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Interesses dos Agentes da Inovação

ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CAMPO

6.2 RECONCEITUAÇÃO DOS ELEMENTOS SUBJACENTES

6.2.1 Interesses dos Agentes da Inovação

Este Elemento refere-se aos interesses dos principais agentes que atuam na geração de inovações no segmento de não-guerra do setor de Defesa: o Governo, as Forças Armadas, a Base Industrial de Defesa (BID), as Instituições de Ensino Superior (IES) e os Centros de Pesquisas.

Nos capítulos anteriores, buscou-se caracterizar cada um destes agentes. Nesta seção, se- rá ampliada a discussão sobre cada um deles e, ainda, serão apresentados os principais “Inte- Figura 32: Estrutura subjacente – primeiro modelo

resses dos Agentes”, quando estão buscando inovar no segmento de não-guerra do setor de

Defesa. Tais interesses foram levantados durante a pesquisa bibliográfica e documental e, também, na pesquisa de campo de caráter exploratório realizada.

Primeiramente, vale lembrar que o setor de Defesa tem características muito peculiares. O Governo Federal, por exemplo, além de agir como instituição reguladora, normativa e de fomento, por vezes age como agente consumidor de PRODE. Este Agente pode adquirir ou influenciar aquisições de materiais de emprego militar para as Forças Armadas, para as Polí- cias Federais ou para outros órgãos. Para esta pesquisa, é importante caracterizar que o Agente

Governo engloba todas as instituições governamentais, incluindo as Forças Armadas, mas o

relacionamento existente entre o Governo Federal e as Forças, também, foi alvo desta pesqui- sa. Outro aspecto a ser destacado é que o mercado de produtos de Defesa caracteriza-se como monopsônico, ou seja, o Governo (Estado) é o principal comprador, senão o único. De fato, as Forças Armadas são os principais clientes da BID. Além disto, é importante ressaltar que elas, também, possuem Centros de Pesquisa e Institutos Militares (IME e ITA). Estes últimos são enquadrados na categoria IES/ Universidades, para efeito desta pesquisa.

Outro agente que merece ser mais bem contextualizado é a BID30, que já foi superficial- mente explorado nos tópicos anteriores. Não é tarefa simples definir a BID e torna-se mais complexa pelo fato de que o que determina se uma firma31 (empresa, indústria) integra a BID de um país não é, necessariamente, o que ela produz, mas se este produto/tecnologia tem uso para o exercício da função Defesa Nacional. Desta forma, “as firmas pertencentes à BID não se restringem a um setor específico, portanto não podem ser facilmente identificadas a partir de classificações setoriais, como CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas, do IBGE)” (ABDI, 2010).

Em virtude disto, o conceito de Base Industrial de Defesa não é consensual. Há critérios mais amplos, como o da “lista de compras” 32 ou mais restritos como o da SIPRI (2004), que define a BID como a base de firmas cujos produtos e serviços têm impacto crucial na relação entre países, ou mesmo nas relações Estado-Sociedade33. Este conceito deixa de fora muitas empresas nacionais que atuam no setor como, por exemplo, indústria fabricante de passarelas

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BID (Base Industrial de Defesa) é um termo utilizado pelo MD e consta da PNID (Brasil, 2005b).

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Firma é uma unidade autônoma de planejamento administrativo. É uma coleção de recursos produtivos, cuja alocação entre diferentes usos é determinada por decisões administrativas. (Penrose, 1959 Apud Guimarães, 2003).

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Compreende simplesmente a gama de firmas que provê produtos para as Forças Armadas.

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Este critério, segundo Sandler e Hartley (1995, p. 244) focaliza cinco grandes categorias de equipamentos (aeroespacial militar, artilharia, sistemas de navegação/vigilância, mísseis e embarcações militares).

ou pontes metálicas. Existem, ainda, outros critérios, como da “lista censurada34”, mas que não foram alvos desta pesquisa.

A Associação Brasileira das Indústrias de Defesa (ABIMDE), a qual, assim como a END, utiliza o termo Indústria Brasileira de Material de Defesa (IBMD) como sinônimo para BID, adota uma definição que busca privilegiar a indústria nacional:

[...] conjunto de empresas e instituições nacionais, privadas ou públicas, inclu- sive sociedades de economia mista e organizações militares, que participam de uma ou mais das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manuten- ção de produtos de defesa (ABIMDE, 2011).

Contudo esta pesquisa irá trabalhar com a definição do Ministério da Defesa, que consta da PNID 2005:

Base Industrial de Defesa – BID: é o conjunto das empresas estatais e privadas, bem como organizações civis e militares, que participem de uma ou mais das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos es- tratégicos de Defesa (BRASIL, 2005b).

