologia Alemã, escrita em 1845 mas só publicada

em 1932, em Russo. De Marx, A Crítica da Filosofia do Estado em Hegel (1843), os Manuscritos

Económico-Filosóficos (1844), A Questão Judaica (1844), A Luta de Classes em França (1850), O 18 do Brumário de Napoleão Bonaparte (1852), A Crítica da Economia Política (1859), A Mensagem Inaugural e os Estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional; em

sócio-política então vigente e dos pensamentos económico e filosófico até então constituídos.

Tal realidade evidenciava os seguintes elementos –base:

1) as consequências da Revolução Industrial, com toda a carga de desproprietarização económica dos trabalhadores, da sua consequente depauperização, bem como da desigualdade na distribuição da riqueza e dos meios de a produzir, estavam já ao rubro, em meados do Século XIX, na Inglaterra, na França e na Alemanha 81, tendo criado uma classe

social, o Proletariado, sem liberdade civil porque sem acesso aos bens económicos e culturais, e sem liberdade política porque, sem aquela, não podia nem votar nem influenciar decisões políticas;

2) tais consequências começaram por ser denunciadas pelos Socialistas Utópicos, tanto dos proponentes de um Socialismo sem Estado 82, já a

partir dos finais do Século XVIII (SAINT-SIMON, 1760- 1825; Charles FOURIER, 1772-1837; ÉTIENNE CABET, 1788- 1856; e Víctor CONSIDÉRANT, 1808-1893), como dos proponentes de um Socialismo Contra o Estado, fosse através dos Anarquistas Max STIRNER (1806- 1856), Joseph PROUDHON (1809 – 1865) e Michel BAKOUNINE (1814- 1876), fosse através do Sindicalismo Anarquista, onde sobressaiu Georges SOREL (1847- 1922), propondo, globalmente, a abolição das classes sociais, o primado da pessoa humana e a defesa de uma sociedade construída por associação e federação, justa e solidária;

3) se os Socialistas Utópicos levaram ao limite os ideais da igualdade, da fraternidade e da liberdade, presentes nas Revoluções Americana e Francesa, propondo, juntamente com os Anarquistas, uma nova forma de

1864, o I Livro de O Capital (1867), A Guerra Civil em França (1871), Crítica do Programa de Gotha; em 1875, e, em 1881, O Futuro da Comuna Rural Russa. E, de Engels, Anti-Duhring (1878) e A Origem

da Família, da Propriedade e do Estado (1884).

No entanto, a produção científica e filosófica de Marx começa antes, em 1841, com a Tese de Doutoramento sobre Demócrito e Epicuro, a partir da qual colabora na Gazeta Renana (1842- 1843), para, de seguida, se dirigir essencialmente contra Hegel e contra todas as influências do idealismo na filosofia, na ciência, na história, na economia, e na religião, opondo-lhes o materialismo e o realismo, sob a influência de Ludwig Feuerbach. Publica a partir de então: em 1843, a Contribuição à Crítica da

Filosofia do Direito de Hegel. Em 1844, a Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Em

1845, juntamente com Engels, A Sagrada Família, escrevendo ainda, A Ideologia Alemã, só publicada em 1932, em Russo, e, em 1848, o Manifesto do Partido Comunista. Ainda em 1845, publica, sozinho, as Teses Sobre Feuerbach. Em 1847, A Miséria da Filosofia (em resposta a Filosofia da Miséria, de Proudhon); em 1857, Introdução à Crítica da Economia Política. Entre 1866 e a sua morte, em 1883, continua a escrever O Capital, cujo II Livro só foi publicado por Engels, em 1885, sem do o III também por Engels, em 1894, e o IV por Kautsky, em 1905. A vida de Marx é um vaivém constante entre a actividade intelectual, sindical e política, com muitas privações e provações. Em 1848, tem de fugir para Paris mas, na sequência da revolução social, é expulso e foge para Inglaterra, onde Engels lhe dá guarida e amparo, morrendo tuberculoso, em 1883.

