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Não por acaso, a poesia moderna começa com três autores franceses: Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé. Como que para acentuar o “moderno”, essa poesia não vai ser o trabalho exclusivo dos três poetas franceses: para criá-la, eles usaram decididamente tanto a poesia quanto a teorização de alguns poetas românticos alemães, principalmente Novalis, e

447 Aqui, algumas letras estão faltando no enquadramento. O que pode ser lido é “le langage poétique surgit des

...uine”, em GODARD. Spécial Godard, Les Carabiniers, Pierrot le fou et films “invisible”, p. 88.

448 “La poésie, c’est qui perd gagne.” GODARD. Spécial Godard: Les Carabiniers, Pierrot le fou et films

“invisibles”, p. 89.

também as poesias e os ensaios de Edgar Allan Poe, esses últimos traduzidos por Baudelaire e a partir daí tremendamente influentes na poesia francesa.

É Octavio Paz quem melhor escreveu sobre a relação da poesia moderna tanto com o romantismo alemão quanto com a revolução:

O pensamento poético não tem sido alheio às vicissitudes e aos conflitos dessa empresa literalmente sobre-humana. A gesta da poesia ocidental, desde o Romantismo alemão, foi a de suas rupturas e reconciliações com o movimento revolucionário. Num ou noutro momento, todos os nossos grandes poetas acreditaram que na sociedade revolucionária, comunista ou libertária, o poema cessaria de ser esse núcleo de contradições que ao mesmo tempo nega e afirma a história.450

De fato, a partir da revolução francesa, todos os “grandes poetas”, nas palavras de Paz, tiveram suas imaginações incendiadas pelas possibilidades de igualdade e mudança social, e pelo que Paz chamou de “conversão da sociedade em comunidade e do poema em poesia prática451”. Até mesmo os poetas ingleses foram influenciados por este clima: William Blake, William Wordsworth e Samuel Taylor Coleridge. De todos eles pode ser dito que apoiaram “... a Revolução Francesa, no começo desta (...) mudando de opinião assim que a Revolução se transformou em Terror452”.

Arthur Rimbaud, quase cem anos depois, foi certamente o herdeiro dessa tradição. No seu estudo sobre Rimbaud, Yves Bonnefoy escreveu que:

Desde muito tempo (...) Rimbaud sonhava que seria destruída pela violência a sociedade na qual ele vivia. E quanto mais o ano de 1870 avança, mais nitidamente se forma na sua consciência a idéia que uma nova Revolução deve metamorfosear o horizonte social453.

450 PAZ. O arco e a lira, p. 311. 451 Ibidem, p. 311.

452 BLAKE & LAWRENCE. Tudo que vive é Sagrado, p. 12. Tradução, seleção e ensaios: Mário Alves Coutinho.

Embora esta frase se refira a William Blake, pode ser dito o mesmo quanto a Coleridge e Wordsworth.

453 BONNEFOY. Rimbaud par lui-même, p. 31. “Dès longtemps (...) Rimbaud avait rêvé que soit détruite par la

violence la société dans laquelle il vit. Et plus l’année 1870 avance, plus nettement se forme dans sa conscience l’idée qu’une Révolution nouvelle doit métamorphoser l’horizon social.” É bom lembrar que 1870 é a data da derrota da França para a Prússia, e que 1871 vai ser o ano da Comuna de Paris, dois eventos ligados estreitamente, e que incendiarão a imaginação de Rimbaud.

Entretanto, a revolução na poesia de Rimbaud não aparece somente na sua biografia, mas principalmente na sua obra. Num de seus poemas, como “O ferreiro454”, ele imagina um homem do povo ousando dizer palavras duras e revolucionárias a ninguém menos do que o rei Luís XVI. Para escrever este poema ele usou um fato real: a história do encontro do açougueiro Legendre com o rei Luís XVI:

Somos Obreiros, sim, Obreiros! Fomos feitos/Para os tempos a vir em que haverá saber,/Em que o Homem forjará do amanhecer à noite/Querendo o grande feito, ansiando as grandes causas,/E, aos poucos, vencedor, há de domar as coisas,/Em tudo há de montar qual montasse um corcel!/Esplêndido fulgor das forjas! Fim do mal, /Acabou-se! – Talvez o insabido é terrível:/Saberemos! Martelo à mão, vamos passar/No crivo o que se sabe: Irmãos, depois, avante!455