A Lei 12.598, de março de 2012, conhecida como lei do PRODE, regulamentada pelo Decreto 7970, de março de 2013, trás novos conceitos que complementam o conceito de BID. Entre eles destacam-se: a Empresa Estratégica de Defesa (EED), a Empresa de Defesa (ED) e o Produto Estratégico de Defesa (PED) e Sistemas de Defesa (SD).

Toda empresa da BID é considerada ED (empresa de defesa), desde que cadastrada no banco de dados do MD e produza ou integre a cadeia produtiva de PRODE. Algumas destas empresas serão consideradas EED35 (Empresa Estratégica de Defesa), caso realizem ativida- des de pesquisa, projeto, desenvolvimento, industrialização, prestação dos serviços, produção, reparo, conservação, revisão, conversão, modernização ou manutenção de PED (produto es- tratégico de Defesa) no País. Por sua vez, PED é todo PRODE que, pelo conteúdo tecnológi- co, pela dificuldade de obtenção ou pela imprescindibilidade, seja de interesse estratégico para a Defesa Nacional. Somando-se a estes conceitos, a referida Lei aborda sobre Sistemas de Defesa (SD), que é entendido como um conjunto inter-relacionado ou interativo de Prode que atenda a uma finalidade específica, por exemplo, SISFRON (Sistema Integrado de Moni- toramento de Fronteiras).

Verifica-se, assim, que o conceito de BID engloba as ED e as EED, contendo outras em- presas não cadastradas pelo MD.

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Segundo este critério, a BID seria composta pelas “n” maiores fornecedoras de produtos para as Forças, somadas a outras firmas consideradas vitais para o exercício da função defesa nacional (Ratner e Thomas, 1990 apud Sandler e Hartley, 1995, p. 183).

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Também é importante observar que, na literatura existente, encontram-se diversos sinô- nimos para BID. Os principais são Indústria Brasileira de Material de Defesa (IBMD), Con- forme consta da END, e Complexo Industrial de Defesa (CID), conforme consta da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Mas, além destes, são encontrados os seguintes ter- mos: Indústria Nacional de Material de Defesa (INMD), Indústria Brasileira de Defesa (IDB); base industrial, logística, científica e tecnológica, nacional, de Defesa e outros.

Mas por que é tão importante ter uma BID forte? Em primeiro lugar, tem sido argumen- tado que o principal benefício de uma BID competitiva para um país é a possibilidade de não depender de outras nações quando for necessário exercer efetivamente a função Defesa, asse- gurando rápida capacidade de mobilização e resposta. Em segundo lugar, “a BID competitiva pode modificar/ reaparelhar o equipamento militar durante o conflito” (SANDLER E HAR- TLEY, 1995, p. 185). Pode-se dizer que o fortalecimento da BID, também fortalecerá todas as Expressões do Poder Nacional, com ênfase no Poder Militar.

Além disso, quanto mais autóctone for a BID, mais o País estará livre de monopólios in- ternacionais, não necessariamente dos preços do contrato em si, mas dos preços do ciclo de vida do produto36. Isto não quer dizer que o País deva ter aversão à importação, ao contrário, as parcerias e alianças são fundamentais. O que não é válido é a dependência dos chamados produtos estratégicos de defesa. Em terceiro lugar, “a BID pode apresentar benefícios econô- micos, muito especiais para países em desenvolvimento. Tais benefícios podem se manifestar em empregos, na área tecnológica e no balanço de pagamentos” (SANDLER E HARTLEY, 1995, p. 186). Além do que, segundo Sandler e Hartley (1995), por ser um segmento da eco- nomia na vanguarda tecnológica, considera-se que podem existir externalidades (spill-over) de inovações para o setor civil. Exemplos de tecnologias inicialmente militares que posteri- ormente tiveram aplicação civil abundam, notadamente, na área de Tecnologia da Informação e Comunicação: GPS, o uso de redes neurais, a internet, a telefonia móvel e outras (ABDI, 2010).

De acordo com a ABDI, os benefícios em termos de balanço de pagamentos aparecem na forma de economia de divisas e até mesmo exportação de equipamentos. Segundo a OCDE, a relação valor agregado/peso dos produtos de defesa varia de US$ 200/Kg, no caso de fogue- tes, até US$ 8.000/Kg, no caso de aeronaves militares. No caso de commodities, como ferro e produtos agrícolas, esta relação não ultrapassa os US$ 0,30/Kg, segundo a Tabela 1 a seguir.

