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O CAMPO OBSERVACIONAL: SEGMENTO DE NÃO GUERRA

3 A REALIDADE REFERENCIAL

3.3 O CAMPO OBSERVACIONAL: SEGMENTO DE NÃO GUERRA

Até bem pouco tempo atrás, o Estado e a sociedade tinham a interpretação de que o Poder Militar (Forças Armadas) deveria estar voltado, fundamentalmente, para as atividades de De- fesa Externa ou Defesa da Pátria13. De fato a missão principal continua sendo esta, a qual não pode ser descaracterizada. Contudo, as Forças Armadas (FA) destinam-se também à garantia dos poderes constitucionais e à garantia da lei e da ordem, e a outras atividades atinentes às operações de não-guerra, conforme preconiza a Portaria Normativa nº 113 /SPEAI/MD, pu- blicada em 2007, que trata sobre a Doutrina Militar de Defesa (DMD).

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O surgimento das novas ameaças colocou em evidência o segmento de não-guerra, que é o campo observacional desta pesquisa e foi detalhado nesta seção. O segmento de não-guerra engloba as operações ou situações que, embora empregue o Poder Militar, no âmbito interno e externo do País, não envolve o combate propriamente dito, exceto em circunstâncias especi- ais, onde este poder é usado de forma limitada. O Estado emprega nestes tipos de operações uma variedade de outras agências governamentais e não governamentais. Na maior parte des- tas operações, as Forças Armadas (FA) estarão no comando das ações. No entanto, existem ocasiões em que elas não exercem necessariamente o papel principal e nem o comando (BRASIL, 2007a).

Dentre as principais operações de não-guerra destacam-se: a garantia da lei e da ordem (Ex: morro do alemão 2011, greve das instituições de segurança públicas etc.); atribuições subsidiárias (construção de estradas, portos, aeroportos etc.); prevenção e combate ao terro- rismo (grandes eventos, Eco 92, Copa do Mundo, Olimpíadas, etc.); ações sob a égide de or- ganismos internacionais (ONU (Haiti, Angola), OTAN etc.); emprego em apoio à política externa em tempo de paz ou crise (Ex: Petrobrás na Bolívia); ação humanitária, operações de resgate, defesa civil; garantia dos poderes constitucionais; controle de armas e de produtos controlados; patrulha naval – implementação e fiscalização do cumprimento de leis e regula- mentos, em Águas Jurisdicionais Brasileiras, na Plataforma Continental brasileira e no alto- mar, respeitados os tratados, convenções e atos internacionais ratificados pelo Brasil; e outros empregos de não-guerra.

O conceito de operações de não-guerra foi elaborado pela doutrina militar norte- americana, visando cobrir um espectro de operações militares que deveriam se opor às cha- madas “novas ameaças”. Embora elas tenham sido denominadas de “novas”, a maior parte destas ameaças já existiam (crime organizado, terrorismo, narcotráfico, degradação ambiental etc.). No entanto, elas foram potencializadas pelos modernos meios tecnológicos que, hoje, estão à disposição daqueles que desejam produzir efeitos perturbadores capazes de alterar o estado de segurança coletiva. Os ataques terroristas, conduzidos por Osama Bin Laden, às embaixadas norte-americanas e ao World Trade Center, os ataques cibernéticos de 2007 e 2009 e o ataque com gás Sarin no metrô de Tóquio são alguns exemplos recentes destes eventos.

A reação a esta percepção de insegurança está impondo profundas modificações nas es- truturas e no modo de atuação do Poder Militar de diversas nações. Tal assertiva pode ser comprovada pela ampla utilização de meios de elevada tecnologia incorporada às tropas, utili-

zando meios de emprego militar como veículos aéreos, terrestres e anfíbios não-tripulados, radares de vigilância aérea e terrestres, satélites militares e outras inovações que estão sendo adotadas. Toda esta tecnologia, também, tem contribuído para a redução de efetivos militares, conforme se observa, atualmente, em Forças Armadas de países como Alemanha, França e Espanha, por exemplo.

Este processo, conhecido como (Transformação de Defesa), está atrelado à Revolução em Assuntos Militares ou Revolution of Military Affairs, iniciada nos EUA a partir de 2002, conforme explanado na introdução deste trabalho. De acordo com especialistas como Covar- rubias (2005) e Enzo (2011), o fenômeno da “Transformação da Defesa” só é viável com a ruptura de alguns modelos tradicionais de administração e com a introdução de uma nova cultura organizacional que promova um ambiente adequado ao processo de inovações no setor de Defesa.

Além disto, para se defrontar com estas novas demandas, a Expressão Militar do Poder Nacionalnão poderá prescindir de meios de emprego militar autóctones e de alta tecnologia. Ou seja, para habilitar o Poder Militar a estas demandas, o País não pode prescindir de produ- tos de Defesa, de guerra e não-guerra, dotados de tecnologia moderna e genuinamente brasi- leira.

