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A CONSTRUÇÃO DA SOBERANIA NO ESTADO AUTORITÁRIO E NO ESTADO TOTALITÁRIO E A LIMITAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

1. As teorias da Soberania Absoluta no Estado Autoritário: participação limitada ou não participação

1.5. O tipo ideal da Soberania do Estado Autoritário, no Século

Abordaremos nesta secção os aspectos teóricos mais marcantes e comuns às diferentes concretizações da soberania Absoluta do Estado Autoritário, no século XX.

Como já referimos na introdução a esta secção (ponto 2) e na subsecção 2.4., associaremos o Estado Autoritário; a) ao Estado semi-Totalitário do Fascismo Mussoliniano (1922-1945); ao Estado Autoritário do Salazarismo (1932 –1968), do Franquismo (1936– 1976), e, em certo sentido, do De Gaullismo (1945- 1969); às ditaduras militares da Argentina e do Brasil e, provavelmente, de muitos outros casos, um dos quais parece ser a actual situação da Guiné- Bissau 58.

Em todos estes casos, a autonomia, a liberdade e a participação, individuais ou grupais, estão sujeitas a controle e limitações várias, de intensidade variável, e cujos casos extremos de intolerância, de autoritarismo e de a-participação serão o do fascismo italiano, como máximo controle e máxima limitação, e o do «DeGaullismo» 59, como

máxima tolerância.

Na origem dos autoritarismos e dos totalitarismos estarão, segundo Serge BERNSTEIN (1999:70- 75), a partir de 1870, problemas de articulação entre o Estado e as massas populares, que conquistavam poder através dos Sindicatos e dos Partidos, enquanto Guy HERMET (1985: 269), não negando este fenómeno, prefere uma visão marxista de luta de classes, em que as classes que dominavam o Aparelho de Estado, até ao final do Século XIX, tentam, por todos os meios, não perder o seu controlo.

Em outros casos mais recentes, Guy HERMET (1985: 277; Jean BAUDOUIN, 2000: 178-179; ) continua a ver a mesma luta mas também a possibilidade de indivíduos ou situações desenquadradas sindical ou politicamente no espectro existente, assumirem o poder, sempre para proveito pessoal, familiar e dos seus apoiantes, ou em nome de um interesse nacional ou de uma justiça social retóricos, ou mesmo reais, que as circunstâncias históricas concretas favorecem ou podem favorecer. Daí a associação, muitas vezes operada (Guy HERMET, 1985: 279) mas

58 Uma análise consolidada de todos os tipos de autoritarismos, em todo o mundo, é-nos feita por GUY

HERMET, L`Autoritarisme, in Madeleine GRAWITZ e Jean LECA (1985, II: 269-312). O autor passa em revista todas as fontes de caracterização do autoritarismo, até 1983, em todo o mundo, desde o início do Século XIX.

59 Por paradoxal que pareça, a assunção do «DeGaullismo» como autoritarismo é feita por dois autores

franceses, Maecel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001: 199-211, enquadrando-o no Nacionalismo, e considerando-o um nacionalismo personalizado, dando primazia ao Estado, à consideração da nação como um todo, ao poder personalizado e à limitação ou eliminação do parlamento, tudo ao estilo do Napoleão III.

nem sempre verificada, pelo menos a uma escala empírica, entre autoritarismo e patrimonialismo, sobretudo nas sociedades mais arcaicas.

Para tornar inteligível e actualizável, o conceito de patrimonialismo, Samuel EISENSTADT (1973: 60) propôs como alternativa o de neo-patrimonialismo, como processo que permite compreender «a hibridização progressiva das formas patrimoniais e das formas burocráticas» (Jean BAUDOUIN, 2000: 179). O conceito assim desenhado permitiria abranger também os clientelismos do liberalismo, das democracias liberais e das democracias sociais bem como o neocorporativismo. Haveria, em ambos os casos, a possibilidade de competição entre grupos sociais e corporações pela apropriação da máquina burocrática do Estado, no sentido de colocarem a legislação e os recursos ao serviço dos respectivos interesses.

