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Segundo os dois entrevistados, foi possível caracterizar alguns problemas na manutenção desta atividade. Estes relacionam-se, essencialmente, com a atividade pastoril para a produção de leite - a matéria-prima dos queijos.

Os desafios são:

a) As raças autóctones (Cabra Serrana – ecótipo Transmontano e a ovelha Churra da Terra Quente), pelo facto de serem as únicas que podem fornecer a matéria-prima para o fabrico dos queijos e também das carnes DOP, não são as de maior estima ou interesse por parte dos ovinos e caprinocultores; pelo contrário, os cuidados exigidos com estes animais (com o veterinário, com a alimentação, o rastreio, a procriação), podem até ser um desestimulo à criação deste tipo de gado. Também os cuidados aplicados à produção leiteira: como a higiene na colheita e no armazenamento, ou o cuidado com os tanques de armazenamento do leite é por vezes pouco estimulante. Nem sempre cumprir todas as demandas higiénicos-sanitárias podem ser atingidos e o trabalho pode não compensar financeiramente. O valor do leite, de acordo com o Sr. Inácio, quando de boa qualidade, chega aos 0,65€/L., mas pode variar entre os 0,45€ e 0,60€.

b) A atividade não se renova geracionalmente. Os pastores atualmente têm uma idade mínima aproximada dos 60 anos. Se não há novos pastores ou interessados na atividade, esta pode acabar em poucas décadas;

c) As áreas rurais portuguesas têm um decréscimo populacional crescente. De acordo com os dados do INE e PORDATA114, as áreas DOP do Queijo de Cabra Transmontano,

constituídas por 10 municípios, passaram, entre 1960 e 2011, de 41,0 hab/km² para 22,7 hab/km². No que diz respeito à área a que reporta o Queijo Terrincho, constituída por 13 municípios, a população decresceu de 40,7 hab/km² para 18,4 hab/km² no mesmo período.

d) Ainda persiste o estigma de profissão de “pobre” ou de “incapaz” associada ao pastor. No contexto rural, a criação de ovelha ou cabra sempre foi associado ao lado pobre da pecuária (em oposição à vaca); com isto, a atividade pastoril era exercida por pessoas muito pobres, sem qualquer nível de escolaridade ou até mesmo intelectualmente incapazes.

114 Dados disponíveis em: https://www.pordata.pt/Municipios/Densidade+populacional +segundo+os+Censos-591. Acesso em 15/11/2018. A composição da Área Geográfica do Queijo de Cabra Transmontano DOP é de 10 municípios e do Queijo Terrincho DOP é de 13 municípios.

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Outro constrangimento é a resistência em se reconhecer o Queijo de Cabra Transmontano DOP e o Queijo Terrincho DOP como queijos únicos e como elementos identitários da região. Há na região outros queijos de cabra e de ovelha, produzidos de forma não certificada e que também apresentam uma versão curada em pimento vermelho e azeite que pode confundir o consumidor. Por serem mais baratos, podem ter maior venda e gera uma concorrência desleal.

Durante a entrevista com o Sr. Telmo, o mesmo afirma que um produto DOP deve ter uma legislação ainda mais específica, principalmente pela unicidade de matéria-prima, o que não se passa, por exemplo, com o queijo de São Jorge, nos Açores, em que não é preciso que o leite seja uma espécie animal autóctone. Deste modo, queijos como Terrincho, Cabra Transmontano ou o Serra da Estrela, têm maior raridade, pois os animais produtores de leite são limitados em termo de espécies e do ambiente em que vivem.

Também importante destacar, durante a entrevista, o Sr. Telmo comenta, em forma de desabafo, das dificuldades que enfrenta atualmente com a QUEITEC, a Cooperativa responsável pelos interesses dos produtores de leite da ovelha Churra da Terra Quente, que atualmente passa por problema administrativos115 e isso tem interferido na produtividade do leite e do queijo,

cuja saída tem sido investir em outros queijos e manter a produtividade da queijaria ao longo do ano. Para além disso, a Quinta da Veiguinha, enquanto instituição privada tem sido a atual representante do queijo Terrincho DOP ao que cerne as discussões sobre os atuais desafios da produção do queijo além de ser a principal divulgadora do produto.

Também questionado o porquê de assumir estas responsabilidades, sua resposta é simples:

Assumi porque o este produto é fruto do meu trabalho. E como empreendedor preciso ver nas oportunidades uma nova forma de manter-me em evidência. Todos os eventos que posso participar, vou. Mas vou enquanto Quinta de Veiguinha, e não como QUEITEC. Procuro posicionar-me no mercado nacional.

Os entrevistados também referiram que os investidores locais não se sentem motivados para produzir alimentos certificados: sobretudo devido aos altos custos de investimentos, às grandes exigências e à burocracia necessária para a sua concretização, mas, também, porque o mercado não reconhece ou não consome estes produtos. Se o consumidor não conhece o produto não o pode valorizar, tendo em conta que tem que o seu valor de compra tem que ser mais elevado,

115 Não quis aprofundar as questões pertinentes a Cooperativa. E ainda informa que não é surpresa o facto de o autor da dissertação não ter conseguido uma resposta ou estabelecer contacto com a instituição.

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comparado aos géneros similares. O que pode incentivar a escolha do produto DOP é a informação que agregue valor ao produto, e explique porquê têm importância.

A manutenção desta atividade também precisa passar para a mão-de-obra mais jovem e capacitada. Os programas e apoios da União Europeia e do Governo de Portugal ainda não conseguem estimular as camadas etárias mais jovens a investir nestas zonas do país, o que também está associado à crescente litoralização da população, desde 1960. Isto deixa antever consequências graves para Trás-os-Montes em vários aspetos, sobretudo sociais, económicos e culturais. Os produtos DOP são parte da oferta de alimentos produzidos nas zonas rurais de Portugal. A desertificação destas áreas tende a não estimular a continuidade das produções do que quer que seja.

Em relação a estes constrangimentos a estratégia só pode ser o melhoramento genético das raças e maior incentivo aos produtores para as criarem estes animais, sobretudo as camadas mais jovens; a valorização da produção de leite, destinado às queijarias certificadas; e estratégias de marketing para dar a conhecer e valorizar estes alimentos em termos regionais e nacionais.

PARTE V - A PRODUÇÃO DOS QUEIJOS TRANSMONTANOS CERTIFICADOS A NIVEL DO CENTRO-NORTE DE PORTUGAL E A SUA RELAÇÃO COM O TURISMO E O DESENVOLVIMENTO LOCAL

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13. Os queijos Terrincho DOP e Cabra Transmontano DOP no contexto dos queijos certificados