• Nenhum resultado encontrado

A família materna de Jean-Luc Godard, os Monods, pertence à alta burguesia protestante (é importante realçar a relação mística que esta religião tem com a Bíblia, o livro sagrado, única intermediação possível entre Deus e os homens) francesa e suíça: nela encontramos banqueiros, pastores, teólogos, políticos (um dos seus primos foi o estrategista da campanha presidencial de

Wave ten years later. Its jury was in a position to have profound effects: Cocteau, Bresson, Clément, Astruc, Leenhardt, Grémillon, Auriol, Langlois, Mauriac, and Raymond Queneau. They memorialized their sense of power in a lavish program catalogue consisting of ten major articles. This catalogue opens with Cocteau’s official baptism of the festival in memory of Mallarmé’s notorious “Les Poètes Maudits”, a hymn to the genre of forgotten works whose hidden form can be recognized only by those able to look through and beyond the surface. In the body of the catalogue, Grémillon proclaims the essence of cinematic value to be style, and style to be attached to individual auteurs. Leenhardt chides establishment films for their lack of intelligence, asking for a cinema of courage out of which, and only out of which, could emerge an art capable of positively moving the culture. Welles and Artaud61

demand a cinema of poetry and imagination. And Bazin surveys the role which the avant-garde had courageously served from 1920 on in struggling for that poetic and imaginative cinema, a role taken up by Objectif 49 and the festival at Biarritz. The document closes with a poem by Lautréamont, that poète maudit exemplaire.61 The highly

literary and upper-crust tone of this program catalogue was diluted in the actual proceedings by the enormous attention paid the American cinema and by the voluble participation of the younger critics. […] The open forum at Biarritz pitted the old against the new. At one point the eminent producer Louis Daquin and the upstart Alexandre Astruc came to blows. This struggle would only escalate in the next decade thanks largely to the feisty François Truffaut, who at one film club screening shouted Claude Autant-Lara off the stage by screaming, “if you weren’t so old, I’d break your neck”. Biarritz was at once classy and outrageous; it was able to reach both young and old, both radical and conservative participants. It’s great success, reported in newspapers and journals around the country […]”.

Jacques Chirac, em 2002), um vencedor do Premio Nobel e alguns cientistas. Seu avô materno, Julien-Pierre Monod, ao casar com Cécile Naville, tinha se transformado num homem muito rico, sócio de uma construtora de estradas de ferro na Turquia (o grupo de amigos de Godard na revista Cahiers du Cinéma, Rivette, Truffaut, Chabrol e Rohmer seria chamado, no futuro, de “jeunes turcs”...) e de um dos maiores bancos franceses, o Banque de Paris et Pays-Bas. Tendo estudado literatura e direito, ele era muito devotado à literatura moderna62, entusiasmo que compartilhava com seu cunhado Pierre Naville, grande amigo do escritor André Gide. Quase que certamente através do romancista, Julien-Pierre Monod conheceu Paul Valéry, a quem prestou um serviço importante: comprou algumas cartas do poeta, e as publicou particularmente. A partir de então, cuidou dos negócios de Valéry, e foi também seu secretário, organizando sua agenda de conferências internacionais e seminários. O seu escritório no Boulevard Raspail, em Paris, era conhecido como o Valérianum. Sua propriedade em Anthy, na Suiça, era freqüentada pelo escritor; no dia 13 de setembro de 1926, o poeta se encontrou com Rainer Maria Rilke, na casa de seu amigo Jean-Pierre Monod (existe uma foto desse encontro; como também uma outra, na qual a mãe de Godard, Odile, está ao lado do amigo de seu pai, Paul Valéry).

