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Meios alternativos de solução de controvérsias (ADR’s)

3.1 Estado e Jurisdição

3.1.1 Meios alternativos de solução de controvérsias (ADR’s)

Possivelmente a manifestação mais visível da insuficiência do conceito tradicional de jurisdição e de sua adstrição ao Estado e, mais particularmente, ao Poder Judiciário, consiste no desenvolvimento marcante dos chamados meios alternativos de solução de

controvérsias, também referidos como ADR’s, abreviatura do inglês alternative dispute resolution103, cujos principais expoentes – não exclusivos – são a conciliação, a mediação e a arbitragem.

processualistas ortodoxos que não conseguem ver atividade processual – e muito menos jurisdicional – fora do âmbito da tutela estatal estrita” e o mito de que apenas os juízes poderiam concentrar tais atividades (Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96, 2007, p. 45). S. LA CHINA resume seu entendimento em reconhecer que a atividade dos árbitros é exercício privado de julgamento e de justiça, de utilidade pública e geral (L’Arbitrato: il sistema e l’esperienza, 2004, p. 15).

100 Em torno do árbitro, in Revista de arbitragem e mediação, nº 28, 2011, p. 50. 101

“A jurisdição é um conceito em crise. Sente a doutrina moderna a insuficiência do exame puramente jurídico de institutos jurídicos, dada a incapacidade desse método para explicar os fenômenos em face da significação social e política de cada um” (C. R. DINAMARCO, Execução Civil, 1994, p. 180).

102 “parece ser universal a tendência de ampliar o conceito de jurisdição, na medida em que aumenta o grau de participação e o interesse popular na administração da justiça(...). Afinal, não é possível conceber um

conceito estático e imutável de jurisdição ao longo da História” (C. A. CARMONA, A arbitragem no processo

civil brasileiro, 1993, p. 37).

103 A qualificação de tais meios como alternativos, embora tradicional – e por isso justificar-se seu emprego -

é, sabidamente, objeto de críticas da doutrina. M. TARUFFO, por exemplo, aponta que só se poderia falar de alternatividade se as partes pudessem escolher, segundo sua preferência, entre diversos meios igualmente eficientes e funcionalmente equivalentes, o que inocorreria no cotejo entre tais meios e a Justiça Estatal;

Se, em passado recente, associava-se imediatamente a solução de conflitos aos Tribunais, órgãos jurisdicionais do Estado nos quais se expressa o Poder Judiciário, hoje, ao revés, como bem pondera P. COSTA E SILVA, busca-se a composição dos litígios “de

preferência sem contacto ou passagem pelos tribunais”, em verdadeira “inversão dos paradigmas na Justiça”, reservando-se à Justiça Estatal um papel de retaguarda104

.

Insuficiente, para explicar o desenvolvimento dos ADR’s, apontar o aumento de quantidade e complexidade de litígios105, de um lado, e crises do Poder Judiciário106 e do processo107, de outro108. Em que pese tais aspectos terem impulsionado os ADR’s, não se

demais disso, não haveria relação excludente entre os meios, sendo possível sua combinação (Un'alternativa alle alternative: modelli di risoluzione dei conflitti, in RePro, nº. 152, 2007, pp. 330-331).

104 P. COSTA E SILVA, A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, p.

19. Prossegue a professora da Universidade de Lisboa: “Pensamos não estar longe da realidade se concluirmos que, se as décadas de sessenta e setenta do século passado poderão ficar conhecidas como o período de ouro do direito de acesso à Justiça enquanto sinónimo de direito de acesso aos tribunais, de lá para cá assiste-se a uma reiterada dissuasão do recurso a esquemas formais e de base estadual de resolução de controvérsias e de satisfação efectiva de situações jurídicas prestacionais. Agora, o direito de acesso aos tribunais é um direito de retaguarda, sendo o seu exercício legítimo antecedido de uma série de filtros” (ob. cit., pp. 20-21). No Brasil, dentre tantos outros, K WATANABE criticou a cultura da sentença, baseada na crença de que os conflitos devam ser resolvidos por solução contenciosa e adjudicada, e revelou ter fundadas esperanças que esta resulte superada pela cultura da pacificação, na qual se prestigiam os meios, ditos alternativos, de solução de controvérsias (Cultura da sentença e cultura da pacificação, in F. L. YARSHELL – M. Z. MORAES (org.), Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, 2005, pp. 684-690).

