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CONTEXTUALIZAÇÃO ESPACIAL DO OBJETO

3 A REALIDADE REFERENCIAL

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ESPACIAL DO OBJETO

A Nação brasileira ocupa uma posição privilegiada no hemisfério sul e ainda mais signi- ficativa na América do Sul. É um país continental, cujo mapa superposto ao da Europa mostra que a distância entre Lisboa e Moscou equivale àquela entre nossa fronteira mais ocidental, no Acre, e o litoral do Rio Grande do Norte e que a distância entre Dublin e Alexandria se iguala àquela entre nossas fronteiras extremas ao Norte e ao Sul (MARLIERE, 2010). É o quinto maior país do mundo depois da Federação Russa, Canadá, China e Estados Unidos.

Soma-se a este extenso território, uma grande área marítima, a qual o País pleiteia ampli- ar sob a égide do Direito Internacional, tornando-a equivalente à Amazônia Legal, tendo sido, por este motivo, batizado de Amazônia Azul. Se não bastasse a sua grandeza física, o Brasil é tomado por um imenso repositório de recursos naturais e possui a quinta maior população mundial (cerca de 200 milhões de habitantes), irregularmente distribuída no território, uma vez que há regiões densamente povoadas e outras com baixa densidade demográfica, o que pode contribuir para o surgimento de desequilíbrios sociais.

Toda riqueza acaba por se tornar objeto de cobiça, impondo ao detentor o ônus da prote- ção (BRASIL, 2012b). Tratando-se de recursos naturais, a questão adquire conotações de so- berania nacional, envolvendo políticas adequadas, que não se limitam à defesa daqueles re- cursos, mas incluem-na necessariamente. Neste contexto, a Amazônia brasileira que abriga uma boa parcela da água doce do planeta, a maior biodiversidade da Terra e possui mais de 4 milhões de quilômetros quadrados, sob os quais jazem reservas minerais de toda ordem, tor- na-se parte desta riqueza. Da mesma forma, o mar territorial e a Zona Econômica Exclusiva da plataforma continental jurídica brasileira, a “Amazônia Azul”, possui um mundo submari- no com vastas reservas de ouro, diamante, fosfatos, cobalto e outras. Além disso, o País pos- sui um complexo industrial invejável, uma agropecuária pujante e um setor de serviço em

crescimento, que lhe conferem um PIB (Produto Interno Bruto) da ordem de 3,675 trilhões de reais (IBGE, 2010). No entanto, um PIB que revela concentração na produção e desigualdades regionais.

Tais desigualdades e aglomerações populacionais, num espaço territorial rico, mas com riquezas pertencentes a poucos acabam potencializando o surgimento das chamadas novas ameaças. Recentemente, observam-se várias calamidades públicas; deslizamentos de terras; enchentes; soterramentos; rompimento de pontes; terrorismos diversos, tais como queima de ônibus e de veículos particulares; ataques a policiais orquestrados de dentro de presídios; gre- ves de setores importantes espalhadas por vários Estados, contrariando o ordenamento jurídi- co do País; invasão de fronteiras por grupos narco-terroristas; contrabando de armas e drogas; e inúmeros outras ameaças que exigiram a realização de operações de não-guerra em quase todo território nacional pelo Poder Militar.

Antes de relacionar o patrimônio nacional com a necessidade de defendê-lo, é mister lembrar a definição de “Nação”, que é considerada como um “grupo complexo, constituído por grupos sociais distintos que, ocupando um mesmo Espaço Físico, compartilha da mesma evolução histórico-cultural e dos mesmos valores, movidos pela vontade de comungar um mesmo destino” (BRASIL, 2008b). Para Herder (Apud Ortiz, 1999) e outros pesquisadores mais recentes, as Nações são como organismos vivos, as quais podem, como estes, nascer e morrer. Assim como acontece com organismos vivos complexos ou com indivíduos, as Na- ções têm necessidades, aspirações e interesses que emanam de seu povo, são condensados pelo debate público e pelas elites e se cristalizam como um conjunto de vontades da coletivi- dade – a Vontade Nacional. Para suprir tal Vontade, as Nações estabelecem Objetivos Nacio- nais, definidos pela ESG (Escola Superior de Guerra) como “aqueles que a Nação busca satis- fazer, em decorrência da identificação de necessidades, interesses e aspirações, em determi- nada fase de sua evolução histórico-cultural”.

Uma vez definidos seus Objetivos, as Nações lançam mão de instrumentos para sua con- secução e manutenção. Ao conjunto destas ferramentas, dá-se o nome de Poder Nacional. A ESG conceitua este Poder como sendo “a capacidade que tem o conjunto de Homens e Meios que constituem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais, em conformidade com a Vontade Nacional”.