Neste sentido, Guy HERMET (1985: 279- 283) introduz também o conceito de democracia autoritária, como conceito que permite cruzar democracia representativa, burocracia e neo-patrimonialismo, uma visão que, na prática, é coincidente com as análises marxistas da apropriação do Estado pelas classes dominantes. Guy HERMET (1985: 283) vê mesmo no caso português da III República um caso exemplar de manipulação do Estado numa sociedade sem estruturas intermédias fortes, subjugado não só aos interesses partidários como também aos jogos estratégicos de convivência - e de conivência -, entre os dois maiores partidos, e expresso na noção de rotativismo, sem alternativa.

De resto, a análise do autor relaciona o neopatrimonialismo com os povos do Sul da Europa, entre outros vários, por, justamente, ali, o Estado não se ter constituído como Estado Forte nos Seculos XVIII e XIX, ao contrário da França e da Alemanha, dominadas pelo bonapartismo e pelo autoritarismo plebiscitário. Mas também que esta incapacidade do Estado resultaria da inexistência de poderes intermédios fortes, quer a nível da organização do Estado que da Sociedade Civil, que obrigassem o Estado a agir. Acção que só aconteceu a partir de 1926, dada a profunda crise económica em que o país se encontrava.

A comunidade de algumas características entre totalitarismo, autoritarismo e fascismo, tais como regime de partido único mais ou menos intenso, aversão ao liberalismo e ao individualismo e, no casos dos autoritarismos europeus ocidentais, ao socialismo, ao comunismo e ao totalitarismo, não legitima uma classificação uniforme dos autoritarismos nem a redução das suas características a um modelo específico, antes se evidenciando diversos modelos dos quais Guy HERMET (1985: 275- 285) destaca: autoridade tradicional e poder patrimonial; caudilhos de parlamentarismo oligárquico e clientelismo; bonapartismo e autoridade plebiscitária; populismos; fascismos; outros, entre os quais o autor destaca o português (1928- 1968).

Por sua vez, Jean BAUDOUIN (177-186) é menos diversificador na análise e redu-los a dois: o autoritarismo patrimonialista, proveniente do princípio patriarcal, teorizado por Weber, e da confusão entre poder e propriedade; e autoritarismo modernizador, baseado no princípio da dominação legal, também de Max Weber, e segundo o qual tais regimes pretenderiam instituir um processo de mudança social, económica, cultural, etc., a partir do processo da dinâmica racional-legal.

Também numa perspectiva abrangente, Fred WILLHOITE (1988: 156) prefere classificar todos os regimes autoritários como

«( ...) incluindo todos os governos contemporâneos que não funcionando como democracias constitucionais, não são também presididos por elites comunistas.» 60 e que «restringem seriamente

as actividades da oposição, não permitindo a competição eleitoral.». Por isso, se «a noção de autoritarismo oferece pouca segurança a quem se esforce por singularizar nele uma caracterização única do poder» (Guy HERMET, 1985: 269), teremos de tentar, pelos menos, alguns traços essenciais comuns.

A distinção entre autoridade, autoritarismo e ditadura, por um lado, e entre autoritarismo e totalitarismo, por outro, pode começar por ajudar-nos a estabelecer as fronteiras do conceito.

François BOURRICAUD (1961: 18 e 33), utilizando os padrões das democracias liberais, caracteriza-nos a autoridade como significando, a maior parte das vezes, poder legítimo, e o autoritarismo, violência arbitrária, caracterização que Guy HERMET (1985: 270) corrobora associando o autoritarismo a uma relação governantes- governados baseada mais no uso permanente da força do que no uso da persuasão. E ainda, num recrutamento de dirigentes através da cooptação e não na concorrência eleitoral.