105 Na lição de B. S. SANTOS, emérito professor de Coimbra e coordenador do Observatório Permanente da

Justiça Portuguesa, “os tribunais não podem resolver todos os litígios. Não devem sequer resolver os litígios de massa, com, por exemplo, as dívidas, os crimes de condução em estado de embriaguez ou sem habilitação legal. É fundamental encontrar mecanismos que permitam gerir, de forma racional e diferenciada, o volume da procura do sistema judicial. Esses caminhos podem passar pela informalização e desjudicialização de certos litígios” (A justiça em Portugal: diagnósticos e terapêuticas, in Manifesto, nº 7, 2005, p. 86).

106 Bem analisando a realidade brasileira, registrou J. I. BOTELHO DE MESQUITA que “o Judiciário perdeu autoridade perante dos demais Poderes da República. O Poder Executivo não lhe reconhece nenhuma autoridade. Recusa-se impunemente e ostensivamente, por vias diretas e indiretas, a dar execução às suas sentenças (...). Os casos são de conhecimento público. Vão desde as reintegrações de posse de imóveis urbanos ou rurais, para cuja execução se nega declaradamente o concurso da força policial, até as condenações a quantia certa, cujos precatórios não se cumprem (...). O mesmo se passa do lado do Poder Legislativo (...). O Poder Judiciário está em crise. Está em crise moral, por falta de confiança, o que conduz à crise política e, sucessivamente, à crise econômica” (A crise do Judiciário e o processo, in Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 2, nº 1, 2001, pp. 86-87). Asseverou o referido professor, a propósito, que as sucessivas reformas do processo, por meio do fortalecimento dos poderes do juiz, “comprometido não apenas com a ordem jurídica, mas com o que se veio a chamar de ordem jurídica justa” não resolveram a crise, “logrando apenas gerar a suspeita de autoritarismo”, e concluiu que “as restrições ao devido processo legal e ao princípio da legalidade levam ao aprofundamento e não à solução da crise em que se debate o Poder Judiciário (ob. cit., pp. 89-90).

107 “Umbilicalmente ligada à crise do Judiciário, está a crise do processo. Tem sabor de lugar comum a afirmação de que a inefetividade dos provimentos judiciais, fruto da lentidão e sobrecarga do Judiciário, da burocratização da Justiça, da inaptidão das leis processuais, da falta de respeito às decisões judiciais por parte do Poder Público coloca em xeque o próprio instrumento da jurisdição: o processo” (F. F. GAJARDONI, Técnicas de aceleração do processo de acordo com as Leis nº 10.352/2001, 10.358/2002 e 10.444/2002, 2003, p. 14).

pode descartar a vontade das partes de simplesmente optar por caminho diverso ao da Jurisdição Estatal109, reputado mais adequado110 para resolver certa modalidade de litígio.

Importa anotar que os ADR’s evidenciam a atual complexidade relação entre Estado e Jurisdição: ainda que não se queira chegar ao ponto de atribuir natureza

jurisdicional à atividade desempenhada por meio dos mecanismos ditos alternativos,

notadamente aos heterocompositivos - sobretudo no caso da arbitragem-111, parece inquestionavelmente caduca a concepção de que o Estado haveria de deter o monopólio dos instrumentos de resolução de conflitos e impor, a todos os casos, a jurisdição estatal.

A realidade impera de forma diversa e descortina a possibilidade, de emprego cada vez mais freqüente, de resolução de litígios por mecanismos distintos da jurisdição estatal, sejam autocompositivos, sejam heterocompositivos, cuja solução cabe ao Estado prestigiar, inclusive para emprestar sua força (imperium) a fim de que sejam praticamente realizados.

108 Observa F. F. GAJARDONI que tais crises do Judiciário e do processo fizeram “ressurgir, como forma alternativa principal aos entraves temporais do mesmo, uma série de mecanismos extrajudiciais de soluções de conflitos que, por isso mesmo, têm sido chamados de meios alternativos para solução de controvérsias” (Técnicas de aceleração do processo de acordo com as Leis nº 10.352/2001, 10.358/2002 e 10.444/2002, 2003, p. 75).