81 Pierre MASSET, 1974:76, data a fase da emergência da organização do proletariado, em França e na

Alemanha, em 1815, 30 anos depois da da Inglaterra.

82 Para a classificação dos diversos Socialismos estamos a seguir Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER,

construção do Estado – por associações e federações de pessoas e comunidades -, os defensores do Socialismo no Estado (Louis BLANC, 1811- 1882, e Philippe BUCHEZ, 1796- 1865) e do Socialismo de Estado (Frederic LISZT, 1789- 1846; Johann RODBERTUS (1805- 1875), e Ferdinand LASSALLE, 1825- 1864) propõem a democratização da sociedade, tornando-a mais justa, pela acção do Estado, integrando as ideias de «interesse geral» de Rousseau (1712- 1778), de «interesse comum» e «democracia representativa», de Benjamin CONSTANT (1767- 1830), e de «igualização das condições», de Alexis de TOCQUEVILLE (1805 -1859), só abandonando as perspectivas marxistas, em 1899 83, a partir do revisionismo de Eduard BERNSTEIN

(1850- 1932), seguido pelo de Karl KAUTSZY, 1854- 1938);

4) porém, o início do Século XIX não propunha apenas os pensamentos socialista utópico e socialista democrático, de carácter reformista, para implementar, na prática, os ideais da Revolução Francesa e para resolver os problemas do Proletariado; propunha também, através de Francisco Noel BABEUF (1760- 1797) e através de Carlos BLANQUI (1805- 1881) a acção social revolucionária, designadamente através da mobilização popular e dos trabalhadores, como única via para colocar o Estado também ao serviço dos mais pobres e para impedir que a burocracia administrativa ficasse só ao serviço dos ricos (Karl MARX e Friederich ENGELS, 1968: 35), dando assim origem aos Partidos Comunistas;

5) em consequência dos dois movimentos anteriores, em 1848, ano da publicação do Manifesto do Partido Comunista, por Marx e Engels, e das grandes crises sociais em França e na Alemanha, já a maior parte dos sindicatos de trabalhadores estavam constituídos, começando a iniciar-se os movimentos de federalização e de internacionalização sindical (Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, 1863; I Internacional Comunista, 1863; Associação Internacional dos Trabalhadores, 1864), e ainda os movimentos de ruptura sindical, caso da fundação, em 1869, do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Alemães;

6) mas a luta de ideias político-sociais, na primeira metade do Século XIX, não se limitava às perspectivas anteriores, até porque elas visavam o combate ao Estado ainda Aristocrático, ao Estado ainda Absolutista e ao Estado já consolidadamente Liberal e Burguês, e manifestos, o primeiro, no pensamento Liberal de John LOCKE (1632- 1704) e no pensamento contra-Revolucionário de Edmund BURKE (1729- 1797), de Joseph de MAISTRE (1753- 1821) e de Louis de BONALD (1734- 1840), o segundo, nas ideias da Soberania Nacional, com Emmanuel SIEYÈS

83 De facto, esta data resulta da publicação do livro de Edouard Bernstein, Postulados do Socialismo,

traduzido e publicado em francês, em 1913, sob o título Socialisme Théorique et Social-démocratie, Paris, Ed. Stock.

(1748 –1836), a partir de 1812, em França, e nas ideias do Estado Absoluto, na Alemanha, a partir de 1814, com Georg HEGEL (1770- 1831), e o terceiro, a partir do Liberalismo Económico de Adam SMITH (1723 –1790) e do Utilitarismo de Jeremy BENTHAM (1748- 1832); 7) no plano epistemológico, e como vimos na secção anterior, o Século XIX

é, todo ele, marcado pelo positivismo social e científico, gerado pelo espírito das Luzes, nascido e representado no Século XVIII por MONTESQUIEU (1689- 1755), por VOLTAIRE (1694- 1778), por Rousseau e, em geral, pelas Revoluções Americana e Francesa e, no Século XIX, por Marx, por Claude Bernard (1813- 1878), por August Comte (1798- 1857) e por Frederick F. NIETZSCHE (1844 – 1900), espírito que induziu à dessacralização do conhecimento e à atitude cultural de busca de explicação científica, racional, objectiva e a-religiosa (e, quantas vezes, irreligiosa), dos fenómenos e factos, naturais, sociais e culturais e, consequentemente, à valorização da natureza, do materialismo, do humanismo, da história social e humana; estas orientações são particularmente influenciadoras de Marx, através do materialismo e experimentalismo da tradição inglesa (Francis Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley e Newton) e do anti-idealismo materialista de Ludwig Feuerbach (1804- 1872).

