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Notas sobre a execução extrajudicial de crédito dotado de garantia imobiliária

5.2 Execução extrajudicial

5.2.2 Notas sobre a execução extrajudicial de crédito dotado de garantia imobiliária

Outros ordenamentos estrangeiros também contemplam a execução extrajudicial na hipótese de satisfação de crédito dotado de garantia imobiliária, aqui mencionados sem pretensão de exaurimento ou de aprofundamento de suas características, com o único propósito de desvelar que o mecanismo não é exclusividade do direito norte-americano e do brasileiro.

No direito espanhol, admitem a expropriação extrajudicial do bem imóvel dado em garantia o art. 129 da Ley Hipotecaria e os arts. 234 a 236 do Reglamento Hipotecario. Destacando sua natureza e características principais, observa I.M.CAMPOS290 que

trata-se de um puro processo de execução, não havendo, no entanto, verdadeira cognição por um órgão jurisdicional. A submissão ao regime da venda extrajudicial é convencionada entre as partes na escritura e os trâmites do procedimento estão fixados pormenorizadamente na lei, não podendo as partes em caso algum desviar-se dessas regras.

Vale observar que a doutrina e jurisprudência espanholas sempre manifestaram sérias dúvidas a respeito da constitucionalidade da execução extrajudicial, por uma suposta colisão de tal mecanismo com o art. 117.3 da Constituição Espanhola291.

Pela constitucionalidade, defendia-se que o notário não julgava nem fazia executar

o julgado, não tinha ingerência alguma em funções jurisdicionais, apenas executava título

290 Particularidades da execução de hipoteca, in A reforma da acção executiva, 2001 p.4. Assim a professora

da Escola de Direito da Universidade do Minho descreve as linhas gerais do procedimento: (i) inicia-se por petição dirigida ao notário, instruída com documentos – notadamente a escritura de constituição da hipoteca, em que já se preestabelece o preço de venda do imóvel; (ii) presentes os requisitos formais, o notário lavra ata notarial, obtém certidão do imóvel e notifica o devedor para pagar no prazo convencionado, sob pena de expropriação; (iii) dez dias após notificação do devedor, notifica-se também o proprietário do bem (se distinto do devedor) e eventuais outros titulares de direitos sobre o imóvel (iv) publicam-se editais e anúncios; (vi) na seqüência, não realizado o pagamento da dívida, o notário promove a venda extrajudicial por meio de leilão realizado no cartório notarial; (vi) havendo arrematação, lavra-se escritura de transmissão da propriedade e cancelamento de todos os atos registrados posteriormente à hipoteca executada e (vii) se o imóvel não for desocupado voluntariamente, o adquirente deverá postular a obtenção da posse em juízo (ob. e loc. cit.).

291 “El ejercicio de la potestad jurisdiccional en todo tipo de procesos, juzgando y haciendo ejecutar lo juzgado, corresponde exclusivamente a los Juzgados y Tribunales determinados por las leyes, según las normas de competencia y procedimiento que las mismas establezcan” (artigo 117.3 da Constituição Espanhola).

de origem contratual292. No entanto, por meio de decisão prolatada em 20.04.1998, no julgamento do Recurso de Casación 639/1994 (Sentencia 402/1998), o Tribunal Supremo da Espanha decidiu pela inconstitucionalidade da execução extrajudicial hipotecária contemplada pelo art. 129 da Ley Hipotecaria sob o fundamento da jurisdicionalidade da

execução, supostamente assegurada pelo referido art. 117.3 da Constituição Espanhola293.

Sobreveio, então, a Ley de Enjuiciamiento Civil (LEC – Lei 1/2000 de 07 de janeiro daquele ano), que deu nova redação ao art. 129 da Ley Hipotecaria. Com nítido propósito de prestigiar o mecanismo extrajudicial, o referido artigo deixou de falar em processo executivo

extrajudicial e passou a tratar a figura como venda extrajudicial do bem hipotecado, o que,

segundo a doutrina, em nada resolveu o problema294.

Chamado a se manifestar, o Tribunal Constitucional Espanhol, por meio da Sentencia 47/2007, de 12 de março, prolatada por ocasião do julgamento do recurso de amparo 72/2003, limitou-se a decidir que a suposta inconstitucionalidade da execução extrajudicial hipotecária jamais fora declarada com eficácia erga omnes, de modo que os precedentes do Tribunal Supremo em tal sentido tiveram sua eficácia limitada aos casos por ele apreciados, sem inviabilizar o emprego do mecanismo nos demais casos.

A questão da constitucionalidade da execução extrajudicial hipotecária na Espanha, pois, parece remanescer em aberto295.

292 F. ADAN DOMÈNECH, La ejecución hipotecaria, 2009, p. 57.

293 Consta do referido acórdão que “la función de ejecución y, por tanto, la atribución del conocimiento del proceso de ejecución son cometidos propios de los Jueces y Tribunales integrantes del "Poder Judicial" directriz que, además, se asienta, como explica la doctrina científica en una arraigada línea histórica española que, a diferencia de otros ordenamientos extranjeros, no contempla la existencia de órganos de la ejecución autônomos”. Tal entendimento foi reiterado em diversos outros julgamentos do TRIBUNAL SUPREMO DA ESPANHA (cf., dentre outras, Sentencia 324/1999 de 20 de abril; 991/2005, de 13 de dezembro; 3556/2009, de 25 de maio de 2009).