Algo que inaugurara o romantismo, encontra em Rimbaud sua realização mais acabada. Aqui já é a classe operária discursando diretamente ao rei e assumindo todos os topoi da revolução, inclusive o aprendizado e a procura do conhecimento, política e biblicamente proibidos; é admirável o ferreiro dizendo ao rei: “saberemos!” Mais uma vez, a revolução não fica somente nos temas; o tom de alguns poemas, como “À Música456” ou “O Castigo de Tartufo457”, “está mais próximo da escolha revolucionária que a turbulência exaltada de seu grande poema cósmico458”. Indo um pouco mais além, o traço revolucionário na poesia de Rimbaud não passa somente pela sua biografia, ou pelos temas de alguns poemas, ou pelo tom de alguns outros, mas constitui um traço extremamente relevante de sua maneira de ser e de

454 “Le forgeron”, em RIMBAUD. Poésies Complètes, p. 16.

455 Tradução de Ivo Barroso, em RIMBAUD. Poesia completa, p. 71. “Nous sommes Ouvriers, Sire! Ouvriers! Nous

sommes/Pour les grands temps nouveaux où l’on voudra savoir,/Où l’Homme forgera du matin jusqu’au soir,/Chasseurs des grands effets, chasseur des grandes causes,/ où, lentement vainqueur , il domptera les choses/Et montera sur Tout, comme sur un cheval!/Oh! splendides lueurs des forges! Plus de mal,/Plus! – Ce qu’on ne sait pas, c’est peut-être terrible:/Nous saurons! – Nos marteaux en main, passons au crible/Tous ce que nous savons: puis, Frères, en avant!”

456 “À la Musique”, em RIMBAUD. Poésies Complètes, pp. 34-35.

457 “Le châtiment de Tartuffe”, em RIMBAUD. Poésies Complètes, p. 28/29.

458 BONNEFOY. RIMBAUD par lui-même, p. 31. “(...) est plus proche du choix révolutionnaire que la turbulence

escrever: no final das contas foi ele que escreveu que “a verdadeira vida está em outro lugar”, e que “é preciso ser absolutamente moderno459”.

Muito mais do que recusar uma ordem política e social e sonhar com a revolução, Rimbaud vai também recusar toda uma ordem poética, e negar até mesmo a poesia. Rimbaud radicaliza algo que Baudelaire já fazia e que a lírica moderna, por sua vez, levará também ao extremo: a poesia como crítica da poesia, isto é, uma poesia que se faz examinando-se a si mesma de uma maneira radical, analisando suas idéias e suas formas, repetidamente; nos casos extremos, como o de Rimbaud, chegando à negação do próprio ato poético. Roman Jakobson vai dizer muito claramente que a mensagem da poesia fala dela própria: “A ambigüidade se constitui em característica intrínseca, inalienável, de toda mensagem voltada para si própria, em suma, num corolário obrigatório da poesia460”. Já Octavio Paz faz ver claramente que a operação poética é, sobretudo, crítica:

Já foi dito que a poesia moderna é poema da poesia. Talvez isso tenha sido verdade na primeira metade do século XIX; a partir de Une saison en enfer nossos grandes poetas fizeram da negação da poesia a forma mais alta da poesia: seus poemas são crítica da experiência poética, crítica da linguagem e do significado, crítica do próprio poema. A palavra poética se sustenta na negação da palavra461.

É com Edgar Allan Poe que esse trabalho consciente, o voltar da poesia para si mesma, entra na poesia moderna, com todas as letras e alguma insistência. Todos os poetas, desde tempos imemoriais, souberam trabalhar tecnicamente o poema, e pensar nele conscientemente, em termos de idéias, intenções e sentimentos a serem concretizados. Mas não converteram essa prática em valor a ser cultivado e problematizado teoricamente e até mesmo poetizado. Como disse Hugo Friedrich, é com Poe, e também Novalis, que “o conceito de cálculo havia penetrado

459 RIMBAUD. Poésies Complètes, p. 130. “Il faut être absolument moderne.” Ledo Ivo, em RIMBAUD. Uma

temporada no inferno & Iluminações, p. 77, traduz esta passagem com outras palavras: “Devemos ser totalmente modernos”.

460 JAKOBSON. Lingüística e comunicação, pp. 149/150. 461 PAZ. O arco e a lira, p. 314.

na teoria poética462”. Exatamente: ao escrever alguns ensaios sobre poesia, não argumenta Poe longamente em torno de intenções, idéias gerais (e conscientes) que teve, e que procurou, aos poucos, realizar com premeditação matemática, sem nenhum auxílio da intuição e do sentimento, velhos ajudantes nos arsenais poéticos de sempre? Ou então, usando o sentimento, e a intuição, mas calculadamente? Escrevendo sobre “O Corvo”, em “A filosofia da composição” ele disse que,

É meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso ou à intuição, que o trabalho caminhou passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema matemático463.