Por via desta distinção, a autoridade careceria de uma legitimação democrática, baseada na constituição de um poder legítimo, sufragado pela soberania popular, enquanto que o autoritarismo se basearia numa usurpação do poder. Porém, a realidade mostra-nos muitas situações autoritárias em que, não tendo os detentores do poder sido eleitos por sufrágio universal, foram, no entanto, consentidos, quer por plebiscito quer por apoio popular de rua, casos, por exemplo, de Hitler, em 1933, e do Ayatollah Khomeiny, em 1978. Este consentimento não significa que estes regimes tenham sido quer democráticos quer legítimos, em termos dos padrões democráticos, significando antes que afastam a utilização da categoria mais repugnante do autoritarismo, ou seja, a usurpação do poder e a sua imposição pela força, na fase de acesso ao poder.

Também o conceito de ditadura nos pode ajudar a esclarecer o de autoritarismo. Com efeito, e se invocarmos as ditaduras da Roma Imperial e de Napoleão I, aí, o Imperador, via reconhecido o estatuto de Ditador, por um período transitório, mas subordinado à Lei (da República, naquele caso), até se assegurar a passagem a um Regime normal, enquanto que, no autoritarismo puro, não existiria (ou não seria reconhecida) uma legalidade pré-existente ou conformadora do exercício transitório ou efectivo do poder (Guy HERMET, 1985: 270- 271). Nestes termos, este autor invoca Sigmund NEUMAN (1957: 248) e Raymond ARON (1965) para dizer que «todas as ditaduras modernas são penetradas pela democracia», podendo desembocar em regimes democráticos normais. Entre elas, em nosso parecer, a da Junta

de Salvação Nacional (25/4/1974 –10/03/1975) e a do Conselho da Revolução, em Portugal, entre (11/03/74 e Julho de 1976).

A procura de uma distinção entre autoritarismo e totalitarismo obriga-nos a convocar a democracia como contraponto de «tipo ideal» abstracto do totalitarismo (Hannah ARENDT, 1972b); Tzvetan TODOROV, 2002: 19- 33). A democracia como prevalência do «one man, one vote», ou seja, o valor supremo do reconhecimento do cidadão e da sua conciliação com o indivíduo do liberalismo; o totalitarismo como prevalência da totalidade e da alienação /silenciação do cidadão e do indivíduo no Estado. O autoritarismo apareceria então como categoria intermédia entre a democracia e o totalitarismo, conciliando, no seu «tipo puro», as características de ambos.

Esta hipótese parece ser confirmada por Juan LINZ (1964: 297) para quem, reflectindo sobre a realidade franquista,

«Os regimes autoritários são sistemas de pluralismo limitado (...), sem ideologia directriz elaborada (...) nem vontade de mobilização intensiva ou extensiva, excepto em certos momentos do seu desenvolvimento.».

Esta linha de pensamento parece ser confirmada pela análise proposta por Guy HERMET (1985: 274), a partir das categorias que, segundo este autor, permitiriam elaborar uma distinção consistente e exclusiva entre autoritarismo e totalitarismo. Tais categorias são: diferenciação entre Estado e Sociedade Civil e mobilização ideológica.

Na perspectiva da diferenciação entre Estado e Sociedade Civil, o «tipo ideal» do autoritarismo mantém a diferenciação entre os dois, sobretudo nas sociedades europeias ocidentais, tolerando, através de um Governo Forte, a organização e o modo de produção burguesa e capitalista, permitindo um pluralismo limitado, só recusado face a manifestações de opinião, sindicatos e partidos considerados revolucionários por porem em causa a base social de produção ideológica e económica que sustenta o regime, quase sempre o capitalismo conservador ou liberal. Já o totalitarismo procuraria suprimir tal diferenciação, seja pela persuasão ideológica, seja pela força, seja, em último recurso, pela supressão do modo de produção económica e social privada (Juán LINZ, 1964: 297).

Exemplificando com o recrutamento das elites, a selectividade delas seria totalmente aberta nas democracias, em virtude da interpretação relativista do princípio maioritário; a do sistema autoritário seria parcial, arbitrária e plebiscitária; e a do sistema totalitário seria nula, em virtude da exaltação exclusiva do princípio maioritário e da integração da Nação no Estado (Guy HERMET, 1985: 274).

