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Preservação do acesso à Justiça Inversão do ônus de demandar em juízo

8.3 Observância do devido processo legal

8.3.3 Preservação do acesso à Justiça Inversão do ônus de demandar em juízo

Por fim, importa deixar assentado que a técnica da execução extrajudicial nem de longe viola o acesso à Justiça, assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Sobre o ponto, é lapidar a lição de C. R. DINAMARCO651, à luz da alienação fiduciária de bem imóvel, no sentido de que não se viola o acesso à Justiça, pois

o recurso ao controle jurisdicional é admissível em dois momentos e com duas finalidades fundamentais. Logo ao início, quando da notificação para purgar a mora ou durante o procedimento perante o registro imobiliário destinado a este fim (lei n. 9514, de 20.11.97,art. 26, §§), é lícito ao devedor-fiduciante impugnar em juízo as exigências do credor (p. ex., negando a mora) ou mesmo a regularidade do procedimento. Depois, sem prejuízo de trazer à discussão o próprio registro que haja sido feito na matrícula imobiliária (lei cit., art. 26, §7º), poderá ele discutir em juízo o valor da venda efetuada em leilão (art. 27). Tudo com apoio na promessa constitucional de acesso à justiça, que a lei não arreda nem poderia arredar (Const., art. 5º, inc. XXXV).

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, serão plenamente garantidos. É bom que se diga que também na execução judicial não se tem o contraditório e a ampla defesa com o conteúdo semântico pretendido para as execuções extrajudiciais, o que nunca se questionou, até porque, evidentemente, se sabe que contraditório e ampla defesa é matéria que mais se adequa ao processo de conhecimento ou mesmo cautelar, em que não se preocupa com a realização prática de um direito (Contestação – Ação civil pública – pretensão a obtenção de declaração de inconstitucionalidade em tese – inadmissibilidade, in RePro, nº 82, 1996, p. 274). Pontua M. N. CHALHUB: “da mesma forma que na ação de execução ou na ação monitória, o contraditório se instaura por iniciativa do devedor, ou do réu, mediante ajuizamento de ação de embargos, na alienação fiduciária (diríamos nós, no modelo de execução extrajudicial aqui examinado), mutatis mutandis, é igualmente do devedor a iniciativa do contraditório, pela possibilidade de reação em face da notificação que vier a receber nos termos do art. 26 da Lei 9.514/97” (ou, acrescentamos nós, do art. 31, § 1º, Decreto-lei 70/66) (O leilão extrajudicial face ao princípio do devido processo legal, in RePro, nº. 96, 1999, p.80).

Diferente não é o que se passa com a execução extrajudicial hipotecária, na medida em que, também sob a égide do Decreto-Lei 70/66, admite-se que o devedor invoque em juízo eventuais vícios da execução extrajudicial652.

Objeta-se, no entanto, que o argumento revelaria inversão de valores, e, se levado a extremos, poderia justificar, sempre, a imposição da vontade do mais forte, com o pretexto de que seus abusos poderiam ser coibidos a posteriori pelo Judiciário653; ou mesmo a consagração da fórmula solve et repete654.

Nem uma coisa, nem outra.

A um, os atos de excussão da garantia não ocorrem de maneira despropositada e passível de generalizações: como já se viu, pressupõem um instrumento (título) que o legitima, dotado de requisitos formais legalmente estabelecidos, por força do qual o devedor se comprometeu a pagar quantia líquida, certa e exigível e indicou um bem imóvel para garantir a obrigação; e pressupõem, ainda, a formal caracterização da mora.

A dois, não se exige do devedor que primeiro pague, para que só depois se defenda: pelo contrário, a qualquer tempo, inclusive por ocasião da formal comunicação da exigência de pagamento manifestada pelo credor, no razoável prazo que lhe é estabelecido para a purga da mora, antes de qualquer agressão ao seu patrimônio, pode o devedor acudir ao Poder Judiciário para, se for o caso, ver sustada a cobrança.

652

A situação foi examinada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “O Decreto-lei nº 70/66, além de prever uma fase de controle judicial, antes da perda da posse do imóvel pelo devedor (art.36,§2º), não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento de venda do imóvel seja, se logo, reprimida pelos meios processuais próprios” (RE 223.075, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 23.06.1998, trecho do voto condutor). 653

É o que afirma A. F. FABRÍCIO: “em qualquer espécie de litígio seria lícito a um dos envolvidos – o mais poderoso – impor ao outro a solução que lhe parecesse correta, certo que sempre restaria a possibilidade ao prejudicado de questionar a legalidade desse procedimento quando se tratasse de tornar efetiva, no plano dos fatos, dita solução” (A alienação fiduciária de imóveis segundo a lei n. 9.514/97, in F. DIDIER JUNIOR, e C. C. FARIAS (coords.). Procedimentos Especiais cíveis: legislação extravagante, 2003, p. 1446).

654 Assim entende O. A. SILVA: “É evidente que as possíveis objeções legítimas que o devedor teria contra o credor hipotecário e das quais foi privado pela violência da execução privada poderão indiscutivelmente ser levadas ao Poder Judiciário, em ação a ser proposta pelo devedor hipotecário expropriado privadamente (...). Todavia, neste caso, ter-se-ia realizado, em sua plenitude, o velho princípio do solve et repete. Primeiro, será o devedor compelido a pagar, para depois, em demanda a ser por ele proposta, reaver o que indevidamente pagara” (Curso de direito processual civil, v. 1, 2002, p. 147).

O que há, isto sim, é justificada hipótese de inversão do ônus de demandar em

juízo655.

Em vista das peculiaridades da relação jurídica de direito material subjacente ao instrumento, diante das importantes razões de ordem econômica e jurídica para a rápida satisfação da crise de adimplemento em questão656, dispensa-se o credor de ingressar em juízo para promover a satisfação de seu crédito por meio da expropriação do bem ofertado como garantia, facultando-lhe perseguí-la em procedimento equilibrado, a despeito de extrajudicial.

Atribui-se então ao devedor o ônus demandar em juízo, para apresentar eventual defesa de que se julgue titular657.

8.4 Preservação do “monopólio da última palavra” e do “monopólio da força”.

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