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Em vista do quanto até aqui examinado, pode-se concluir que a execução

extrajudicial acima descrita tem, sim, natureza de execução forçada551.

Não se trata, a nosso ver, de simples relação privada, a envolver credor e devedor, contraída no âmbito de negócio jurídico celebrado por ambos, nos limites de sua

autonomia de vontade.

Tal qual ocorreria se o fenômeno se passasse em juízo, a relação privada, típica de direito material, subjaz ao instrumento em exame.

A vontade dos contratantes, dúvida não há, é relevante para o aperfeiçoamento do contrato por força do qual, notadamente, se constituem o crédito pecuniário e a garantia imobiliária, contrato este revestido da forma e integrado pelos elementos prescritos em lei.

Advindo o inadimplemento – i. é, instalada a crise jurídica -, no entanto, prescinde- se da vontade do devedor para buscar-se a satisfação coercitiva do credor por meio da

execução extrajudicial aqui tratada552, instrumento não-judicial de resolução de crise de definitivo o patrimônio do credor, podendo-se adotar a expressão adjudicação com a ressalca constante da nota 556 abaixo.

550 Como já se apontou, nesta situação, deve-se considerar que o imóvel ingressou no patrimônio do

exeqüente pelo valor que as partes convencionaram em contrato (v. nota 476 acima). A depender do saldo devedor e do quanto já pago pelo executado, pode resultar quantia em seu favor – nos exatos moldes que resultaria se o imóvel houvesse sido arrematado pelo mesmo valor -, quantia que deve ser entregue ao executado.

551

Sobre o conceito de execução forçada, v. item 2.1 acima.

552 Defendendo a natureza executiva do instrumento aqui tratado e refutando a tese de que se trataria de

manifestação de consensualismo tipicamente contratual, observa S. J. MARTINS que, “embora a deflagração da execução extrajudicial tenha origem no contrato, que a prevê, o ato final de alienação do imóvel é praticado independente da vontade do sujeito atingido, estando todo o procedimento estruturado para superar a resistência que ele eventualmente possa apresentar (...). Para pôr em séria dúvida o consensualismo do ato final de alienação, basta lembrar que, não raro, a execução extrajudicial se

adimplemento que, por força de lei, o Estado reconheceu como idôneo e disciplinou em

contornos que não se confundem com o exercício da autonomia privada553.

Dito de outro modo, não solvida a obrigação de pagar quantia certa dotada de garantia imobiliária, amparando-se o crédito em documento hábil, deflagra-se procedimento conduzido por agente que, a despeito de não integrar os quadros do Poder Judiciário, é investido, por lei, de autoridade para praticar os atos que culminarão na perda, pelo devedor, da propriedade de bem integrante de seu patrimônio – notadamente, o bem imóvel oferecido em garantia554 - e, de outro lado, na satisfação do credor, que recebe o bem da vida reclamado, pondo-se fim à crise de adimplemento.

O instrumento em exame, como se vê, de pressupostos e procedimento comparáveis e assemelhados aos da execução judicial555, opera por típico meio executivo sub-rogatório, que conduz à expropriação do bem imóvel556, liquidativa e satisfativa557 se houver êxito

consumará no curso de demanda judicial movida em face do credor, visando à revisão ou declaração de nulidade de cláusulas contratuais que fundamentam o descumprimento da obrigação e, automaticamente, autorizam a promoção da execução extrajudicial” (Execuções extrajudiciais de créditos imobiliários: o debate sobre sua constitucionalidade, in RePro, nº 196, 2011, pp. 30-31). Arremata o estudioso carioca dizendo que “sustentar o consensualismo pleno da execução extrajudicial equivaleria a enxergar o consenso em todos os casos em que um título executivo tenha origem em um negócio jurídico (como é o caso de diversos títulos executivos extrajudiciais: art. 585, I a IV, do CPC). Mas uma coisa é a concordância das partes sobre as condições em que uma medida será tomada, outra coisa é o consenso sobre a implementação dessas condições (ob. cit., p. 31).