No que respeita à mobilização ideológica, o autoritarismo permitiria a sobrevivência de outras agências de socialização, para além do Estado, tolerando-as, embora circunscrevendo-lhes as influências. Já o totalitarismo visaria a unificação do Estado e da Sociedade, através de uma visão monopolística do Povo, da Cultura e da ideologia e da anulação de toda a manifestação liberal da economia e das relações sociais de produção. Nestes termos, a afirmação de Adriano MOREIRA (1979: 143), citado por João FORMOSINHO (1987: 25), de que «a diferença entre o

autoritarismo e o totalitarismo está em propor ou impor uma ideologia à sociedade civil», ajudará, metaforicamente, a operar a distinção.

Na síntese de Guy HERMET (1985: 274),

«O autoritarismo suprime o livre jogo do mercado político sem contestar o fundo das expressões variadas da autonomia da sociedade, enquanto que o totalitarismo tem por objectivo anular até à fonte esta autonomia, da qual não tolera mais que as manifestações residuais, religiosas em particular, votadas ao esquecimento e desvanecimento.».

Donde se concluirá que o autoritarismo utiliza como estratégias principais de constrangimento: a persuasão ideológica e o condicionamento da vida real, num apelo aos objectivos nacionais ou do interesse geral, mascarando sempre a luta de classes, enquanto que o totalitarismo utilizaria o terrorismo verbal (Jean-Pierre FAYE, 2003: 65) e a repressão violenta do pluralismo económico, social e ideológico e de todos os que resistissem à unicidade organizativa entre Estado e Sociedade Civil.

Tal é também a posição de Hannah ARENDT (1972b: 227), para quem o autoritarismo «implica uma limitação da liberdade mas jamais a sua abolição».

No plano institucional, o autoritarismo distinguir-se-ia também do totalitarismo pois que não dispensaria uma ordem constitucional e excluiria o despotismo arbitrário. Phillippe SCHMITTER (1973: 219, cit. por Guy HERMET (1985: 275) diz que «os regimes autoritários não são nem arbitrários nem caprichosos», correspondendo a «um equilíbrio manipulado de forma central entre hierarquias institucionais iguais», tais como as Forças Armadas, a Administração, as Igrejas, as cúpulas dos Negócios, etc..

Porém, na nossa análise, não excluiria algumas situações fascistas, como as da fase inicial do Franquismo falangista, em Espanha e de mobilização ideológica do país, como foi o caso de Portugal, entre 1936 e 1942, face à frente comunista- internacionalista que operava na Guerra Civil de Espanha (1936-1939) e face à ameaça da II Guerra Mundial, na sua primeira fase (1939- 1942).

No âmbito desta análise, o fascismo aparece como variante do autoritarismo, variante caracterizada essencialmente por: 1) ruptura com as lógicas liberais de luta de classes e de pluralismo aberto; b) repúdio explícito da soberania popular como fonte da legitimidade do poder; e c), reacção totalitária contra o individualismo liberal, substituindo-o pela unidade orgânica da Nação como conjunto das forças sociais, representadas pela estirpe, a cepa ou a linhagem dos dirigentes.

Ao contrário desta reacção totalitária, o autoritarismo prefere uma reorganização tecnocrática da Sociedade, movida a partir de cima, e sem uma ideologia deliberadamente anti-liberal, seleccionando os seus apoiantes através de um processo ideologicamente neutro mas exclusor dos não-apoiantes. Tal processo é o corporativismo.

O corporativismo, cuja origem remonta à Idade Média e é teorizado, pela primeira vez, como veremos no próximo capítulo, por João Altússio, na Alemanha, sendo consagrado mais tarde por Hegel, como já vimos neste capítulo, como o processo

ideal da participação e da representação. Encontra também na Contra-Revolução Francesa, designadamente em Monsenhor de KETTELER (1811-1877) e na sua obra La Tour du Pin um referencial cristão e uma naturalidade ancestral por o autor o fazer corresponder à organização natural da sociedade.

