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Tendência de afastar o juiz da realização dos atos executivos

Aproveita-se o encerramento do presente capítulo para assentar algumas considerações sobre o fenômeno de minimização da participação do juiz no desempenho

dos atos de execução.

Parece certo afirmar existir verdadeira tendência, especialmente nos ordenamentos europeus – sendo Portugal o exemplo mais recente e significativo – de afastar o juiz da

realização dos atos executivos310.

Persegue-se, com isto, precipuamente as vantagens de desafogar os Tribunais,

sobrecarregados, para que se concentrem em sua atividade principal, que é julgar e,

também, de proporcionar rapidez e efetividade à execução; assumindo-se, como contrapartida, o risco de eventual prejuízo à segurança em razão de menor intensidade de controle (em especial, controle prévio), pelo juiz, dos atos praticados pelos agentes de execução311.

Referida tendência, que conduz a atribuição dos ats de execução a outros agentes, distintos do juiz, na opinião de K. HENDERSON et al., é salutar, Na observação de tais

autores, a comparação entre os modelos europeus (desjudicializados) e os verificados na América Latina (altamente judicializados) revelaria a maior eficiência dos primeiros312.

Ainda que seja privado o agente de execução incumbido de promover os atos de execução - assim como poderia ocorrer com outros atos do processo – o fenômeno, a nosso

309 V. item 7.4 abaixo.

310 Neste sentido, é categorical a posição de F.P. RIBEIRO, que assevera que “não pode ser outra a conclusão deste estudo dos vários sistemas executivos europeus: a desjudicialização da execução é uma tendência na Europa” (Desjudicialização da execução civil, Tese (Doutorado), 2012, p. 109).

311 R. WALTR, Les agents d’exécution, in L’ exécution des décisions de justice en matière civile, 1998, p. 120. 312 Regional best practices: enforcement of court judgments. Lessons learned from Latin America, 2004, p.

24. Isto não significa, por certo, que os países latino-americanos devam simplesmente seguir o modelo europeu: com razão pondera o autor que tão expressiva alteração necessita de prévio, cuidadoso e sério debate, com a participação da comunidade jurídica e empresarial (ob. e loc. cit.).

ver, longe está de implicar a privatização do processo. Pelo contrário, o que parece haver é a publicização dos atos dos particulares autorizados a praticá-los313, até porque, como já se viu, tal autorização é concedida e regulamentada pelo próprio Estado.

A questão da eventual privatização, contudo, longe está de ser a mais relevante para o que aqui se examina, pois, como bem ensina G. TARZIA,“a contraposição entre

público e privado na execução constitui um falso problema”314, pois o que realmente importa é que o agente de execução desempenhe seus atos de maneira idônea em um processo equilibrado, que proporcione a satisfação do credor sem demasiado sacrifício do devedor.

5.3.1 Atribuição de competência executiva aos Tribunais Arbitrais?

Conclui-se esta etapa da tese recordando a provocação, lançada por P. COSTA E

SILVA, que revolve muito quanto acima se assentou: seria possível, na atualidade, admitir- se que Tribunais Arbitrais ostentassem competência executiva315?

A questão, que por si só mereceria alentado estudo à parte, sugere um modelo extremo de afastamento do juiz, não apenas no dizer o direito, mas também no atuá-lo em

concreto.

Relata a professora da Universidade de Lisboa que a doutrina mais afeita ao estudo da execução propugna pela resposta negativa, objetando que a execução implica exercício

313 Embora não tratando dos atos de execução, bem observou J. C. BARBOSA MOREIRA que “particulares são com freqüência autorizados ou chamados a colaborar na atividade judicial tendente à decisão das lides, quer provocando-a, pela iniciativa de instaurar processos (...), quer participando diretamente dela, pela emissão de pronunciamento sobre o desfecho que há de dar ao pleito (...). Pois bem: a meu ver, longe de ser o processo que assim se privatiza, ao contrário, os particulares é que vêem a sua atividade revestida de caráter público. Dá-se, a bem dizer, publicização, e não privatização” (Privatização do processo?, Temas de direito processual, 2001, p.9).