553 A autonomia privada, vale dizer, além de ter sido relevante no momento da celebração do negócio e

vinculação das partes, tornará a ser determinante para provocar o controle dos atos realizados no curso de determinada execução extrajudicial em concreto, notadamente por meio da defesa do devedor (item 9.2.1 abaixo). Tratando de questão análoga no âmbito da arbitragem, pondera P. COSTA E SILVA que “se a parte legitimada para invocar causas de anulação ou ilegalidades nada fizer, a decisão, como qualquer acto de exercício do poder jurisdicional, vale. A autonomia privada estender-se-á à aceitação de decisões inválidas e ilegais” (A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, p. 42). 554 Em se tratando de garantia hipotecária, típico direito real sobre coisa alheia, o fenômeno da perda da

propriedade pelo devedor é mais evidente. Na alienação fiduciária, direito real sobre coisa própria, a manifestação é mais sutil. Deve-se constatar que, em perspectiva estrita, pelas particularidades de tal figura no âmbito do direito material, o bem imóvel alienado fiduciariamente integra, pela celebração do negócio, o patrimônio do credor – e não do devedor -, e nele se consolidaria uma vez verificado o inadimplemento absoluto. Este aspecto, no entanto, não invalida o quanto se afirmou: é que o bem imóvel alienado fiduciariamente integrava, originalmente, o patrimônio do devedor – ou de terceiro prestador da garantia – e só se transferiu ao credor com a finalidade de garantia. Fosse quitada a dívida, a propriedade fiduciária se resolveria (art. 25, Lei 9.514/97) e, por simples averbação de cancelamento, retornaria ao patrimônio de quem originalmente a detinha. Somente porque a dívida não foi paga é que a propriedade se consolida no credor, embora sem plenitude, obrigando o credor a tentar alienar o bem a terceiro e, apenas depois de frustrada esta tentativa, após o segundo leilão, é que, efetivamente, passa a ostentar plenamente os poderes inerentes ao domínio. Ver, ainda, nota 449 acima e 556 abaixo.

555 Ver itens 7.2 e 7.3 acima. 556

A expropriação, mais uma vez, é mais nítida na execução extrajudicial hipotecária: o bem imóvel oferecido em garantia, em razão do meio executivo sub-rogatório, deixa de ser do devedor e passa a ser de quem o arrematar em leilão realizado em seu bojo, ou então passa a ser do credor que adjudicá-lo ao final.

nos “leilões públicos”, de modo a proporcionar ao credor que receba o montante em pecúnia correspondente ao bem expropriado; ou apenas satisfativa, se frustrados os leilões públicos, transmitindo-se então ao credor, em definitivo, a propriedade do imóvel objeto da garantia.

7.4.1 Hipótese de tutela diferenciada?

Questão que se surge a esta altura é a de se o modelo de execução extrajudicial em questão pode se colocar como hipótese de tutela diferenciada e se merece ser qualificada como tutela jurisdicional diferenciada, expressão consagrada pela doutrina, ou, quiçá,

tutela executiva diferenciada.

Difícil o enquadramento, que depende, por certo, do significado que se queira dar a cada um desses vocábulos ou das expressões que os congregam.

É certo que a execução extrajudicial em tela proporciona tutela ao exeqüente, mais propriamente tutela executiva, na medida em que permite que este receba, após emprego

Daí asseverar A. RIZZARDO que “a execução extrajudicial é um procedimento expropriatório do bem” (Contratos de crédito bancário, 2011, p.206). Na alienação fiduciária em garantia, observa M. N. CHALHUB que não haveria, propriamente, expropriação, pois o bem leiloado, a rigor, é de propriedade do credor (O leilão extrajudicial face ao princípio do devido processo legal, in RePro, nº. 96, 1999, p. 78). De nossa parte, entendemos que essa particularidade da alienação fiduciária em garantia não muda a essência do fenômeno, se compreendido de maneira mais ampla. A nosso ver, justifica-se falar de expropriação porque, na origem do negócio, o bem leiloado pertencia ao devedor e só se transferiu antes ao credor – com natureza resolúvel e sem que se torne plena a propriedade deste último mesmo com a consolidação pós-inadimplemento - como primeiro ato de mecanismo de resolução de crise de adimplemento, mecanismo que só se esgota depois de realizadas as hastas públicas. Desde o início, respeitadas as particularidades de direito material, o que se observa sob prisma processual é a designação de bem imóvel do devedor – ou de terceiro – para suportar futura responsabilidade executiva. E somente depois de tais hastas é que se esgota a responsabilidade executiva, seja porque alguém o arrematou – transferindo-se então a propriedade ao arrematante – e proporcionou quantia em dinheiro para pagar o exeqüente, seja porque ninguém o arrematou e então, finalmente, a propriedade ostentada pelo exeqüente passou a ser efetivamente plena. No primeiro caso vislumbra-se expropriações liquidativa e satistativa, e, no segundo, expropriação satisfativa, que não havia nem quando transferida a propriedade para fins de garantia (art. 23, Lei 9.514/97), tampouco quando esta se consolidou em razão do inadimplemento (art. 26, Lei 9.514/97).Ver, ainda, notas 449 e 554 acima.

de meio executivo sub-rogatório que culmina em expropriação, o bem da vida – notadamente, pecúnia – a que faz jus558.