109 Com os olhos voltados à arbitragem, C. A. CARMONA aponta ser errônea a atribuição de seu sucesso

exclusivamente a tais crises “A crise do Poder Judiciário não explica, por si só, o crescimento galopante da arbitragem em nosso país: é verdade que a educação dada aos juízes não os prepara para a arte de julgar bem (as faculdades não preparam adequadamente os bacharéis para a judicatura, as escolas da magistratura ainda não decolaram, os juízes que ingressam na magistratura são cada vez mais jovens e inexperientes); é verdade que os juízes não têm tempo (cada magistrado lida com alguns milhares de processos, os julgadores não conseguem atender os advogados em seus gabinetes, acumulam funções que não conseguem desempenhar a contento); é verdade que os juízes não dispõem da estrutura necessária para decidir e fazer implementar suas decisões (os cartórios continuam a manter arcabouços funcionais arcaicos, faltam máquinas, equipamentos e pessoal adequados). Mas também é verdade que os contendentes não escolhem a arbitragem para poder fugir deste horror, e sim porque querem um método diferente de julgar, mais arejado, mais técnico, menos burocrático”. Prova disso, para o festejado professor, é a constatação do sucesso da arbitragem mesmo em países nos quais o Judiciário anda bem. “Quanto à crise do processo (o sistema processual, desnecessário dizer, apresenta disfunção evidente), não creio que seja essa a causa do sucesso da arbitragem: o que as partes querem da arbitragem não é a superação das falhas do processo (deste, claudicante, que aí está ou de qualquer outro que o Estado venha a nos ofertar). Querem os contendentes outro método, outras proposições, outros princípios. Querem um outro sistema.” (Em torno do árbitro, in Revista de arbitragem e mediação, nº 28, 2011, pp. 48-49).

110

P. COSTA E SILVA aponta ser de adequação a relação que se pode estabelecer entre ao ADR’s e o conflito a ser solucionado (A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, p. 35).

111 Para C. R. DINAMARCO, a equivalência funcional entre os meios alternativos e a jurisdição estatal, no

sentido de que todos tendem à pacificação com justiça, permitiria afirmar a natureza parajurisdicional dos primeiros, notadamente da arbitragem (Instituições de direito processual civil, v. I, 2009, pp.125-126). Pela natureza jurisdicional, v. nota 99 acima.

A bem de ver, é o próprio Estado – e não a autonomia privada – quem predetermina e regula tais meios, legitimando-os, pouco importando que seja privado – e não o juiz estatal - o sujeito incumbido de solucionar o litígio; só se podendo cogitar de empregar-se a força para soluções advindas de meios previamente reconhecidos como legítimos pelo Estado112.

Para além de legitimar e emprestar força às soluções advindas de tais meios não judiciais, não poderá o Estado deixar de exercer a função de controle, por meio do exercício da jurisdição estatal tradicional, se surgirem litígios em torno do próprio meio.

Antevê-se, portanto, a necessidade de cooperação harmônica entre a jurisdição prestada pelo Estado e os ADR’s, incumbindo ao Estado o papel de protagonista da

coordenação e articulação de tais meios113. Mais do que isto, modernamente, trilha-se o caminho da interação entre ADR’s e jurisdição estatal114, já não se vislumbrando radical separação entre tais meios115.

Restringindo-se essa palpitante discussão ao que interessa mais de perto ao presente trabalho, quer-se apenas destacar este cenário em que soluções de conflitos por técnicas distintas da jurisdição estatal são cada vez mais presentes e aceitas. Este pano de fundo há de ser considerado para examinar a execução116 e, mais particularmente, a execução

extrajudicial.

112 Nas bem colocadas palavras de P. COSTA E SILVA, “a autonomia privada não é suficiente para que o Estado aceite o acto: o Estado reservou para si a definição dos casos em que reconhece como bom os actos de heterocomposição, apenas coloca a sua força coativa à disposição daqueles que reconheceu e aceitou” (A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, pp. 41-42).

113 S. GARSON, A adequação da ideia de monopólio da jurisdição com os meios alternativos de resolução de litígios – desjudicialização da execução, 2010, p. 10.

114

M. TARUFFO é conhecido defensor da combinação de técnicas de mediação e arbitragem com o processo estatal, sustentando que o emprego inteligente dessa combinação contribui para, de um lado, aliviar a carga de trabalho do juiz e proporcionar rápida solução aceita pelas partes e, de outro lado, permite que as próprias partes manifestem sua vontade em ambiente regulado por lei e controlado pelo juiz (Un'alternativa alle alternative: modelli di risoluzione dei conflitti, in RePro, nº. 152, 2007, p. 331). Reflexo disso no direito brasileiro é a Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, a qual, pretendendo implantar uma política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, estimula a oferta de mecanismos distintos da solução adjudicada mediante sentença e incentiva o emprego da mediação e da conciliação no âmbito dos Tribunais.

115 M. GALANTER, Compared to What? Assessing the Quality of Dispute Processing, in Denver University Law Review, 66(3), 2011, p. xiii.

116 Para B. S. SANTOS, tal qual a intensificação dos ADR’s, com “a criação de instrumentos novos, como os centros de arbitragem, a mediação, os julgados de paz e a atribuição de competências aos conservadores do registro civil para a realização de divórcios por mútuo consentimento”, também “a criação de uma nova profissão jurídica, o solicitador de execução, no âmbito da reforma da acção executiva” é reveladora de um

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