294 Observa F. ADAN DOMÈNECH que a solução proposta pelo legislador teria apenas disfarçado o problema com uma mera substituição da palavra ‘processo’ por ‘venda’, sem promover alteração de conteúdo do mecanismo, que não teria ficado a salvo dos motivos invocados pelo Tribunal Supremo para declarar a inconstitucionalidade do processo executivo extrajudicial (La ejecución hipotecaria, 2009, pp. 58-59).

295 Trata-se do Real Decreto-ley 6/2012, de 9 de marzo, que estabeleceu medidas urgentes de proteção aos devedores hipotecários sem recursos, consistentes de carência, redução de juros, aumento do prazo de amortização, dação em pagamento como forma de quitação total da dívida, dentre outras e, especificamente para a execução hipotecária extrajudicial, tratou de estabelecer percentuais mínimos para a expropriação do bem (art. 12).

Ainda na Europa, Inglaterra296 e Alemanha297 também dispõem, em alguma medida, de mecanismo extrajudicial para alienação do bem imóvel ofertado em garantia.

A doutrina reporta que, recentemente, Eslováquia e Macedônia teriam introduzido em seus ordenamentos a execução extrajudicial hipotecária, conduzida por notário, e avalia como positivos os resultados alcançados298.

Na América Latina, identifica-se mecanismo similar à execução extrajudicial

hipotecária, embora com pouca regulamentação a respeito, no art. 33 do Decreto

Legislativo 495 do Peru, que autoriza as partes contratantes a, no mesmo instrumento em que se constituir a hipoteca, nomear um mandatário, necessariamente terceiro, para que

296 Na Law of Property Act 1925, em sua Section 101, autoriza-se o credor hipotecário a proceder à venda do

bem imóvel ofertado em garantia para pagar-se (Disponível em <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/Geo5/15-16/20/section/101>. Sobre o tema, observa N. L. LAMEGO que “no direito inglês os credores podem, ainda, prever self help remedies nos próprios instrumentos que constituem as garantias, com o intuito de assegurar sua excussão de forma extrajudicial com a alienação privada dos ativos, restringindo, assim, os custosos remedies jurisdicionais às hipóteses de eventual resistência do devedor” (Recuperação de crédito: evitando a excussão judicial de garantias, in Revista dos Tribunais, nº 891, 2010, p. 20). Na prática, observa F. WALLACE que, na hipótese de inadimplemento, por primeiro o credor convida o devedor para demitir-seda posse do bem, de modo a poder vendê-lo. Se houver resistência, costuma o credor dirigir-se à county court competente e requerer lhe seja concedida ordem para apossar-se do bem, ordem que normalmente é concedida de imediato se o imóvel não for residencial, e que é suspensa se o devedor retomar o pagamento das parcelas vincendas e propor o pagamento parcelado das vencidas usualmente em até doze meses( The credit secured by a mortgage in Europe: securities and enforcement against real estate in England. Disponível em: <http://www.eurojuris.net/assets/the guarantee in english law.doc>. Acesso em: 14.09.2012).

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Acerca da execução imobiliária na Alemanha, é bem verdade que o credor de quantia certa, por qualquer título, ainda que originalmente desprovido de garantia, pode acorrer ao cartório de registro de imóveis (Grundbuchamt), tido como um dos órgãos da execução, para requerer a inscrição da hipoteca forçada (L. ROSENBERG, Tratado de derecho procesal civil, v. III, 1955, p. 238). Todavia, tal inscrição apenas produz efeitos privados de constituição de garantia, que assegura o crédito a executar (L. ROSENBERG, ob. cit., pp. 239-240). Tal ato extrajudicial não proporciona por si só a satisfação do crédito. Havendo inadimplemento, pontua G. S. HÖK que, ao contrário do direito inglês, na Alemanha o credor hipotecário não se torna proprietário do bem, não pode se apossar dele e imediatamente promover a venda. Deve, ao contrário, buscar a satisfação consoante as regras dispostas no BGB (especialmente § 1147), na ZPO e também em lei específica (ZVG), que regulam o procedimento de venda forçada do bem (The credit secured by a mortgage in Europe: essentials of German land and mortgage law. Disponível em: <http://www.eurojuris.net/assets/credit secured by a mortgage in europe – germany.doc>. Acesso em: 14.09.2012). Por isso, sintetiza R. BOMHARD que, como regra, deve proceder-se em juízo – o que dificilmente atende as expectativas de celeridade e baixo custo-; embora aponte existirem alternativas de venda privada por iniciativa do devedor e venda privada por procuração, as quais, no entanto, dependem da cooperação do devedor (Realisation of pledged interests in land in the 1990s: stratagies and the Law in Germany, in International legal practitinioner, 19, 1994, pp. 23- 24).

298 K. HENDERSON et al. Regional best practices: enforcement of court judgments. Lessons learned from Latin America, 2004, pp. 23-24.

aliene o bem hipotecado pelo valor mínimo de dois terços do montante atribuído ao bem no contrato, reajustado por índice oficial299.

5.2.3 Notas sobre manifestações de execução extrajudicial e

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