Baudelaire traduziu contos, poemas e este ensaio de Poe, identificando-se com suas idéias explicitamente e, conforme escreveu Friedrich, elas “... podem, portanto, ser consideradas suas próprias464”. O próprio Baudelaire escreveria que “Beleza é o produto de razão e cálculo465”. A beleza não seria, então, produto de um tema, de assunto elevado, nem da intuição, como era considerada anteriormente, mas sim da composição consciente e da inteligência: aí está uma das características que chamam mais a atenção na poesia moderna. Toda uma série de palavras e conceitos dá uma idéia do trabalho racional que vai presidir a poesia, cada vez mais: construção sistemática, operação e conhecimento são as palavras-chave que definem a ação poética: “O ato que conduz à poesia pura chama-se trabalho, construção sistemática de uma arquitetura, operação com os impulsos da língua466”. Rimbaud vai herdar essa premeditação, mas no seu caso, misturando-a com o instintivo (o que, certamente, é o caso de todos os poetas, mesmos os modernos, que produzem guiados pela razão e pelo instinto, mas sublinhando mais decididamente o primeiro): “regulei a forma e o movimento de cada consoante e, com ritmos

462

FRIEDRICH. Estrutura da lírica moderna, p. 41.

463 POE. Ficção Completa, Poesia & Ensaios, p. 912. Tradução de Oscar Mendes (com a colaboração de Milton

Amado).

464 FRIEDRICH. Estrutura da Lírica moderna, p. 51.

465 Citado em FRIEDRICH. Estrutura da lírica moderna, p. 41. 466 Ibidem, p. 39.

instintivos, nutri a esperança de inventar um verbo poético que seria um dia acessível a todos os sentidos467”. Inteligência e intuição, juntos, na poesia de Arthur Rimbaud.

Inteligência e intuição: a poesia moderna (e Rimbaud, muito claramente) é, portanto, também a poesia do desconhecido, da outridade, do outro, do inconsciente: em várias passagens de seus escritos aparece esta percepção clara. Já em Baudelaire tudo isto aparecia com uma certa nitidez:

O objetivo do poetar é “chegar ao desconhecido”, ou então, dito de outro modo: “escrutar o invisível, ouvir o inaudível”. Já conhecemos estes conceitos: derivam de Baudelaire e são, aqui e lá, palavras-chave para indicar a transcendência vazia. Tampouco Rimbaud lhes dá uma definição mais precisa468.

A definição certamente não é precisa, mas aponta para um conceito já conhecido (e nomeado) na época em que Rimbaud escreveu sobre ele, ao qual alguns anos depois Freud daria um conteúdo mais definido: estamos falando do inconsciente e de seus conteúdos (Freud afirmou certa vez que não havia descoberto o inconsciente: esta honra cabia precisamente aos poetas. Ele apenas o havia estudado, esclarecido e estabelecido o seu funcionamento). Quando em uma de suas cartas, Rimbaud escreve que “é falso dizer: penso. Dever-se-ia dizer: pensam-me469”, ele está apontando para várias coisas, ao mesmo tempo. Certamente, para a autonomia da linguagem, para o poder desta mesma linguagem, em resumo, para a problematização da autoria individual e autárquica (ver os tópicos iniciais do capítulo sobre Alphaville). Mas também está falando de uma estância psíquica, o inconsciente, representante maior da “outra vida”, do “outro”, que está em cada um de nós, e que é também “autor”. E que escuta o pensamento formar-se, as palavras se escreverem como se fossem exatamente os atos e palavras de uma outra pessoa: “Pois EU é um

467

RIMBAUD. Uma temporada no inferno & Iluminações, p. 63. Ênfase minha No original, RIMBAUD. Poésies

Complètes, p. 120: “Je réglai la forme et le mouvement de chaque consonne, et, avec des rhythmes instinctifs, je me flattai d’inventer un verbe poétique accessible, un jour ou l’autre, à tous les sens.”

