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Sob as luzes da instrumentalidade do processo, impõe-se ao estudioso, no atual estágio de desenvolvimento da ciência processual, que tenha os olhos voltados aos

objetivos perseguidos pelo processo, que lhe são externos; que se preocupe com os

62 Art. 5º, LXVII, CF. A prisão civil do depositário infiel, aparentemente permitida pela letra do dispositivo

constitucional em questão, é proibida por força da Súmula Vinculante nº 25, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. De outro lado, acerca da discussão sobre a possibilidade de prisão como meio coercitivo para a efetividade da execução específica, v. A. F. NASCIMBENI, Multa e prisão civil como meios coercitivos para obtenção da tutela específica, 2005, esp. pp. 181-244.

63 Decompondo a referida fórmula, assevera C. R. DINAMARCO que “a execução deve se pautar por duas balizas fundamentais, antagônicas mas necessariamente harmoniosas, que são (a) a do respeito à integridade patrimonial do executado, sacrificando-o o mínimo possível e (b) a do empenho a ser feito para a plena realização do exeqüente” (Menor onerosidade possível e efetividade da tutela jurisdicional, in Nova era do processo civil, 2009, p. 293).

resultados práticos que o processo produz na vida das pessoas, com a aptidão do

instrumento para dar tutela a quem tiver razão à luz do direito material e, assim, pacificá-

las com justiça64.

Persegue-se, com cada vez mais intensidade o processo efetivo65, compreendido, nas palavras de J. R. BEDAQUE, como aquele que, “observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material”66.

A lição também deve ser aplicada à execução67, em que o equilíbrio a ser buscado

contrapõe, sempre na medida do possível, de um lado, a máxima satisfatividade que a execução deve proporcionar ao credor, e, de outro, o mínimo sacrifício (ou sacrifício apenas no quanto razoável e necessário) ao patrimônio do devedor – fórmula acima examinada –; tudo isso em processo que seja tão célere quanto possível.

O exame da execução por tal perspectiva, no entanto, revela cenário assaz preocupante. A constatação é a de que a execução estava desequilibrada, em benefício do devedor, exageradamente protegido. Dificilmente proporcionava ao credor a satisfação de seu crédito, muito menos dentro de um prazo razoável assegurado pela Constituição68. Padecia, pois, de falta de efetividade.

64

Acerca dos escopos sociais do processo, v. C. R. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, 1987, p. 220 e ss.

65 Ou eficiente, no entendimento de J. G. GONÇALVES FILHO, para quem o gênero eficiência compreende celeridade e efetividade:“o princípio da eficiência está ligado a essa idéia de rapidez, presteza, utilidade, economicidade e acerto de situações, devendo tudo isto nortear a condução dos processos. Assim, o princípio constitucional da eficiência no processo civil é um gênero que se sudivide em quatro aspectos, ou subprincípios, cada qual revelando uma das facetas do valor eficiência no processo civil; são eles: o princípio da celeridade, o princípio da efetividade, o princípio da economicidade (ou economia processual) e o princípio da segurança jurídica” (O princípio constitucional da eficiência no processo civil, Tese (Doutorado), 2010, pp.37-38). Para o referido autor, efetividade corresponde à “real utilidade do instrumento para atingir seu propósito específico” (ob. cit., p. 38); celeridade está atrelada à idéia de tolerar “apenas a demora necessária e inevitável, não se compadecendo com delongas indevidas” (ob cit., p. 45); segurança diz com a previsibilidade, redução de incertezas e riscos e, por fim, economicidade significa “fazer mais com menos (sempre que possível). Diminuir custos, diminuir etapas, diminuir esforços (...) sempre que essas diminuições não implicarem lesão a direitos fundamentais das partes envolvidas (ob cit. pp. 58-59).

