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Notas sobre manifestações de execução extrajudicial e mecanismos

5.2 Execução extrajudicial

5.2.3 Notas sobre manifestações de execução extrajudicial e mecanismos

O direito brasileiro contempla, e há não pouco tempo, diversos mecanismos que – ressalvadas as peculiaridades de cada um - se desencadeiam em razão do inadimplemento

de obrigação de pagamento de quantia, são adaptados às particularidades da relação

jurídica material subjacente e têm por escopo a satisfação do credor por meio de atos de

invasão da esfera patrimonial do devedor, independentemente e até mesmo contra a

vontade deste último, e alienação de bem predeterminado, atos esses realizados fora do âmbito do Poder Judiciário.

Mais uma vez sem a pretensão de exauri-los ou de investigá-los a fundo, costumam ser apontados como exemplos de tais mecanismos o leilão extrajudicial de mercadorias

especificadas em “warrant” não pago no vencimento (art. 23, § 1º do Decreto

1.102/1903)300; a venda extrajudicial, pelo credor pignoratício, da coisa empenhada (art. 774, III, do Código Civil de 1916; igualmente autorizada pelo art. 1.433, IV, do Código

299 A hipótese é invocada por V. L. DENARDI, Execuções judicial e extrajudicial no Sistema Financeiro da Habitação: Lei 5.741/1971 e Dec.-lei 70/1966, 2010, p. 84. O diploma pode ser visualizado em

http://derechoregistral.informaccion.com/leyes/decreto_legislativo_495.htm.

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A hipótese é lembrada por J. M. ARRUDA ALVIM, Alienação fiduciária de bem imóvel: o contexto da inserção do instituto em nosso direito e em nossa conjuntura econômica, in Revista de Direito Privado, nº 2, 2000, p. 166. Com efeito, no centenário diploma que regulamenta os armazéns gerais, já se previa que “o portador do "warrant" que no dia do vencimento não for pago, e que não achar consignada no armazém geral a importância do seu crédito e juros”, poderia, após promover o protesto cabível, “vender em leilão, por intermédio do corretor ou leiloeiro, que escolher, as mercadorias especificadas no título, independentes de formalidades judiciais” (art. 23, caput e § 1º, do DL 1.102/903); direito que também assistia “ao primeiro endossador que pagar a dívida do "warrant” (art. 23, §2º). Detalhando o procedimento a ser observado, exigia-se do corretor ou leiloeiro encarregado da venda que anunciasse pela imprensa o leilão, com antecedência de quatro dias, especificasse as mercadorias, indicasse onde poderiam ser examinadas e informasse dia, hora e condições da venda, além de dar notícia ao administrador do armazém geral (art. 23, §3º). O devedor poderia evitar o leilão se, antes da adjudicação a quem mais desse, “pagasse imediatamente a dívida de "warrant", os impostos fiscais, despesas devidas ao armazém e todos os mais a que a execução deu lugar, inclusive custas do protesto, comissões do corretor ou agentes de leilões e juros de mora” (art. 23, §6º).

Civil de 2002)301; o leilão extrajudicial da quota de terreno e correspondente parte

construída na construção de edificação em condomínio sob o regime de administração, também chamado “a preço de custo” (art. 63 da Lei 4.591/64), mecanismo que foi

generalizado para outras modalidades de contratos de construção e venda de habitações

com pagamento a prazo (art. 1º, VI e VII, da Lei 4.864/65) e depois estendido para o patrimônio de afetação (art. 31-F, § 14, da Lei 4.591/64, incluído pela Lei 10.931/04)302; a

execução extrajudicial hipotecária, usualmente empregada no Sistema Financeiro da