314 Problemas atuais da execução forçada, in RePro, nº. 90, 1998, p. 79. A lição, aqui tomada de empréstimo,

vem no contexto da defesa da menor intervenção do juiz na execução para a alienação do bem sobre o qual recai a responsabilidade executiva – v. nota 228 acima – concluindo o processualista italiano que “a exigência, aqui, é somente a de assegurar a utilidade da venda e a seriedade de quem a executa”.

de poderes de autoridade e pressupõe ingerência em bens fundamentais do executado, o

que só poderia ser realizado pelo Estado-juiz; ao passo que arbitralistas propõem resposta positiva, escorados na coercibilidade de decisões arbitrais, inclusive para decretar medidas urgentes.

Para o desate do nó górdio imposto pela questão, importa de ver, não bastaria invocar a superação do monopólio estatal da jurisdição, nem tampouco tomar posição acerca da natureza jurisdicional ou administrativa da execução. O âmago da provocação, isto sim, toca no monopólio estatal da força, que legitima o exercício dos atos de

autoridade de execução. Poderiam tais atos de autoridade ser atribuídos a particulares?

Ou, na expressão de P. COSTA E SILVA, “podem ser praticados por um sujeito de direito privado acta ius imperii, essenciais à satisfação do interesse do credor exeqüente?”316.

Em Portugal, a resposta há de contar com um dado objetivo: por ocasião das reformas no processo de execução, já examinadas, atribuiu-se a agente de execução particular a prática de atos executivos, inclusive os de “discriminar os bens a penhorar no

patrimônio do executado, realizar essa penhora e proceder à respectiva venda”, o que

implica “necessariamente o exercício de poderes de autoridade”, sem prejuízo de controle pelo Estado317.

Fato é que o Direito Português, em norma introduzida pelo mesmo Decreto-lei 226/2008 – o mesmo diploma legal que aprofundou a reforma da execução judicial -, contemplou expressamente a possibilidade de, em arbitragens institucionalizadas, os respectivos centros realizarem “as diligências de execução previstas na lei” (art. 11); devendo colaborar um juiz togado para autorizar-se a entrada forçada no domicílio do

executado (art. 16).

Ao menos o legislador ordinário luso, portanto, respondeu positivamente à provocação e atribuiu competência executiva aos Tribunais Arbitrais, sem sujeitar seu desempenho aos Tribunais Estatais: a estes ficaria reservado o controle prévio e abstrato, realizado por meio da disciplina legal de tal atividade, assim como pela fiscalização

316 A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, p. 96. 317 A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, p. 97.

concreta de sua atuação, a cargo de uma comissão presidida por um juiz conselheiro, nos termos do art. 17 do referido Decreto-lei 226/2008.

O arrojado modelo, como comenta P. COSTA E SILVA318, é aberto:

tanto se pode desenhar uma competência jurisdicional e de controlo dos árbitros, sendo as diligências realizadas, à semelhança do que ocorre nas execuções que pendam perante tribunais judiciais, por um agente de execução, como se pode conceber um árbitro com poderes concentrados.

Embora entenda que a função executiva não estaria reservada, portanto, aos tribunais judiciais, P. COSTA E SILVA não chega a responder categoricamente se tal função estaria reservada ao Estado - ainda que indiretamente, de modo que este possa eventualmente delegar seu exercício -, insinuando resposta positiva, na medida em que afirma ter “reservas à

ausência de reserva se dela acabar por decorrer uma desresponsabilização do Estado pelo exercício de uma função que ainda é sua: garantir a satisfação efectiva dos direitos que sejam reconhecidos por decisão judicial” 319

.

Nos limites deste trabalho, não cabe maior aprofundamento na investigação do ponto, abordar sua adequação à Constituição Portuguesa e, muito menos, aferir sua aplicabilidade ao direito brasileiro.

As reflexões a seu respeito, no entanto, revelam-se úteis, como fechamento dos capítulos de abordagem panorâmica, na medida em que descortinam até que ponto se pode

avançar na relação entre Estado, Jurisdição e Execução; e quão longe está, deste ponto, a concepção, tão presente em plagas nacionais, de que os atos de execução devem ser conduzidos exclusivamente pelo juiz.

318 A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, p. 99. 319 A nova face da Justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, 2009, p. 104.

6 Garantias e instrumentos para satisfação do crédito imobiliário

inadimplido

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