468 FRIEDRICH. Estrutura da lírica moderna, p. 62.

469 Ibidem, p. 62. No original, “c’est faux de dire: Je pense. On devrait dire: On me pense.” Em RIMBAUD. Poésies

outro. Se o cobre acorda clarim, ele não é culpado disso. Isto é evidente para mim: assisto ao nascimento do meu pensamento: eu o vejo, eu o escuto: emito um golpe de arco: a sinfonia faz seu movimento nas profundezas...470”. Octavio Paz expressou isso mesmo, quando escreveu que “todos os poetas (...) ouvem a voz outra. É sua e é alheia, é de ninguém e é de todos471; a outra voz não é a voz do além túmulo: é a do homem que está dormindo no fundo de cada homem472”. O pensamento é independente, articula-se por si próprio, não tem autor, o poeta passa a ser um “amanuense do espírito”, percebe-se pensando e escrevendo como se fosse uma pessoa examinando outra. Hugo Friedrich assim descreve esse movimento: “estamos no umbral onde a poesia moderna se deixa lançar no caos do inconsciente a novas experiências que o desgastado material do mundo não mais proporciona473”.

E o leitor, este outro grande outro na (e da) poesia moderna, como é tratado pelos poetas? Baudelaire já o chamara primeiramente de “hipócrita”, para depois dizer que ele era “meu semelhante, meu irmão474”, exatamente na poesia introdutória de Les fleurs du mal. Baudelaire, desta maneira, não adulava o leitor; por outro lado, não pretendia ele próprio ser melhor que esse mesmo leitor. Para Hugo Friedrich, no limite, Baudelaire chega a falar em torturar o leitor, quando se trata da relação leitor/texto:

Baudelaire ainda tinha tais princípios. Fala do “prazer aristocrático de desagradar”, chama Les fleurs du mal “gosto apaixonado de oposição” e um “produto do ódio”, saúda o fato de que a poesia provoque um “choque nervoso”, vangloria-se de irritar o leitor e de que este não mais o compreendia. “A consciência poética, outrora uma fonte infinita de alegrias, tornou-se agora arsenal inesgotável de instrumentos de tortura”475.

470 RIMBAUD. Poésies Complètes, p. 219. “Car JE est un autre. Si le cuivre s’éveille clairon, il n’y a rien de sa

faute. Cela m’est évident: j’assiste à l’éclosion de ma pensée: je la regarde je l’écoute: je lance um coup d’archet: la symphonie fait son remuement dans les profondeurs...”

471

PAZ. A outra voz, p. 140.

472 PAZ. A outra voz, p. 144.

473 FRIEDRICH. Estrutura da lírica moderna, 63.

474 “Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!”, na tradução de Ivan Junqueira, em BAUDELAIRE. As flores do mal, p.

101. No original, “Hypocrite lecteur, - mon semblable – mon frère!”, em BAUDELAIRE. Les fleurs du mal, p. 16.

Anteriormente, o poeta (ou o escritor) conduzia o leitor, tomando todos os cuidados para não ofendê-lo, e não perdê-lo: sempre havia a preocupação da inteligibilidade. Baudelaire não se importa de chocá-lo, nem de irritá-lo. Nem mesmo ser compreendido é uma preocupação, como na poesia anterior.Rimbaud dá um passo à frente, e percebe que o poeta busca o desconhecido, e deve procurá-lo com todas as forças e sacrifícios. A poesia não mais será espelho da realidade, mimesis: “a poesia não ritmará mais a ação; ela virá antes476”. Na verdade, o poeta será sempre aquele que saberá articular a quantidade de novo que poderá, eventualmente, ser absorvida pelo leitor, com o tempo, mas não necessariamente compreendida, num primeiro momento:

O poeta definiria a quantidade de desconhecido despertando em seu tempo na alma universal: ele daria mais – que a fórmula de seu pensamento, que a notação de sua marcha para o Progresso! Enormidade transformando-se em norma, absorvido por todos, ele será verdadeiramente um multiplicador de progresso!477

Na verdade, através de seus esforços, dos seus desregramentos, ele sempre verá mais, será bem sucedido em ver o desconhecido, mas haverá um preço a pagar: ele será o sábio, mas também o doente, o criminoso, o maldito, o marginal, isto é, mais uma vez o grande outro da burguesia:

O poeta se faz vidente por um longo, imenso e lógico desregramento de todos os

sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura em si mesmo. Ele esgota em si mesmo todos os venenos, para somente guardar as quintessências. Inefável tortura onde ele tem necessidade de toda a fé, de toda a força sobre-humana, onde ele se torna dentre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, - e o supremo sábio! - pois ele chega ao

desconhecido! Pois ele cultivou sua alma, já rico, mais do que ninguém! Ele chega ao desconhecido, e quando enlouquecido, ele terminar por perder a inteligência das suas visões, ele as terá visto! Que ele se arrebente no seu salto devido a coisas inauditas e inomináveis: virão outros trabalhadores horríveis; eles começarão dos horizontes onde o outro se prostrou478.