Nessa casa em Anthy, onde Godard e toda a família passavam as férias, as crianças não podiam dirigir a palavra aos mais velhos, durante as refeições, a não ser que tivessem uma citação a propósito do que estava sendo conversado pelos pais: nesse caso, elas eram incentivadas a falar (será essa uma das explicações possíveis para a predisposição quase instintiva de Godard à citação?). Nesta mesma casa existiam muitos livros, e as crianças passavam seu tempo lendo; além do mais, Odile estava habituada a uma prática já antiga: todos os dias, lia para os filhos. Godard era sempre o campeão quando as crianças brincavam de falar o maior número de coisas (sobre um autor, por exemplo) começando por uma letra escolhida ao acaso. O pai de Jean-Luc

Godard, Paul Godard, era um médico, e o tema de sua tese doutoral foi a oftalmologia (uma ironia godardiana, avant la lettre, esse tema ser desenvolvido pelo pai de um futuro cineasta). Ele e sua então noiva, em 1928, poucos meses antes de seu casamento, produziram, à mão, um pequeno livro, Quelques essais, texto de Odile, imagens (desenhos) de Paul Godard. Apesar do título, o livro contém poemas em prosa63.

Nascido em 1930, Godard conviveu, dessa maneira, nesse ambiente ao mesmo tempo rico, burguês, literário e com muitas tinturas de conservadorismo. O notável é que o cinema pouco entrou em sua infância64: simplesmente não era um tópico de conversação permitido, pela sua imoralidade65. Godard se lembra de ver comédias alemãs e italianas, além de jornais alemães

e ingleses, durante a Segunda Guerra Mundial: a neutralidade da Suíça permitia isto66. Na sua escola, tendo que escolher entre o científico e o clássico, escolheu o clássico, embora tivesse sido campeão em matemática. Em 1947, já em Paris, ele próprio produziu um livro, como seus pais, chamado Cercle de Famille: impressions d’ensemble com as imagens (desenhos) e textos de sua autoria. É impressionante a quantidade de autores citados num livro tão pequeno: Bismarck, Pascal, Prévost, Goethe, Montesquieu, Montaigne, Sophocles, Camus, mas também Aragon e Cocteau, que freqüentariam repetidamente a obra cinematográfica de Godard. Na verdade, esse

63

Jean-Luc Godard, numa entrevista de 1997, parece confirmar todas estas informações biográficas, e avança outras: “Minha mãe lia muito. Mas o gosto do romantismo alemão me veio do meu pai, que era médico. Entre 13 e 20 anos, graças a ele, devorei Musil, Broch, Thomas Mann. Meu avô também me influenciou, muito. Ele era banqueiro, no Paribas. Era um amigo de Paul Valéry. Ele tinha todos seus livros. Chamávamos sua biblioteca o “valerianum”. Nos seus aniversários de casamento, eu devia recitar “O Cemitério Marinho”. Eu gostava muito do seu Tel Quel também. Menos selvagem que Cioran, mas a época era diferente. Ele escrevia belas frases, Valéry, também”. GODARD.

Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard, tome 2, p. 432.” [Ma mère lisait beaucoup. Mais le goût du romantisme allemand me venait de mon père, qui était médecin. Entre 13 et 20 ans, grâce à lui, j’ai dévoré Musil, Broch, Thomas Mann. Mon grand-père m’a aussi marqué, beaucoup marqué. Il était banquier à Paribas. C’était um ami de Paul Valéry. Il avait tous ses livres. On appelait sa bibliothèque le “valerianum”. Pour ses anniversaires de mariage, je devait bien réciter Le Cimetière Marin. J’aimais bien son Tel quel aussi. Moins sauvage que Cioran, mais l’époque était différente. Il avait de belles phrases Valéry, aussi.”]

64 Godard: comme j’ai été élevé dans une famille litéraire, qui ne m’a pas appris à connaître le cinéma, j’ai été séduit

par cet aspect. J’aime beaucoup écrire. GODARD. Ibidem.

65 MACCABE. Godard, a portrait of the artist at seventy, p. 25 66 Ibidem, pp. 25 e 29.

livro quase que somente é constituído de citações, procedimento que ele adotaria em sua obra muitos anos depois.

Aos dezessete anos, Godard já estava morando em Paris, para concluir o Lycée. A novidade é que não era mais o campeão em matemática, e naquela família burguesa, protestante e algo literária, ele estava roubando algumas das coisas que suas mãos podiam alcançar, inclusive algumas das primeiras edições de Valéry, com dedicatórias para seu avô. A partir daí, não podia contar mais com proteção dos Monods, pois esses cortaram suas relações com Godard. Mas seus laços com o mundo e o universo do cinema, e com um dos nomes do júri de Biarritz, Henri Langlois, estavam apenas começando.