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A despeito da forte ingerência estatal, do declarado escopo social e da política de subsídios governamentais, pretendia-se, no âmbito do SFH, que os recursos mutuados fossem, efetivamente, solvidos339.

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Notadamente aquelas que atrelaram o reajuste das parcelas devidas pelos mutuários à sua evolução salarial, ao passo que o saldo devedor continuava corrigido por índices inflacionários, normalmente relacionados à Caderneta de Poupança. O Fundo de Compensação de Variações Salariais ‐ FCVS, criado pela Resolução nº 25, de 16.6.67, do Conselho de Administração do extinto BNH, por força de sucessivos decretos (Decreto-lei 2.065, de 26.10.83; Decreto-lei 2.164, de 19.9.84; Decreto-lei 2.291, de 21.11.86; Decreto-lei nº 2.406, de 5.1.88 e Decreto-lei nº 2.476, de 18.09.88), passou a ter de suportar o custeio dos referidos subsídios sem ser dotado de recursos suficientes para tanto. Para tentar resolver o expressivo passivo acumulado, a Lei nº 10.150/2000 permitiu a novação e a securitização da divida, a ser paga em trinta anos contados de 01.01.97 (fonte: MINISTÉRIO DA FAZENDA, Fundo de Compensação de Variações Salariais ‐ FCVS. Disponível em: <http://www.stn.fazenda.gov.br /divida_publica/downloads/ FCVS_historico.pdf>. Acesso em: 10/02/2012).

337 Os Planos Cruzado (1986), Bresser (1987),Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991)

338 Para a Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança – ABECIP, o rol dos

problemas que vitimaram o SFH é composto por (a) custo de captação dos recursos; (b) restrições da Lei 4.380/64, que impuseram a destinação prioritária dos recursos ao financiamento de habitações; (c) comprometimento do retorno, pela atribuição, ao FCVS, de responsabilidades originalmente pertencentes aos mutuários; (d) interferências externas nos critérios de reajuste das prestações; (e) subsídios criados com propósito de “transferência de renda” (justiça social) tornaram o sistema deficitário, impossibilitando o acesso ao crédito por novos mutuários; (f) destruição das bases atuariais do FCVS; (g) insegurança jurídica representada por decisões judiciais que desequilibravam as premissas financeiras do sistema e (h) descompasso entre captação e aplicação de recursos (SFI: um novo modelo habitacional, 1995, pp. 15-16). Na síntese proposta por A. WALD, “a excessiva interferência regulamentar no setor, com redução dos índices de reajustes de financiamentos já contratados, alterou a equação que mantinha o equilíbrio do sistema. Além disso, foram aplicados volumosos recursos do SFH em financiamentos às habitações populares, sem retorno adequado do investimento. Esses fatores, somados à ampla inadimplência e numerosos litígios no setor, provocaram o exaurimento dos recursos do sistema de habitação” (Alguns aspectos do regime jurídico do sistema financeiro imobiliário (Lei 9.514/97), in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº 4, 1999, p. 15).

339 “O Sistema Financeiro da Habitação foi concebido dentro do princípio de que os recursos, embora subsidiados, deveriam retornar à fonte doadora de recursos” (C. E. FLEURY, Crédito imobiliário no Brasil e execuções hipotecárias, in Revista de Direito Imobiliário, nº 56, 2004, p. 169). O sabor de obviedade da afirmação contrasta, no entanto, com o elevado índice de inadimplemento verificado no âmbito do SFH.

Para tanto, buscou-se na hipoteca, tradicional direito real sobre coisa alheia presente nos mais diversos ordenamentos jurídicos, e presumivelmente seguro também no direito brasileiro, a garantia dos créditos340.

Hipoteca, na conhecida definição de L.R.PEREIRA, é “o Direito real, constituído em favor do credor sobre imóvel do devedor ou de terceiro, tendo por fim sujeitá-la exclusivamente ao pagamento da dívida, sem todavia tirá-la da posse do dono"341.

Trata-se de instituto nem sempre visto com simpatia pela doutrina342, que, no entanto, reconhece sua enorme importância para favorecer a concessão de crédito – especialmente de financiamentos de longo prazo343 - e estimular a produção de riquezas344.

Sob a ótica processual, a hipoteca direciona o bem sobre o qual recai à futura penhora e, portanto, diz com a responsabilidade executiva345.