Qualificar tal tutela como jurisdicional, no entanto, implica aceitar a natureza jurisdicional da execução, enquadramento já não tão seguro559, sobretudo se considerarmos que o agente de execução que o conduz não integra os quadros do Poder Judiciário e nem é investido de jurisdição.

Quanto ao aspecto de sua diferenciação, é certo que a comparação da execução por quantia certa contra devedor solvente disciplinada nos arts. 646 e seguintes do Código de Processo Civil – tida, por assim dizer, como instrumento comum – à execução extrajudicial para satisfação de créditos pecuniários dotados de garantia imobiliária permite constatar que, se não há propriamente variação do meio executivo – ambas operam por expropriação do bem sobre o qual recai a responsabilidade executiva -, existem importantes distinções, seja no procedimento, seja nas particularidades da relação jurídica material subjacente às

execuções extrajudiciais, seja ainda na intensidade da participação do juiz, indispensável e

preponderante na primeira, típica do monopólio judicial da execução característico do modelo executivo brasileiro do Código de Processo Civil; dispensável e potencial na segunda.

Como já se viu, ademais, há importantes razões de ordem econômica560 e de ordem jurídica para que o ordenamento seja provido de instrumento processual célere e efetivo, adaptado às particularidades da relação jurídica material em questão.

No entanto, o critério que prevalece em doutrina para aferir a diferenciação da

tutela é o da limitação da cognição561. Tal critério é mais afeto aos processos nos quais

558 Como bem aponta C. R. DINAMARCO, na execução a tutela consiste da satisfação do direito do exeqüente,

caracterizada, no âmbito da execução por quantia, pelo recebimento do dinheiro, debelando-se assim a crise de adimplemento que deu causa à execução (Instituições de direito processual civil, v. IV, 2009, p. 56). 559 Sobre o ponto, v. item 3.3.1 acima.

560 Importância de assegurar o fluxo de retorno dos valores mutuados, para fomentar a concessão de crédito

em maiores volumes e a juros menores, notadamente no âmbito dos financiamentos imobiliários – v. item 6.1.

561 No entendimento de R. B. LEONEL, “a locução tutela jurisdicional diferenciada deve ser compreendida como a proteção jurídica e prática outorgada pelo Estado-juiz, resultante da utilização de procedimentos especiais previstos no ordenamento processual, em que a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional decorram da limitação da cognição” (Tutela jurisdicional diferenciada, 2010, p. 79). Para o referido professor, a delimitação do procedimento e a espécie de resultado do processo não são elementos

prepondera atividade cognitiva, pois, na execução, mesmo que judicial, há cognição apenas “tênue e rarefeita, sendo mesmo eventual”562.

Daí se pode concluir que o critério dogmático de identificação de tutela

jurisdicional diferenciada – limitação da cognição - não parece apropriado para discernir tutelas diferenciadas no âmbito da tutela executiva.

Com as devidas ressalvas, empregar as expressões tutela diferenciada ou tutela

executiva diferenciada para identificar a execução extrajudicial para satisfação de créditos pecuniários dotados de garantia imobiliária pode se justificar para por em destaque as já

apontadas particularidades desta última em comparação ao referido instrumento comum do artigo 646 e seguintes, não só no que concerne à peculiaridade da relação jurídica material à qual se aplica e à especificidade do procedimento; mas, também, em especial, à singular intensidade – apenas potencial – da participação do juiz. Não se deve qualificá-la, contudo, como jurisdicional – a não ser que se queira dar limites bastante extensos a este último termo – e se deve ter a consciência de que a expressão não corresponde ao conceito dogmático de tutela jurisdicional diferenciada.

válidos para a construção dogmática do conceito de tutela jurisdicional diferenciada; tampouco se deve apoiar tal construção na espécie de direito material ou de provimento judicial perseguido (ob. cit., p. 78).

8 Constitucionalidade da execução extrajudicial

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