Defensor da monarquia - «o rei nos seus conselhos, o povo nos seus estados» (Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001, II, 166) -, Ketteller viu no corporativismo a analogia com a organização militar, constituída por unidades autónomas, facilmente coordenáveis, mas suficientemente independentes para não se constituírem em grande organização de massas e, consequentemente, não ameaçarem o poder central, podendo constituir-se, por outro lado, como fáceis instrumentos de solidariedade orgânica.

Por outro lado, na teoria de Ketteler, e que acabará por ser importada pelos corporativismos italiano e português (Marcel PRÉLOT e Georges LESCUYER, 2001, II: 192), o regime ideal é a monarquia, sem separação de poderes, pelo que a organização sócio-política deve ser de tal modo que obedeça ao comando unificado e central, e suficientemente compartimentalizada não só para se desconhecer mutuamente, como para ser autónoma, como ainda para não se auto-coordenar (FORMOSINHO, 1987: 198- 300). Porque o autoritarismo tem para com o indivíduo e para com o grupo uma visão própria da maldade hobbesiana.

O corporativismo transformou-se assim na estratégia para eliminar todas as estruturas federativas ou sindicais intermédias e fortalecer a administração central, transformando-se, ao mesmo tempo, em estratégia de luta política pelo apoio ao poder central e de anulação da luta de classes porque imbuído da solidariedade orgânica interna aos profissionais da corporação. Como refere João FORMOSINHO (1987: 261), citando Phillipe SCHMITTER, 1975: 8-9),

«(...) o corporativismo é um sistema de representação de interesses no qual as unidades constituintes são organizadas dentro de um número limitado e obrigatório de categorias profissionais, não competitivas e hierárquicas, obrigatoriamente reconhecidas e autorizadas (quando não criadas) pelo Estado, e constituindo o monopólio da representação de interesses.».

Apesar de analisarmos o caso português em momento próprio, não deixaremos de o classificar como uma espécie de autoritarismo, de «pluralismo limitado», uma espécie de «Bonapartismo liberal», com interdição global de partidos e sindicatos, estes se não incluídos na ordem corporativa. Tratou-se, no dizer de Guy HERMET (1985: 299) de uma das

«(...) semi-ditaduras liberais, pos-censitárias e pós-parlamentares, regidas por um executivo proeminente e dirigidas, muitas vezes, pela figura de um líder carismático à imagem do General Franco ou do presidente Salazar.».

Apesar de Howard WIARDA (1977: 29- 48) inserir o corporativismo português numa linha sócio-cultural, segundo a qual a população do país, não

industrializada, não estava culturalmente preparada para outras formas de mobilização, Philippe SCHMITTER (1999) defende que a organização corporativista estatal portuguesa se substitui à articulação censitária e parlamentar no Portugal de antes de 1974, sublinhando que esta organização substitutiva é acompanhada de uma delegação de certas competências do Estado em corpos intermédios, de natureza profissional, cultural ou educativa, o que, segundo Guy HERMET (1985: 300) «representa uma concessão liberal bastante paradoxal, à primeira vista, da parte de governos autoritários.».

A par, o pluralismo autoritário salazarista, podia permitir e permitir-se pactuar com «ilhas» de oposição moderada mas clandestina porque as forças religiosas actuavam como filtro ideológico e cultural do «lado do bem» que, substituindo a repressão pela concessão, cada vez mais generalizada a toda a população, de benefícios sociais, vai ganhando consentimento popular 61. Se isto ocorre essencialmente com

Marcelo Caetano, não será de todo descabido hipotetizar que, em intenção, a ideia já estaria presente no espírito de Salazar quando, no início dos anos 30, enfatizou a máxima segundo a qual «quando a obediência é fácil, o mando é suave», procurando substituir a repressão pela endoutrinação, pela passividade e pelo recolhimento (João FORMOSINHO, 1987).

Podendo ser definido como regime de partido único, a mobilização popular não existia no corporativismo português porque o povo era uma massa inorgânica que devia ser substituída no plano da participação e da concorrência das ideias e dos grupos pelas elites dirigentes seleccionadas previamente de acordo com os méritos e obediência ao regime demonstrados na vida das corporações.

2. A Soberania Absoluta e a Negação da Participação no Estado

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