476 RIMBAUD. Poésies Complètes, p. 221. “La poésie ne rythmera plus l’action; elle sera en avant.” 477

RIMBAUD. Poésies Complètes, p. 221. “Le poète définirait la quantité d’inconnu s’éveillant en son temps dans l’âme universelle: il donnerait plus – que la formule de sa pensée, que la notation de sa marche au progrès! Enormité devenant norme, absorbée par tous, il serait vraiment un multiplicateur de progrès!”

478 Ibidem, pag. 220. “Le Poète se fait voyant par un long, immense et raisonné dérèglement de tous les sens. Toutes

les formes d’amour, de souffrance, de folie; il cherche lui-même, il épuise en lui tous les poisons, pour n’en garder que les quintessences. Ineffable torture où il a besoin de toute la foi, de toute la force surhumaine, où il devient entre

Chegar ao “desconhecido”, expressar este mesmo “desconhecido”: eis, de uma certa maneira, o programa de Rimbaud e de muitos modernos, anteriores e posteriores a ele (“virão outros trabalhadores horríveis”). Que desconhecido é este, e como ele pode ser expresso?

Assim como o belo, o feio e o horrível, esse “desconhecido” não é exatamente o que seria possível encontrar na realidade, mesmo depois de muita procura; ele deve ser recriado. O poeta moderno é capaz sim de enfrentar, perceber, e descrever algo novo, inédito até então: a metrópole moderna, com toda sua negatividade e todos os seus tentáculos, mas também o que de diferente ela tem para oferecer, a própria modernidade, seus segredos, seus maquinismos: “a capacidade de ver no deserto da metrópole não só a decadência do homem, mas também de pressentir uma beleza misteriosa, não descoberta até então479”. Crítico do progresso, mas ao mesmo tempo descobridor das suas belezas (o “multiplicador de progresso”, de Rimbaud): a lírica moderna está ancorada nesta contradição. Mais uma vez, foi Octavio Paz quem melhor a expressou: “a poesia tem resistido à modernidade e, ao negá-la, a tem revigorado480”.

Que o seu assunto (ou tema) seja a beleza, a feiúra, a cidade, ou o desconhecido, que alguns poetas modernos discordem uns dos outros quanto a algum detalhe, todos eles são unânimes, sem exceção, em algo fundamental: os versos são feitos com as palavras, não com idéias (ou com temas, ou conteúdos), como muito bem relatou Paul Valéry. O próprio Valéry vai dizer que “a Poesia é uma arte da Linguagem; certas combinações de palavras podem produzir uma emoção que outras não produzem481”.

tous le grand malade, le grand criminel, le grand maudit, - et le suprême Savant! – Car il arrive à l’inconnu! Puisqu’il a cultivé son âme, déjà riche, plus qu’aucun! Il arrive à l’inconnu, et quant, affolé, il finirait par perdre l’intelligence de ses visions, il les a vues! Qu’il crève dans son bondissement par les choses inouïes et innommables: viendront d’autres horribles travailleurs; ils commenceront par les horizons où l’autre s’est affaissé!”

479 FRIEDRICH. Estrutura da lírica moderna, p. 35. 480 Paz. A outra voz, p. 144.

Esta idéia aparentemente simples vai ressoar, com algumas variações, de Baudelaire (e até mesmo antes, como se verá) até hoje. Hugo Friedrich, estudando a poesia anterior a Baudelaire, vai dizer que “a partir do Romantismo europeu surgem outras condições. Nascem versos que querem mais soar que dizer482”. Ao analisar um poema de Brentano, ele chega à conclusão que “este verso não pretende ser compreendido, mas apenas ser acolhido como sugestão sonora483”. Ao analisar a precedência absoluta que a forma tem sobre o conteúdo em Baudelaire, Friedrich vai escrever que, com este autor “a salvação da poesia consiste na linguagem484”. Ele vai dizer, também, que a realidade objetiva tende a ser abandonada e que,

Nas discussões teóricas, Baudelaire vai muito além. Elas prenunciam uma lírica que renuncia, cada vez mais, à ordem objetiva, lógica, afetiva e também gramatical, a favor das forças sonoras mágicas e que se deixa impor conteúdos

provenientes das palavras485”.

Ao examinar Rimbaud, Hugo Friedrich vai mostrar que a beleza (mas também a