66 Efetividade do processo e técnica processual, 2006, p.49. 67

Não por outra razão, dez anos depois de publicar a obra Execução civil (primeira edição de 1973), C. R. DINAMARCO, a partir da terceira edição da aludida obra (1993), adaptou-a para “revisitar os institutos e conceitos executivos á luz das novas tendências do direito processual” (Execução civil, 1994, p. 28). Lembrando que o princípio da eficiência, é aplicável a qualquer atividade estatal, inclusive ao processo ou fase de execução, v. J. G. GONÇALVES FILHO, O princípio constitucional da eficiência no processo civil, Tese (Doutorado), 2010, p. 374.

Em fins da década de noventa, já observava L. GRECO que, se a “garantia da

proteção jurisdicional dos direitos dos cidadãos deve ser progressivamente mais rápida e eficaz”, e se “essa garantia pressupõe procedimentos executórios que de fato realizem, com essa mesma rapidez e eficácia, a entrega dos bens que são reconhecidos” no título executivo, “é desanimador verificar que justamente na tutela jurisdicional satisfativa o processo civil brasileiro apresenta o mais alto índice de ineficácia”69.

A crise de falta de efetividade da execução, vale registrar, não é problema exclusivamente brasileiro.

No começo da década de noventa, L. P. COMOGLIO destacou ser a execução um componente essencial do direito constitucional à efetividade da tutela judiciária e

denunciou que, no entanto, na prática, a execução, tal qual disciplinada, não estava conforme ao princípio constitucional de efetividade70.

No ano de 2003, o Conselho da Europa, organização internacional de cooperação especialmente na área jurídica, editou significativa recomendação na qual, por considerar a

execução das decisões judiciais corolário do direito humano fundamental a um julgamento justo num tempo razoável (este assegurado pelo art. 6 (1) da Convenção Européia de

Direitos Humanos)71, exigiu dos Estados-Membros o dever de assegurar às pessoas que

receberam uma decisão final e vinculante o direito à execução, ponderou que a não- execução ou o atraso em realizá-la torna esse direito inoperante e ilusório72 e estabeleceu um rol de critérios a serem observados para assegurar que a execução seja a mais efetiva e

eficiente possível 73.

69 A execução e a efetividade do processo, in RePro, nº. 94, 1999, p. 35.

70 Principi costituzionali e processo di esecuzione, in Rivista di diritto processuale, 1994, esp. pp. 457-458. 71 K. HENDERSON et al aponta julgados da Corte Européia de Direitos Humanos condenando os Estados em

decorrência da falta de efetividade da execução: Hornsby v. Greece, Judgment of March 19, 1997, Eur. Cour H.R., Reports 1997-II; Horvat v. Croatia, Judgment of July 26, 2001, Eur. Cour H.R. Referido autor indica, ainda, neste mesmo sentido, precedente da Corte Inter-Americana de Direitos Humanos:“Cinco Pensionistas” v. Perú, Judgment of February 28, 2003, Inter-Am. Ct. H.R., Series C No. 98 (2003) (Regional best practices: enforcement of court judgments. Lessons learned from Latin America, 2004, p. 3).

72 COUNCIL OF EUROPE, The enforcement of court decisions: recommendation Rec (2003) 17 and explanatory memorandum – legal issues, 2004, p.5.

73 Destacam-se (a) regras claras sobre poderes, direitos e responsabilidades dos envolvidos; (b) regras suficientemente detalhadas, que proporcionem certeza e transparência ao procedimento, para que este transcorra de maneira tão previsível e eficiente quanto possível; (c) dever de cooperação das partes; (d) obrigação do executado de fornecer informações atualizadas sobre seu patrimônio; (e) medidas para

Em 2004, a organização não-governamental Norte Americana IFES divulgou estudo capitaneado pelo Prof. K. HENDERSON, da Faculdade de Direito da Universidade de Washington, no qual foram apontados problemas, comuns a diferentes países, que comprometiam a efetividade da execução: (i) excesso de formalismo legal; (ii)

desnecessária supervisão judicial; (iii) atrasos indevidos; (iv) acúmulo de processos (v) corrupção e (vi) dificuldades na identificação e localização de bens do executado74.