Segundo O’Neill (2011), do banco Goldman Sachs, o País caminha para ser a quinta eco- nomia mundial nas próximas décadas. Além disto, dispõe de indústrias com potencial para dar um salto tecnológico, especialmente aquelas ligadas ao setor de Defesa, mas, para tanto, elas necessitam saber qual rumo será tomado pelas Forças Armadas e quais os equipamentos que elas irão necessitar para desempenhar seu novo papel na guerra do futuro.

Em 2008, após a sociedade e o poder político terem identificado a questão acima, foi aprovada a Estratégia Nacional de Defesa (END), elaborada pela Secretaria de Assuntos Es- tratégicos (coordenadora), em cooperação com o Ministério da Defesa, e outros Ministérios como: da Fazenda, Ciência e Tecnologia e Planejamento, Orçamento e Gestão. Além dos as- pectos de ordem estratégico-militar, o documento, pela primeira vez, menciona a inter-relação entre uma estratégia de defesa e a Base Industrial de Defesa (BID), traçando explicitamente um plano para a indústria nacional de Defesa, identificando alguns desafios a serem supera- dos.

O principal deles refere-se à reorganização da indústria brasileira de material de defesa, para assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas apoie-se em tecnologias de domínio nacional. Revisada em 2012, a END é um documento

abrangente que estabelece uma série de ações que visam a transformar as Forças Armadas, levando-as a um novo patamar, de modo a capacitar a instituição para o cumprimento de sua missão constitucional.

Neste contexto, a ideia de transformação da Defesa se fortalece. Há necessidade de trans- formações não só em relação ao emprego de equipamentos com novas tecnologias, mas tam- bém na doutrina militar14. De acordo com Covarrubias (2005, p.22), a definição de transfor- mação já está bem consolidada em âmbito mundial. O autor entende que a transformação é o processo de antecipar as mudanças naturais em assuntos da esfera militar e de cooperação, através de uma combinação de conceitos, capacidades, indivíduos e organizações, explorando as vantagens da nação e protegendo-se contra ameaças diversas.

É, também, importante ressaltar que o termo “não-guerra” faz parte da moderna interpre- tação que se dá ao papel das Forças Armadas na conjuntura atual. A missão das Forças Arma- das está muito bem delineada na Constituição Federal. No entanto, em função das “novas ameaças”, algumas sentidas e outras apenas visualizadas, o Congresso Nacional promulgou, em 1999, a Lei Complementar nº 97, a qual alterada pela Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, deu um novo enfoque para a missão das Forças Armadas, detalhando novas condicionantes que influem no modo de organizar, preparar e empregar o poder militar (BRASIL, 1999a). Além disso, com a criação do Ministério da Defesa, em 1999, novas políti- cas, estratégias e doutrinas vêm sendo implementadas pelo Comandante Supremo das Forças Armadas (Presidente da República – nível político), modificando as estruturas internas e dan- do uma nova roupagem ao Poder Militar, ao menos aos olhos da sociedade. Entre elas pode-se citar a Política de Defesa Nacional (PDN), que é o documento de mais alto nível do Planeja- mento de Defesa e tem por finalidade estabelecer os objetivos e as diretrizes para o preparo da capacitação nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas as esferas do Poder Nacional (BRASIL, 2005a). A PDN, que foi reeditada em 2012 com o nome de Política Nacional de Defesa (PDN), está voltada, preponderantemente, para ameaças externas, mas não só a elas. O documento é composto por uma parte política, que contempla os conceitos, os ambientes internacional e nacional e os objetivos da defesa, além de englobar algumas orien- tações estratégicas. Tem como premissas os fundamentos, objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal e encontra-se em consonância com as orientações governamentais e a política externa do País, a qual se fundamenta na busca da solução pacífica das controvérsias e no fortalecimento da paz e da segurança internacionais.

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Alinhadas com a PND estão a END, que argumenta sobre a necessidade de maior apro- ximação do poder militar com a sociedade, especial com a indústria de defesa e com a univer- sidade (BRASIL, 2008a); e a Política Militar de Defesa (PMD), que tem por finalidade orien- tar os planejamentos estratégicos militares das Forças Armadas e do Estado-Maior de Defesa, atual Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas - EMCFA (BRASIL, 2005c).

Para traduzir as diretrizes políticas e estratégicas para as tropas, ditando o modo de orga- nizar as Forças para cumprimento da missão, a forma de preparar o poder militar e o modo de “combater” ou atuar contras as ameaças, o MD estabeleceu a Doutrina Militar de Defesa (DMD), que tem o propósito adicional de prover entendimentos comuns às FA, propiciando condições para um eficaz emprego conjunto (BRASIL, 2007a). A DMD é o documento nor- mativo mais importante para caracterizar o segmento que estamos investigando, pois, além de abordar conceitos importantes para o setor de Defesa como Doutrina, Defesa e Segurança, Poder Nacional e suas Expressões, Crises e Conflitos e Princípios de Guerra, ele emite a defi- nição do termo não-guerra (Campo Observacional). Para caracterizá-lo, este trabalho procu- rou seguir o protocolo estruturalista de Lévi-Strauss (1970). Conforme Thiry-Cherques (2008), elegeu-se um Campo existente, passível de definição e cujos limites e parcela do Cor-

pus de Elementos foram descritos nesta seção.