Habitação (art. 29 e ss. do Decreto-lei 70/66); a venda da coisa móvel objeto de

301 O Código Civil de 1916 admitia que o credor pignoratício excutisse a coisa empenhada por venda amigável, “se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração especial” (art. 774, III). Sobre o ponto, observou F.C. PONTES DE MIRANDA que “o direito brasileiro, na esteira do direito comum, permite a venda particular (extrajudicial) do objeto do penhor, se o devedor ou alguém não solve a dívida. É preciso que tal cláusula conste do acordo de constituição do penhor, ou se expresse em procuração com poder especial para a venda particular. Nos casos em que tem de ser registrado, constitutivamente, o acordo de constituição do penhor, tem de ser registrada – por averbação – a procuração especial. Dispensa-se, assim, a ação executiva, sem que seja o caso de se ver no art. 774, III, do Código Civil justiça de mão própria: o legislador preferiu a figura da outorga de poder. Na espécie em que a cláusula está inserta no acordo de constituição, há poder de dispor da coisa alheia; na de procuração com poder especial de venda, há representação do empenhante” (Tratado de Direito Privado, t. XX, 1971, pp. 446-447). Na mesma linha seguiu o Código Civil de 2002 (art. 1.433, IV), que inovou ao admitir o penhor de direitos e títulos de crédito (art. 1.451 e ss.), que, como pondera N. L. LAMEGO, “não dependem de provimento jurisdicional para sua excussão” e representa larga vantagem em relação à simples cessão de crédito, na medida em que “o credor pignoratício ao adquirir direito real sobre o crédito empenhado pode exigi-lo do devedor do crédito empenhado, desde que este tenha sido regularmente notificado do penhor, ou mesmo exigi-lo de quem quer que o detenha, inclusive, do próprio devedor pignoratício que recebê-lo sem sua anuência” (Recuperação de crédito: evitando a excussão judicial de garantias, in Revista dos Tribunais, nº 891, 2010, pp. 13-14). Na jurisprudência, está assentado o entendimento de que a venda extrajudicial da coisa empenhada, havendo cláusula contratual que a autorize, “não é abusiva, desproporcional, excessivamente onerosa, iníqua ou exagerada, nem incompatível com a eqüidade ou a boa-fé (...)” e tampouco viola direito do consumidor (v. TRF-4, 3ª Turma, Ap. Civ. 2002.70.03.001157-6/PR, Rel. Juiz Jairo Gilberto Schafer, j. 16.06.2009).

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Na disciplina da construção por administração, também chamada a preço de custo (art. 58 e ss. da Lei 4.591/64), admitiu-se a possibilidade de inserir previsão contratual que autorize a Comissão de Representantes, na hipótese de falta de pagamento de três prestações do preço da construção, passados dez dias da notificação do devedor para purgar a mora, a alienar em leilão público a quota de terreno e correspondente parte construída e direitos originalmente atribuídos ao inadimplente, sub-rogando-se ainda o adquirente no contrato de construção firmado pelo primeiro (art. 63, caput e § 1º). Acaso o montante apurado em primeira praça resulte inferior ao valor até então desembolsado pelo devedor, nova praça deve ser realizada, aceitando-se o maior lanço, ainda que insuficiente para cobrir todo o valor desembolsado (art. 63, § 2º); se o lanço superar tal valor, o que sobejar – descontados o montante em atraso e todos os encargos previstos em lei, inclusive multa de 10% em benefício do condomínio – é restituído ao devedor (art. 63 § 4º). Em qualquer dos casos, assegura-se ao condomínio preferência na aquisição dos bens, facultando-lhe que os adjudique em até vinte e quatro horas após a realização do leilão final (art. 63, § 3º). Comentando o referido leilão, entende M. TERRA que o mecanismo se justifica em razão dos graves prejuízos que o inadimplemento de um condômino causa à massa condominial (O leilão extrajudicial e as incorporações imobiliárias – aspectos registrários, in Revista dos Tribunais, nº 650, 1989, p. 234). Observa, ainda, que, como a Comissão de Representantes age investida de “mandato legal para alienar os direitos do condômino faltoso” (art. 63, § 5.º), o instrumento da alienação deve ser via de regra, escritura pública, diferentemente do que ocorre na execução extrajudicial hipotecária, em que o título é a carta de arrematação, consoante prevê o art. 32 do DL 70/66 (ob. cit., p 234).

propriedade fiduciária (art. 2º do Decreto-Lei 911/69)303; a venda, em bolsa de valores,

das ações do acionista remisso (art. 107, II, da Lei 6.404/76)304; a execução extrajudicial

na alienação fiduciária de bem imóvel (arts. 26 e ss. da Lei 9.514/97) e a venda do bem objeto da propriedade fiduciária no âmbito do mercado financeiro e de capitais (art. 66-B,

§ 3º, da Lei 4.728/65, incluído pela Lei 10.931/04)305; dentre outros em alguma medida a eles análogos306.

Em comum a todos esses mecanismos acima apontados, evidencia-se a preocupação do legislador em assegurar instrumentos céleres e efetivos para a satisfação de crédito pecuniário inadimplido, que operam em procedimento extrajudicial, no qual se promove a alienação de bem predeterminado – o qual, por estar vocacionado a satisfação de referido crédito, desempenha papel de garantia, transmitindo segurança ao negócio jurídico celebrado -; evitando-se, com isto, que, ingressando em juízo, tenha o credor de suportar o “longo tempo até a alienação do bem para a satisfação do crédito” e padecer

303

Mecanismo largamente empregado no financiamento de coisas móveis, permite ao proprietário fiduciário ou credor que, “no caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária”, “vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver” (art. 2º do DL 911/69).