340 A hipoteca, por certo, não é exclusividade do SFH. De outro lado, como se verá adiante, tal garantia não

proporcionou a segurança desejada, razão pela qual, a partir de 1997, autorizou-se que mesmo os financiamentos concedidos no âmbito do SFH passassem a contar com a garantia de alienação fiduciária de imóvel – v. nota 416 abaixo.

341 Direito das coisas, 1956, p. 420. O atual Código Civil aponta, nos incisos do art. 1473, os bens que podem

ser objeto de hipoteca.

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A. FRAGA reputava a hipoteca “o fruto maldito da imperfeição humana, que tira do avarento a sua feição sombria e feroz, dos pobres os seus últimos bens e da sociedade o espírito de justiça” (Direitos reais de

garantia: penhor, antichrese e hypotheca, 1933, p. 406). W. B. MONTEIRO alude ao referido entendimento e

complementa que “comungando desse mesmo sentimento de viva hostilidade, afirma José de Alencar que a hipoteca representa uma limitação ao direito de liberdade, um sacrifício da liberdade humana, criada pelo desnorteamento da lei civil. Outro escritor, Jardiel Poncela, proclama também que a hipoteca constitui um dos meios mais eficazes de apropriar-se do alheio” (Curso de direito civil, v. 3: direito das coisas, 2003, p. 406).

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Na expressão de A. WALD, “a hipoteca tem importante função na vida econômica nacional especialmente em relação aos financiamentos a longo prazo, para os quais são insuficientes as garantias fidejussórias e dificilmente satisfatórias, pelo seu caráter perecível, as garantias dadas em móveis através do penhor. A imutabilidade e a valorização dos imóveis explicam o desenvolvimento do instituto no direito contemporâneo” (Direito das coisas, 1995, p. 239).

344 Reconhece W. B. MONTEIRO que a hipoteca tem seus inconvenientes “mas nem por isso se justifica sua condenação. Trata-se de instituto sumamente útil, porque favorece o crédito, estimula seu desenvolvimento, propicia a realização de negócios e movimenta as riquezas ligadas ao solo. É, assim, inegavelmente, instituto de interesse coletivo. Suprimi-la, a pretexto de que, em alguns casos, converte-se num mal, ou num instrumento de opressão do fraco pelo forte, será fugir à realidade, privando a sociedade de inexaurível manancial de crédito, fonte de inúmeras riquezas e chave de tantas transações” (Curso de direito civil, v. 3: direito das coisas, 2003, pp. 406-407). Pensamos que o mesmo raciocínio se aplica à rápida satisfação do crédito por ela garantido, notadamente por meio da execução extrajudicial.

345 Sobre o conceito de responsabilidade executiva, v. nota 42 acima. Na conhecida lição de F. CARNELUTTI,

o vínculo proporcionado pela hipoteca é o de sujeitar o bem à execução se o devedor inadimplir sua obrigação de pagar (Lezioni di diritto processuale civile, 1929, p. 86). Observa C. R. DINAMARCO que a hipoteca terá utilidade para o credor no processo, pois cria ou fixa uma responsabilidade patrimonial que terá valia na execução, por assegurar a efetividade e eficácia da penhora a se realizar (Execução civil, 1994, p. 223).

Dentre suas características básicas apontadas pela doutrina, destacam-se o fato de a

propriedade do bem hipotecado pertencer ao devedor (ou a terceiro garantidor) – daí

tratar-se de direito real sobre coisa alheia - que permanece em sua posse; sua

acessoriedade, pois, direito de garantia que é, não tem existência autônoma e segue a

obrigação principal que assegura, extinguindo-se quando esta se extinguir; sua

indivisibilidade, na medida em que recai sobre a totalidade dos bens gravados ainda que

estes sejam divisíveis e persiste plena enquanto não solvida integralmente a obrigação garantida; sua especialização, porque incide tão somente sobre os bens específicos, individualizados e determinados; e sua publicidade, posto que haverá de ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis, tornando-se assim oponível erga omnes.

Destaca-se em particular que a hipoteca, direito real que é, vincula a coisa ao cumprimento da obrigação346 e proporciona direito de seqüela, que permite ao credor hipotecário perseguir a coisa dada em garantia nas mãos de quem se encontre, de modo a assegurar que eventual alienação do bem hipotecado não comprometa a garantia; e ainda lhe atribui preferência em concurso com outros credores, cuidando a lei de estabelecer mecanismos para preservá-la inclusive na hipótese de expropriação judicial347

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