Por isso, Marx e Engels são, demasiado, «filhos do (seu) tempo», para utilizarmos a expressão de Alberto FERREIRA (s.d:161), avaliação também partilhada por Eustache KOUVÉLAKIS (293- 300), graças à síntese que nele operam, «como verdade possível da época»84, daquele tempo histórico determinado 85.

Reagem, primeiro, contra o idealismo de Descartes, de Espinosa, de Kant, de Fichte e de Hegel por a nova realidade gnoseológico-socio-política se basear no conhecimento científico- tecnológico, construído a partir da reflexão e da reconstrução da experiência e da transformação da realidade e da natureza, e não já no pensamento metafísico-idealista.

Reagem depois contra a desigualdade na distribuição da riqueza e dos meios de produção por ela ser a base em que os pensamentos liberal e liberal- económico alicerçam a ordem social, fazendo de Adam SMITH (1723- 1790) e dos fisiocratas o principal alvo das críticas ao liberalismo. A Adam Smith dedica expressamente 23 páginas do II Volume de O Capital (Karl MARX, 1974, II: 43) considerando-o confuso de pensamento e que «o seu dogma constitui um artigo de fé ortodoxa da economia liberal».

84 Alberto FERREIRA, s.d., Real e Realidade, Porto, Editora Inova.

85 Élie Halévy, 1948, em Histoire du Socialisme Européen, Paris, NRF, observa mesmo que «o que marx

escreveu sobre a concentração capitalista é copiado de Pecqueur.» Citado por Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001, II: 247. Estes autores, (idem, ibidem) põem em evidência a antecipação dos socialistas franceses na crítica do «capitalismo nascente (...) As suas explicações da teoria da luta de classes, da concentração empresarial, da mais-valia capitalista e da lei de ferro dos salários (...).».

Reagem ainda contra o que eles dizem ser a legitimação da ordem social liberal e das desigualdades sociais, por parte da Religião Católica (Karl MARX, 1971: 141-143), acusando-a de estar constantemente a desviar as atenções dos problemas reais dos homens, e de objectivar a «libertação» «alienadora» deles num mundo não real.

E reagem finalmente contra os agentes da desigualdade social na distribuição da riqueza e dos meios de produção, e na estruturação do Estado, para esses fins, ou seja, reagem contra «a burguesia», propondo a sua abolição ou destruição, justificando a necessidade da substituição dela pelo Proletariado, classe social que eles julgam «honesta» e «justa» porque desapossessada do «mal» do liberalismo», ou seja, da propriedade privada dos meios de produção (Karl MARX e Frederich ENGELS, 1968: 22-30 e 44-47).

A solução para os problemas do tempo estaria então, segundo Marx e Engels: 1) na abolição 86, fosse voluntária, fosse coerciva 87 , da propriedade

privada, instituindo a propriedade colectiva porque pensaram que, nesta, os homens deixariam de ser egoístas e só pensariam no bem comum, uma vez que, assim, já não precisariam nem de defender os seus interesses próprios nem de «alienar-se» na mercadoria dos outros (uma influência do contrato de associação de Rousseau, do Socialismo Utópico, e do Socialismo sem Estado);

2) na abolição do «Estado Burguês» 88, dominado pelo pensamento e

interesses da «classe burguesa», porque pensaram que só a abolição ou destruição de ambos poderia permitir construir um novo Estado, sem classes, onde todos fossem iguais e livres (uma influência ainda do

86 Veja-se estas afirmações no Manifesto: «Neste sentido, os comunistas podem resumir a sua teoria

nesta fórmula única: abolição da propriedade privada.» (Karl MARX e Frederich ENGELS, 1968: 38). E, dirigindo-se aos «burgueses», industriais e comerciantes incluídos: «Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade está abolida para nove décimos dos seus membros. E é precisamente porque não existe para estes nove décimos que ela existe para vós.». (Idem: 40).