As conseqüências da falta de efetividade da execução, importa lembrar, não atingem exclusiva e individualmente o exeqüente, que padece para tentar a satisfação de seu crédito, tampouco se restringe a aspectos jurídicos. Muito pelo contrário, o problema tem amplos desdobramentos econômicos75: a ineficiência do instrumento para satisfação coercitiva de créditos pecuniários engessa a atividade produtiva, compromete o comércio, encarece financiamentos76 e atinge a sociedade como um todo77.

A resposta do legislador pátrio foi dada por sucessivas reformas do Código de Processo Civil, com destaque, no que tange à execução, para as Leis 11.232/2005 e

impedir que, na execução, promova-se o re-julgamento do caso; (f) proibição de postergação/suspensão da execução, exceto em hipóteses previstas em lei, matéria que pode ser submetida ao controle dos Tribunais; (g) equilíbrio entre os interesses de exeqüente e executado e, se o caso, também entre estes e os de terceiros e (h) manutenção de bens essenciais no patrimônio do executado (COUNCIL OF EUROPE, The enforcement of court decisions: recommendation Rec (2003) 17 and explanatory memorandum – legal issues, 2004, pp.7-8). 74 Regional best practices: enforcement of court judgments. Lessons learned from Latin America, 2004, p. 4. 75 Como ponderou R. PERROT, um sistema de execução eficaz é condição de vitalidade econômica de um país

(Les enjeux de l’exécution des decisions judiciaries en matière civile, in L’ exécution des décisions de justice en matière civile, 1998, p. 11).

76 Cogitando-se de financiamentos, é certo que, quanto mais difícil e lenta a recuperação do montante

inadimplido, maior o “custo do dinheiro” e menor o volume disponível para tanto; maiores as taxas de juros e menor o incentivo para os novos financiamentos. Havendo mecanismos eficientes e rápidos para a satisfação do credor, desde que prestigiados pelo Poder Judiciário (v. nota 328 abaixo) e corretamente aplicados, os resultados – ao menos em tese – tendem a se inverter, em benefício da sociedade como um todo e, em especial, dos “bons mutuários”, que não se vêem obrigados a custear o risco proporcionado pelos maus devedores (v. BANCO CENTRAL DO BRASIL, Juros e spread bancário no Brasil, 1999, pp. 7-14).

77 Não por outra razão, Portugal invocou motivo de ordem econômica para justificar expressivas alterações

em seu sistema de execução adiante examinadas (item 5.1.1 abaixo). Na Exposição de Motivos do Decreto- Lei nº 226/2008, o Ministério da Justiça de Portugal referiu-se ao European Payment Index 2008, para dizer que “vários relatórios internacionais têm salientado que o atraso nos pagamentos é prejudicial à economia pois obriga a financiamentos desnecessários, origina problemas de liquidez e é uma barreira ao comércio”. O European Payment Index 2012, a propósito, salienta que o problema dos atrasos de pagamento continua representando expressivo problema para a economia européia e que poucos governos demonstraram real interesse em ajustar a legislação nacional para combater este problema – recomenda, a propósito, elevação dos consectários moratórios, a exemplo do que aconteceria nos países nórdicos (INTRUM JUSTITIA, European Payment Index 2012, p.3).

11.382/2006. Caminhou-se, e continua a se caminhar, no sentido de dotar o Estado-Juiz de um instrumento mais eficiente para a satisfação das crises de adimplemento.

Apenas modificações legislativas pontuais, no entanto, parecem insuficientes para lidar com crise de tamanha dimensão e conseqüências. Alterações mais profundas, inclusive de mentalidade dos operadores do direito, parecem ser necessárias.

Uma dessas alterações, verdadeiramente imprescindível, é a releitura da já referida fórmula trazida pelo artigo 620 do Código de Processo Civil78, releitura que atenda ao

princípio da proporcionalidade79 e capacite a execução a proporcionar a efetividade que dela se espera.

Outra, que toca mais diretamente ao presente estudo, é abandonar-se o mito de que,

num Estado democrático de Direito que respeite o devido processo legal, a condução da execução deva ser necessariamente atribuída somente ao juiz.

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