O Poder de uma Nação pode ter a sua estrutura apresentada de diversas formas. A meto- dologia da ESG propõe estudá-lo através de seus Fundamentos e de suas Expressões. Con- forme indicado no Quadro 2, são considerados Fundamentos do Poder Nacional: o Homem,

entendido como pessoa, povo ou recurso humano; a Terra – entendida como ambiente, territó- rio, recurso natural ou material, e as Instituições11. São consideradas as seguintes Expressões do Poder Nacional: Política; Econômica; Psicossocial; Militar; e Científica e Tecnológica.

Quadro 2 – Síntese dos fundamentos e Expressões do Poder PODER NACIONAL FUNDA-

MENTOS

EXPRESSÕES

POLÍTICA ECONÔMICA PSICOSSOCIAL MILITAR C & T

Homem /

Humanos Povo Recursos

Pessoa Humanos Recursos humanos Recursos humanos Terra Território Recursos

Naturais Ambiente Território

Recursos Naturais e Materiais Institui- ções Instituições Políticas Instituições Econômicas Instituições Sociais Instituições Militares Instituições C & T Fonte: Adaptado de BRASIL (2008b)

De modo sintético, pode-se afirmar que a Expressão Política define o que deve ser feito, em consonância com os Objetivos Nacionais. À Expressão Econômica, compete utilizar todos os meios disponíveis para fazer o que deve ser feito e servir à sociedade, provendo-lhe meios de subsistência autossustentada. À Expressão Militar compete prover segurança e defesa con- tra possíveis ameaças internas e externas. À Expressão Psicossocial, cabe permitir o livre de- senvolvimento da cultura nacional, através do usufruto de todas as condições providas pelas demais Expressões, de forma que as pessoas possam buscar a felicidade e a satisfação de suas necessidades, aspirações e interesses – o Bem Comum – dentro de restrições sociais, éticas e morais aceitáveis. Para definir o papel da Expressão Científico-Tecnológica é importante es- tabelecer a diferença entre os termos ciência e tecnologia. De acordo com Longo (1987, 2001) ciência é o conjunto organizado dos conhecimentos relativos ao universo, envolvendo seus fenômenos naturais, ambientais e comportamentais. Normalmente, ela é praticada por filóso- fos, amantes do conhecimento, e por cientistas, e o ambiente mais apropriado para que a ciên- cia seja feita é o ambiente acadêmico-universitário. Ali, o conhecimento pode e deve ser pra- ticado na sua forma mais pura, isto é, o conhecimento pelo próprio conhecimento, sem visar uma aplicação imediata. Uma definição mais completa foi oferecida por Ander-Egg (1978, p. 15): “a ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos meto- dicamente, sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natu- reza".

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Aqui entendida como um conjunto de normas sociais, geralmente de caráter jurídico, que gozam de reconhe- cimento social. (Srour, 1992, p. 108).

Tecnologia pode ser entendida como uma forma de conhecimento aplicado ou transfor- mado. Normalmente, são fazedores de tecnologia os engenheiros e os técnicos, e o ambiente mais apropriado para que ela seja feita é o ambiente dos centros de Pesquisa e Desenvolvi- mento (P&D) (LONGO, 1987; 2001). Para Figueiredo (2009), tecnologia não é ciência apli- cada ou mera aplicação de conhecimento científico. Também, não é informação ou bem pú- blico, nem somente maquinaria ou equipamentos. “Ela é um corpo específico de conhecimen- to, retido por pessoas e organizações, que muitas vezes pode estar documentado, ser tácito ou ambos” (FIGUEIREDO, 2009)

Assim, pode-se entender que a Expressão Científico-tecnológica funciona como o motor primário do Poder Nacional. Sem conhecimento, puro e aplicado; sem tecnologia e inovação; e sem produto, processo ou serviço, não se obtém uma Expressão Econômica forte e, sem esta, ter-se-á uma Expressão Psicossocial abalada, uma Expressão Política sem capacidade de definir o que deve ser feito e, finalmente, uma Expressão Militar sem ter o que tornar seguro ou defender.

A partir de agora, a discussão fica madura o suficiente para avançar sobre a concepção de Política Nacional e Estratégia Nacional. A Política Nacional está relacionada com os Obje- tivos Nacionais Fundamentais, previstos na Constituição Federal, que são: democracia, inte- gração nacional, integridade do patrimônio nacional, paz social, progresso e soberania. Ela não pode ser confundida com Política de Governo que é estabelecida em consonância com a conjuntura, lembrando que um Governo possui um prazo definido para existir, enquanto que a Nação é permanente.

Para garantir a consecução dos Objetivos Nacionais Fundamentais, o Estado faz uso de todas as expressões do Poder Nacional. Dependendo do tipo de óbice ou ameaça, uma deter- minada expressão poderá ser prioritariamente aplicada. Óbices são obstáculos de toda ordem que dificultam ou impedem a conquista e manutenção de Objetivos e ameaças são fatores perturbadores capazes de alterar o estado de segurança (BRASIL, 2008b).