87 A propósito da estratégia para o derrube da «burguesia» e para a constituição do «proletariado» como

classe dominante, o pensamento de Marx e Engels parece ter balanceado entre o uso da violência, apoiada na crença no finalismo das relações de produção capitalistas e o incrementalismo na organização do proletariado. No Manifesto, é clara a opção pela estratégia da violência revolucionária, se necessária, porque, pela crença no finalismo das relações de produção capitalistas, a burguesia produzirá os seus próprios coveiros. Porém, a partir da I Internacional, o pensamento de Marx e Engels orientar-se-á para o incremento do conflito entre sindicatos de trabalhadores e poderes instituídos, designadamente o Estado e burguesia, e não já para a destruição do aparelho estatal, numa estratégia de transformação do Estado, que se inserirá como próxima das posições do socialismo democrático reformista, de Louis Blanc e de Edouard Bernstein, e da social-democracia, de Ferdinand Lassale. Teria sido esta viragem que teria motivado as reacções violentas de Vladimir Lenine (1870- 1924) e do sindicalismo anarquista de Georges Sorel, 1847- 1922 (Cf. CHARZAT, 1977). Cf, para estas ideias de Marx a Ideologia Alemã, a

Crítica do Programa de Gotha e a Critica da Economia Política. Esta interpretação do pensamento de

Marx pode ainda colher-se em MASSET, 1974; Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001, II.

88 «O governo moderno não passa de um comité administrativo dos negócios comuns da classe

contrato de associação de Rousseau, do Socialismo Utópico, do Anarquismo, da Revolução Social e do idealismo de Estado de Hegel); 3) na contraposição à «classe burguesa» da «classe proletária» porque, em

caso de a burguesia não aceitar auto-suprimir-se, só a revolução e a violência do uso da força pelo proletariado poderiam suprimi-las (uma influência mais do espírito da Revolução Social e ainda da dialéctica Hegeliana, segundo a qual, quando uma força gera desequilíbrios, é necessário que uma outra a substitua);

4) na construção de um pensamento de Estado, pretensamente defensor e implementador dos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade, que exija de cada um segundo os seus méritos e distribua a cada um segundo as suas necessidades, e cujo Governo decida e governe em nome do interesse de todos e resulte de sufrágio universal (uma influência mais de Rousseau e ainda dos ideias da Revolução Francesa e da Democracia Representativa);

5) na opressão dos que discordassem destas vias de solução dos problemas económicos, políticos, sociais e culturais, única forma de não obstaculizar a realização da sociedade sem classes e onde não haveria a exploração do homem pelo homem.

Estas propostas de Marx e Engels foram tão radicais quanto:

a) o absolutismo da «Razão de Estado», do Cardeal RICHELIEU (1585 – 1642), em 1638)

b) a alienação da liberdade individual no Monarca, proposta, em 1650, por Thomas HOBBES (1588- 1679);

c) o império da «Vontade Geral» (1762), de Jean-Jacques ROUSSEAU (1712- 1778), invocado e experimentado pela política do «Terror» (1791- 1793);

d) a abolição das injustiças, das classes sociais e da propriedade privada, proposta pelos Socialistas Utópicos do Socialismo sem Estado, na esteira, aliás, de outras utopias como as da Utopia (1516), de Thomas MORUS (1478- 1535), e a da Cidade do Sol (1602), de Thomas CAMPANNELLA (1568- 1639);

e) a absorção da Sociedade Civil pelo Estado –Monarquia, proposta por Hegel, no primeiro quartel do Século XIX; e

f) quanto a abolição total do Estado, proposta pelos Anarquistas do Século XIX, e já referidos nesta secção.