304 Na lei de regência das Sociedades por Ações, verificada a mora do acionista, faculta-se à companhia

“mandar vender as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista” (art. 107, II, da Lei 6.404/76), reputando-se não escrita, relativamente à companhia, eventual estipulação do estatuto ou boletim de subscrição que exclua ou limite o exercício de tal faculdade (art. 107, § 1º). Opera-se a venda em “leilão especial na bolsa de valores do lugar da sede social, ou, se não houver, na mais próxima, depois de publicado aviso, por 3 (três) vezes, com antecedência mínima de 3 (três) dias(...)”(art. 107, § 2º), leilão que poderá ter lugar ainda que iniciada eventual cobrança judicial (art. 107, § 3º).

305 Referida norma dispõe que “é admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada”.

306 Cabe lembrar aqui, dentre tantas outras situações, o cancelamento administrativo do contrato de venda de lote (art. 32 e ss. da Lei 6.766/79): na hipótese de não ser paga prestação do preço pactuado para venda de lote em loteamento regido pela Lei 6.766/79, faculta-se ao credor acorrer ao Cartório de Registro de Imóveis em que o contrato estiver averbado e postular a intimação do devedor para que este purgue a mora em até 30 (trinta) dias, sob pena de resolução do contrato (art. 32, caput e § 1º, da Lei 6.766/79). Certificado pelo cartório o inadimplemento, poderá o credor requerer ao Cartório de Registro de Imóveis o cancelamento da averbação, liberando-se o lote, que, no entanto, só poderá ser negociado com terceiro, no caso de o devedor já ter solvido ao menos um terço do preço, se o credor restituir tal montante ao devedor ou depositá-lo no Cartório de Registro de Imóveis (arts. 32 § 3º e 35 da Lei 6.766/79). Diferentemente das hipóteses anteriormente apontadas, não há aqui clara constituição de garantia e nem de venda do bem em hasta pública.

em razão do “excessivo número de processos que abarrotam nossos tribunais e a

possibilidade do manejo de vários incidentes processuais, recursos, embargos etc”307.

Dadas as particularidades de cada mecanismo, não se pretende examiná-los todos, individualmente, e discutir se cada um deles poderia amoldar-se ao conceito técnico de

execução forçada ou se, ao contrário, poderiam ser considerados como executivos apenas

em um sentido mais largo308.

Também devem ser mencionadas outras manifestações, no direito brasileiro, de afastamento potencialmente total do juiz, em hipóteses que, tradicionalmente, a ele incumbia o protagonismo. Dentre outras, destacam-se os procedimentos extrajudiciais de

inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual (Lei 11.441/2007) e de usucapião especial urbano (art. 60 da Lei 11.977/2009). Estes e outros casos, embora

guardem em comum com o tema aqui investigado a técnica extrajudicial, não tem por escopo a satisfação coercitiva de pretensão pecuniária, não dizem propriamente com a

execução e, por isso, não serão aprofundados.

Vamos nos dedicar nossa atenção, nos capítulos subseqüentes, à execução

extrajudicial hipotecária (art. 29 e ss. do Decreto-lei 70/66) e à execução extrajudicial

pertinente à alienação fiduciária de bem imóvel (arts. 26 e ss. da Lei 9.514/97), mais precisamente às características de que compartilham no que concerne ao instrumento de execução extrajudicial , mecanismos de grande relevância social, na medida em que se originam, no mais das vezes, de contratos firmados com o objetivo de financiamento para

307

N. L. LAMEGO, Recuperação de crédito: evitando a excussão judicial de garantias, in Revista dos Tribunais, nº 891, 2010, p. 11. Em considerações conclusivas sobre o tema, anota referido estudioso ser certo que “a festejada possibilidade de excussão extrajudicial de garantias não exclui uma eventual submissão do procedimento de recuperação de crédito ao crivo da legalidade pelo Judiciário. O princípio constitucional do livre acesso à jurisdição permite que o devedor, que se ache lesado ou ameaçado no seu direito, recorra ao Judiciário. Isso, contudo, não constitui, absolutamente, demérito para a excussão extrajudicial porque, nesse caso, o risco jurisdicional é transferido para o devedor, ou seja, não é o credor quem necessita recorrer ao judiciário para exigir seu crédito, mas sim o devedor é quem terá que recorrer ao Judiciário para obstar a excussão do crédito. Vale ressaltar, ainda, que não basta a simples propositura da ação judicial para obstar o procedimento da excussão extrajudicial, o devedor deverá demonstrar a verossimilhança de suas alegações, bem como a ameaça de ocorrência de dano de difícil reparação, que justifiquem a concessão de uma decisão in limine capaz de obstar, de imediato, o prosseguimento do procedimento extrajudicial promovido pelo credor” (ob. cit., p. 27). Voltaremos ao tema, já sob a perspectiva do financiamento imobiliário, no item 6.1 abaixo.

aquisição de imóveis, e largo emprego prático. Estes mecanismos, a propósito, como procuraremos demonstrar, amoldam-se ao conceito de execução forçada309.

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