Para atingir aos objetivos traçados pela Política Nacional e superar os obstáculos e/ ou os fatores perturbadores, quando eles agem no sentido de dificultar a consecução dos Objetivos Fundamentais, o Estado deve adotar uma estratégia, neste caso, chamada de Estratégia Nacio- nal, definida como “a arte de preparar e de aplicar o Poder Nacional para, superando os óbi- ces, alcançar e preservar os Objetivos Nacionais, de acordo com a orientação estabelecida pela Política Nacional” (BRASIL, 2008b).

Do exposto, surgem as seguintes perguntas, em que medida os Objetivos Nacionais Fun- damentais da Nação brasileira estão sujeitos a ameaças? Todas as Expressões do Poder Naci- onal estão suficientemente preparadas para superar as novas ameaças que estão surgindo?

Para responder a estas questões, há que se pensar que, para cada tipo de ameaça, o Estado poderá intervir pelo emprego de uma ou mais Expressões do Poder Nacional. Se a questão estiver relacionada, por exemplo, com uma epidemia, o Estado vai exigir que as Expressões Econômica e Psicossocial (órgãos de saúde etc.) atuem para resolver a questão. Se o problema estiver relacionado a desastres ambientais, provavelmente, vai contar com órgãos da Defesa Civil e outras expressões serão acionadas. Em qualquer caso, a Expressão Militar do Poder Nacional12 ou, simplesmente, Poder Militar, poderá ser acionada, na forma da lei, como já vem sendo de longo tempo, caso os órgãos responsáveis não estejam aptos a vencer aos óbi- ces impostos pela conjuntura. Se o País é invadido militarmente não há dúvida de que essa circunstância (ou ameaça) é própria das Forças Armadas e, portanto, irá requerer, prioritaria- mente, mas não somente, um aparato militar para resolvê-la.

Em termos de Expressão Econômica, o País já ocupa a sexta posição na economia mun- dial, segundo o ranking do Banco Mundial em 2011. O País aparenta ter uma economia sólida e robusta. Em termos de expressão psicossocial, tem uma população coesa, que busca a felici- dade e o bem comum, mas que, por outro lado, possui uma série de mazelas para enfrentar (crime organizado, tráfico de drogas e armas, contrabando, desigualdades etc.).

No que tange às Expressões Militar e Científico-Tecnológica, esta pesquisa pretende aprofundar em seu estudo e demonstrar quais os pontos fortes, os óbices e os desafios que ambas têm a enfrentar. Para isso, torna-se necessário adotar uma linha de visada em que tais expressões se sobressaiam. A premissa que contribui para isto é a de que, quando a Nação precisar empregar o Poder Militar, com prioridade, este não poderá prescindir de tecnologia, preferencialmente autóctone, para enfrentar as novas ameaças que estão surgindo.

Embora este modelo teórico confira ênfase à Expressão Militar na execução das ações de defesa, esta expressão poderá não ter êxito sem o concurso das demais.

Dentro deste enfoque, após o estabelecimento, pela Expressão Política, do que deve ser feito, a Expressão Militar deve planejar as Forças, dimensionar os meios e definir as necessi- dades de emprego, as especificações e os requisitos dos diversos sistemas de armas a serem empregados nestas ações (operações). A Expressão Científico-tecnológica deve conceber e

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A expressão militar do Poder Nacional é a manifestação, de natureza preponderantemente militar, do conjunto dos homens e dos meios de que a Nação dispõe que, atuando em conformidade com a vontade nacional e sob a direção do Estado, contribui para alcançar e manter os objetivos nacionais.

coordenar junto aos centros de pesquisa e à indústria o desenvolvimento desses sistemas. Fe- chando o ciclo, a Expressão Econômica deve produzir, manter e atualizar os sistemas de ar- mas, mantendo-se alerta para eventuais necessidades de mobilização. Cabe à Expressão Psi- cossocial usufruir o sentimento de segurança provido pelo preparo e emprego das Ações de Defesa preconizadas pela Política de Defesa Nacional.

Em função das novas ameaças e do que já fora exposto até este ponto, vale a pena apro- fundar nos tipos de ações (operações) que, de acordo com o documento Doutrina Militar de Defesa, são passíveis de serem empregadas pela Expressão Militar do Poder (Forças Arma- das). De modo resumido são apenas dois tipos: de guerra e não-guerra. Por questões metodo- lógicas, esta pesquisa não aprofundou nas operações de Guerra, que são aquelas que empre- gam preponderantemente o Poder Militar, explorando a plenitude de suas características de violência. São as operações de Defesa da Pátria.

O trabalho foi conduzido na trilha das novas demandas e da moderna interpretação da missão constitucional das Forças Armadas, na qual fica evidenciada a necessidade de as mesmas estarem aptas para operações de amplo espectro, em especial as de não-guerra. A seção 3.3 explora esta questão com maior profundidade.