Por isso, Marx e Engels foram, no plano da acção política,

1. tão absolutistas e autoritários quanto Thomas Hobbes, 200 anos antes e quanto Rousseau, 100 anos antes, por terem pensado que só o Estado era fonte de criação de pensamento e de estratégias de acção;

2. tão utópicos, irracionais e totalitários quanto Platão, quanto Thomas Campanela, quanto Rousseau e quanto os Socialistas Utópicos, por terem

pensado ser possível construir uma sociedade livre, sem propriedade, o que Rousseau nem sequer terá imaginado;

3. tão idealistas quanto Fichte e Hegel por terem pensado ser possível identificar o Estado com a Sociedade Civil;

4. tão contraditórios quanto Hegel por terem feito terminar o materialismo dialéctico no momento último da sua manifestação histórica (a monarquia absoluta, com Hegel, a vitória do Proletariado, com Marx/ Engels);

5. tão radicais quanto Adam Smith e o Liberalismo Económico, por não terem tentado uma conciliação com o seu contrário, apesar de lhe conhecerem sobejamente a realidade.

Diremos, neste sentido, que, no campo político, Marx e Engels não foram inovadores porque se moveram dentro dos paradigmas «totalizantes» do pensamento existente no seu tempo, seguindo apenas a estratégia dialéctica da negação e do contrário: à classe burguesa opuseram a classe proletária; ao pluralismo da democracia e do liberalismo opuseram o monismo metafísico do «interesse de todos» e da sociedade sem classes; à propriedade privada opuseram a propriedade colectiva.

Já o mesmo não nos parece ter acontecido nos campos da Filosofia, da História e da Economia.

O Marx intérprete e caracterizador da evolução histórico-social e dos processos de desenvolvimento económico-social do capitalismo e da sociedade liberal (materialismo histórico) usa, eventualmente pela primeira vez, na história, categorias descritivo-analíticas de ordem qualitativa, inventando: a) o método histórico-crítico na abordagem dos factos económico-sociais; b) a sociologia da acção social enquanto descritora das necessidades, motivações, ideologias, representações e interesses das diferentes classes sociais, a partir da sua base económica e necessidades fisiológicas; c) novos conceitos operativos da análise sócio-económica tais como: alienação, relações sociais de produção, processos de produção ideológica, objectivização do pensamento, forças produtivas, mais-valia, concentração capitalista, concentração económica e demográfica, domínio da burocracia 89, centralização administrativa, etc..

No campo da Filosofia, Marx é profundamente criador (Eustache KOUVÉLAKIS, 2003: 303- 308) na geração do contrário do racionalismo idealista de Hegel e de Fichte, ou seja, o materialismo dialéctico, que constituirá, a partir do método científico de Claude BERNARD e da epistemologia genética Piagetiana, um dos pilares

89 Marx anatemizou a burocracia, como processo e conjunto de pessoas ao serviço da classe burguesa e do

capitalismo, que era necessário suprimir, no que foi seguido por Trotski e por Lenine. Porém, todos entenderam que «o saneamento» dos burocratas tinha de ser controlado porque, caso contrário, o Estado deixaria de funcionar. Esta contemporização, necessária, foi denunciada por Lenine que chegaria a afirmar, em Obras Completas, que «o nosso pior inimigo interno é a burocracia», e criticando Estaline pelo aumento desmesurado dos funcionários do «Aparelho». E James Burnham, primeiro marxista e trotskista, e depois anti-marxista, afirmaria, em 1941, que «a burocracia controla, efectivamente, os meios de produção, ainda que não tenha os títulos da propriedade» e que a classe burguesa não seria substituída pelo proletariado mas sim pela classe dos managers. Cf ideias e citações em Pierre MASSET, 1974: 16- 18).

da epistemologia ocidental. Marx evidenciou que o conhecimento só existe através da acção sobre a realidade exterior ao homem, constituindo-se na representação reflexiva e consciente dessa acção. E que quando esses elementos não existem sobrevém o

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