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O termo “ciclo de vida” refere-se à maioria das atividades no decurso da vida de um produto desde a sua fabricação, utilização, manutenção, e deposição final; incluindo aquisição de matéria-prima necessária para a fabricação do produto. (INCOSE, 2012).

Tabela 1 − Valor agregado ao produto por segmento industrial

Segmento US$/Kg

Mineração (ferro) 0,02

Agrícola 0,3

Aço, Celulose etc. 0,3-0,80

Automotivo 10

Eletrônico (áudio, vídeo) 100

Defesa (foguetes) 200

Aeronáutico (aviões comerciais) 1.000 Defesa (mísseis) /Telefones celulares 2.000 Aeronáutica (aviões militares) 2.000-8.000

Espaço (satélites) 50.000

Fonte: OCDE

Segundo investigação exploratória, realizada por este pesquisador em oito indústrias de Defesa localizadas na cidade de São José dos Campos, São Paulo (descrita no capítulo 4), o País dispõe de Base Industrial de Defesa (BID) ávida por dar um salto tecnológico, mas para tanto, elas necessitam saber qual rumo será tomado pelas Forças Armadas, quais os equipa- mentos militares serão necessários para que as Forças desempenhem seu novo papel na guerra do futuro e qual o orçamento ou o plano de investimento o Estado brasileiro está disposto a desembolsar regularmente.

De qualquer forma, nenhuma nação jamais investiu em sua BID visando apenas pelos seus benefícios econômicos; as exportações e os possíveis efeitos spin-off são posteriores à decisão de se fortalecer a BID (DAGNINO E CAMPOS FILHO, 2007, p.193-205). Manter uma BID nacional competitiva, além de ampliar a independência do País e a capacidade de mobilização, pode representar benefícios econômicos significativos.

De acordo com a tradicional metáfora de Paul Samuelson, talvez seja necessário sacrifi- car alguns tabletes de manteiga a mais do que o expresso em termos de preços relativos para que o País tenha mais canhões37.

Isto posto, cabe destacar o motivo pelo qual este pesquisador optou por escolher “Interes-

ses dos Agentes” no lugar de “Interesses dos Atores ou Sujeitos”. De acordo com Thiry-

Cherques (2008), o estruturalismo é uma filosofia sem sujeito. Segundo o autor, o próprio Bourdieu prefere o conceito de agente. Para Bourdieu, todo agente (indivíduo ou grupo), para subsistir socialmente, deve participar de um “jogo” que lhe impõe sacrifícios. “Os indivíduos são agentes na medida em que atuam e que sabem que são dotados de percepção, de um senso prático, de um sistema adquirido de preferências, de classificações” (BOURDIEU, 2005). Foi

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Paul Samuelson foi um economista que cunhou a esta metáfora visando ilustrar o conceito de custo de oportunidade: caso uma sociedade quisesse aumentar seu nível de defesa nacional - produzir mais canhões -, precisaria reduzir a produção de outros bens – no caso, ilustrada pela “manteiga”.

com os argumentos de Bourdieu, associados às teorias de sistemas inovação, que elegi este

Elemento: Interesse dos Agentes.

Os agentes (Indivíduos, grupos ou organizações) possuem interesses diversos que reme- tem ao que Bourdieu denominou de Illusio. A noção de Illusio é parte integrante de muitos dos trabalhos de Pierre Bourdieu. O termo complementa os conceitos de habitus e de Campo, permitindo entender um pouco melhor as lógicas do mundo social. Segundo Bourdieu (1996, p. 258), todo campo social (religioso, artístico, científico, econômico, familiar etc.) tem suas relações pautadas na illusio. “Ela é tanto a condição como o produto do funcionamento de qualquer campo” (BOURDIEU, 1996, p. 258). De acordo com o autor, cada campo produz sua forma específica de illusio, no sentido de investimento no “jogo”, o qual pode ser enten- dido como todo tipo de relação social entre os agentes, sejam eles grupos ou estruturas soci- ais. A illusio é em grande parte dos casos o próprio interesse dos participantes de um campo. É entendida como uma motivação inerente a todo indivíduo dotado de um habitus e em de- terminado campo (SETTON, 2002, p.64). Além disso, cada campo tem um interesse que é fundamental e comum a todos os agentes (THIRY-CHERQUES, 2006, p.38).

A reflexão sobre o Interesse é essencial a este trabalho, pois, de acordo com Bourdieu (2005), é o interesse que leva o ator a agir. Para ele, a importância dessa discussão se deve ao fato de que os agentes sociais não atuam aleatoriamente. Toda ação é precedida de uma razão, em função de um ou mais interesses.

