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Soberania como capacidade para o exercício do poder e da autoridade do Estado sobre a Sociedade Civil e sobre a Administração Pública.

O ESTADO ABSOLUTO E A CONSTRUÇÃO DA SOBERANIA E DE UMA TEORIA DA NÃO-PARTICIPAÇÃO

2. Soberania como capacidade para o exercício do poder e da autoridade do Estado sobre a Sociedade Civil e sobre a Administração Pública.

A transição do sistema de organização política feudal para o sistema de organização internacional em Estados está marcada então

«pela transição de uma organização vertical, hierárquica, de soberanias partilhadas, no quadro da Respublica Christianna, para uma organização horizontal, não hierárquica, de soberanias compartimentalizadas em unidades territoriais estanques.» (C. AMARAL, 1998: 40).

Do mesmo modo, tal transição operará a passagem de uma autoridade política, fundamentalmente local, autónoma e autárquica 3, para uma autoridade

política nacional, que a todos se impõe e que a todos provê, e que conduzirá à construção dos Estados da Modernidade, absolutos, soberanos e centralizados, 4 como

característica essencial da modernidade.

A característica política essencial da modernidade é pois a soberania do Estado. Este é o produto de uma construção histórica que realizou «a unidade política que tudo abrange» 5 bem como a exclusividade do político, porque só ele

(Estado) tem a capacidade para se dotar de uma capacidade de «direcção política» própria, na expressão de Guido MEALE (1983: 19). Assim, na modernidade o Estado é «a única entidade competente para definir e se dotar de opções políticas próprias» (C. AMARAL, 1998: 49).

A soberania do Estado deriva do exercício efectivo do domínio sobre uma população, instalada num território próprio, com fronteiras definidas 6 que o separam

de todos os outros Estados, permitindo o emergir de uma consciência social, cultural e política próprias, resultante da estruturação de práticas, símbolos e rituais adentro desse território 7, e no contexto de uma organização sócio-política específica que a

3 Tomamos aqui «autárquica» no seu sentido originário de autosubsistente e fundamentador de si

próprio.

4 Com excepção da Grã-Bretanha.

5 A expressão é de Carl SCHMITT, The Concept of The Political, New Brunswick Rutgers University

Press, 1976, citado por Carlos Pacheco AMARAL, 1998, op. cit.: 49.

6 A definição de Estado dada por Marcelo CAETANO remete para estes três elementos como

constituintes do Estado: «um povo, fixado num território de que é senhor, e que dentro das fronteiras desse território institui, por autoridade própria, órgãos que elaborem as leis necessárias à vida colectiva e imponham a necessária execução.». Cf. Marcelo CAETANO (1986), op. cit: 16.

7 Carlos Pacheco AMARAL (1998, op. cit: 43) acrescenta que o território é o lugar de «práticas

concretas diárias» as quais «originam uma certa forma de sentir», «símbolo e protecção avançados (…) factor de unidade do grupo permitindo-lhe tomar consciência de si», o

população se deu a si própria por contrato, ou adoptou por consentimento, ou a que se submeteu por coacção, conforme o regime político-social a que esteja submetida 8.

Ainda seguindo a obra de C. AMARAL (1998: 47 - 49), o Estado Soberano da modernidade apresentar-se-á assim essencialmente como «força e poder» e entretecido em torno de relações de poder, tanto a nível interno como a nível externo. Se a nível interno «é um tipo específico de organização e distribuição do poder», o qual é «definido como a capacidade ou os instrumentos de moldar o comportamento dos outros», a nível externo, o Estado é confronto de forças e de poder, cujo objectivo é «ser capaz de confrontar o poder dos outros com um poder próprio superior e, em consequência, moldar o comportamento dos demais Estados» .

Nesta linha,

«(...) o político é reduzido ao poder e à luta constante pelo poder. E o poder é entendido como fenómeno multidimensional, envolvendo uma dimensão militar (...) e outra não-militar (cultura, economia, extensão geográfica, população).» (C. AMRARAL, 1998: 49).

E sendo o Estado força e poder, é entendido como «o maior de todos os poderes humanos», à maneira Hobbesiana, tornando-se assim «a única associação verdadeiramente política; (porque) o político é algo que só pertence verdadeiramente ao Estado» (Idem) , em regime de monopólio.

A soberania impõe-se como quadro ou ordem estabelecida, expressando um sistema de valores, de tomada de decisões e de organização de toda a comunidade. Como tal, confere ao Estado a capacidade de unificação e ordenamento político da sociedade, de transformação de um agregado mais ou menos solto de indivíduos e colectividades menores em comunidade política, económica, social e cultural nacional. Ou, como escreveu David HELD (1989: 28), o Estado «não grava apenas ou reflecte a realidade socioeconómica, entra na sua própria construção, estabelecendo a sua forma e codificando as suas forças.».

Nestes termos, Estado e soberania confundem-se o que significa que o Estado tem a capacidade de decidir, independentemente e por si, sobre todas as questões, internas e externas, que se lhe colocarem.

Nas palavras de C. AMARAL (1998: 63), no contexto da modernidade, «A soberania é pois entendida como autoridade absoluta e exclusiva, final, compulsiva e omnicompetente sobre todos os elementos do Estado (sobre cada parcela do território do Estado e

«contentor do processo político» para «conter, orientar e (...) estabilizar a dinâmica dos processos políticos».

8 Mais recentemente, Olivier DUHAMEL (1993), Les Démocraties, Paris, Éditions du Seuil, pp 13 – 16,

na linha de Marcelo Caetano, desenvolve os três elementos fundamentais na constituição do Estado: «Le droit de contraindre», «la population» e «le territoire».

sobre cada um dos seus membros individuais e colectivos, e em todos os momentos das suas vidas. (...).

(...), a autoridade do Estado sobre cada um dos membros que o constitui é de tal forma radical que estes (os entes individuais ou colectivos) dependem da chancela, do certificado do Estado, até mesmo para a sua existência civil. No seio do Estado só existem aquelas pessoas, individuais e colectivas que obtêm a sua autorização, o seu reconhecimento ou o seu certificado.».

A soberania estabelece pois a relação do Estado com os grupos e os indivíduos que dele fazem parte. E esta relação inscreve-se no âmbito do poder jurídico-político originário e ilimitado do Estado, o qual, na modernidade, reserva aos indivíduos, grupos e entes infra-estatais ou meros poderes regulamentares e administrativos ou a condição de executantes das leis e dos regulamentos.

Nestes termos, o Estado reserva para si os domínios do político, do jurídico e do administrativo, plasmando em direito positivo todas as opções políticas e administrativas, qual Rei Midas que tudo legisla e regulamenta. O direito positivo é a própria linguagem do Estado . Por isso, «o direito mais não é do que a forma concreta que assumem as opções políticas e os valores definidos vinculativamente pelo Estado para toda a comunidade.» C. AMARAL (1998: 64) .

Por isso, nos Estados Absoluto, Autoritário e Totalitário não haverá lugar nem para a autonomia nem para a descentralização, tendo quaisquer outros entes de ver reconhecida a sua existência pelo Estado, bem como as respectivas atribuições e competências. Quando muito, nas duas primeiras formas de Estado, os corpos intermédios poderão, por delegação do Estado, e sob seu controlo, ser autorizados a exercer uma capacidade regulamentar – isto é, podem ser autorizados a adaptar a aplicação do direito do Estado às suas condições específicas, naquelas matérias que forem do seu interesse privado, e não afectem o interesse geral.

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