Desse modo, nessa pesquisa, os Interesses dos Agentes são todas as motivações mobili- zadas quando o agente tem intenção de inovar. Ou seja, o que leva os agentes a inovar são seus interesses. Conforme demonstrado na Figura 32, os interesses, também, influenciam ou têm potencial para influenciar a formação de alianças, mas isso não quer dizer que eles este- jam focados diretamente sobre elas. Ressalta-se que o foco dos Interesses está na inovação e podem ser atingidos sem a necessidade da realização de parcerias.

A palavra “interesse” carrega um preconceito. De modo geral, ela é vista com o signifi- cado assumido no contexto das relações econômicas: lucro, ganho, vantagem ou proveito. Por vezes, até mesmo nas relações econômicas, os envolvidos não se sentem a vontade para falar abertamente de seus interesses, que ficam implícitos nos acordos verbais ou escritos ou es- condidos nas intenções não manifesta dos parceiros, especialmente quando envolve assuntos de Defesa. Porém, Mauss (1985) aponta outros significados, como atenção, benevolência, curiosidade, boa vontade e simpatia. Portanto, a palavra pode ter tanto conotação de algo van- tajoso, como de uma disposição favorável em relação a alguém ou alguma coisa.

Para facilitar a organização da pesquisa de campo, buscou-se investigar os Interesses dos

Agentes nas seguintes subcategorias: individual, organizacional, setorial (grupais) e governa-

mental. Este último, balizado pelos interesses e aspirações de uma Nação, apontados pela ESG e discutido em seções anteriores.

Alguns dos principais interesses levantados durante as pesquisas exploratória, documen- tal e bibliográfica estão descritos no Quadro 9. A pergunta feita aqui, para proceder à investi- gação, foi: Qual o “Interesse dos Agentes” quando estão buscando inovar no setor de Defesa (segmento de não-guerra)?

Quadro 9: Interesses principais dos Agentes Sociais. Tipos de Interesses

Individuais Organizacionais Setoriais Governamentais

Melhores condi- ções de trabalho

Lucro/ Competitividade; Ampliação da Capacidade Operacional (FA)

Abertura de novos merca- dos de Defesa Segurança e Integridade do patrimônio nacional Reconhecimento profissional Aumento do patrimônio material (materiais e equi- pamentos)

Desenvolvimento das organizações do setor

Desenvolvimento econô- mico, militar e científi- co-tecnológico

Recompensas (fi- nanceiras ou não)

Desenvolver vantagem com- petitiva

Contribuir para desen- volvimento do País

Democracia e paz social Satisfação em

contribuir para engrandecimento da organização

Contribuir para desenvolvi- mento e ampliação do seg- mento

Fortalecimento da BID, da Imagem das Forças Arma- das; das Universidades

Projeção do Poder Mili- tar como fator dissuasó- rio

Promoção na carreira

Oferecer melhores produ- tos e serviços para clien- tes

Expansão do número de empresas

Ampliação do bem estar social

Participação no processo decisório

Ampliar o nível de satisfa- ção dos empregados / cola- boradores/ militares

Ampliação das pesquisas relativas à Defesa nas Universidades

Controle dos militares pelos civis

Demonstração de capacidade profis- sional

Modernização e fortaleci- mento do poder militar (For- ças Armadas)

Desenvolvimento do setor Educacional, Militar e Industrial

Progresso e soberania

Fonte: Elaborado pelo autor.

Conforme dito anteriormente, acreditava-se que os Interesses eram influenciados pelos

Tipos de Agentes envolvidos nas interações. Por exemplo, o interesse existente na relação

entre Forças Armadas e BID, pode ser diferente do interesse que envolve BID e IES.

Dentre as interações intra e interorganizacional, pode-se obter inúmeras combinações. As que interessaram, para este trabalho, foram aquelas em que as Forças Armadas estavam en- volvidas: Forças Armadas x Governo; Forças Armadas x Indústria; Forças Armadas x Insti-

tutos de Ensino Superior; Forças Armadas x Institutos de Pesquisa; Forças Armadas x For- ças Armadas (Exército x Marinha; Exército x Aeronáutica; e Marinha x Aeronáutica). As

interações possíveis com as Forças Armadas. Entretanto, a influência do Tipo de Agentes não se confirmou neste trabalho, conforme será explicado no capítulo 8.

Para que os relacionamentos entre os agentes sejam eficazes para o sistema de inovação, o que, de acordo com a literatura, é fundamental para a maturidade do processo de inovação, deve haver uma conjunção de valores comuns que favoreça tal interação. Isto direciona a pes- quisa para o próximo Elemento: Fatores valorativos para Inovação.