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2. Património cultural

2.2. Património imaterial

O património imaterial ou intangível é uma sub-definição do património cultural e está intrinsecamente ligado às manifestações não materiais ou físicas do que é considerado um património. Nomeadamente, as manifestações culturais através da dança, música, gastronomia,

38 ICOMOS. (2003). Recomendações para a análise, conservação e restauro estrutural do património arquitectónico. Zimbabue. Disponível em: http://icomos.fa.utl.pt/documentos /cartasdoutrina/icomosrecomendacoesestruturas. pdf. Acesso em 26/04/2017.

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festividades, manifestações religiosas, linguagem, arte (através das artes plásticas, cênicas, arquitetónicas, artesanato, por exemplo).

Mais do que «o que é feito», é a arte do «saber fazer». Essa é a característica do património imaterial. Em definições oficiais, tem-se a definição da UNESCO (2003, Art.º 2º, p. 4):

Entende-se por “património cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural. Esse património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interacção com a natureza e da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo, desse modo, para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana.

E também a definição afirmada dois anos antes, em Portugal, encontrada na Lei de Bases do Património Cultural (Lei nº 107 de 2001, p. 1). Nesta lei temos como definição do património imaterial: “integram o património cultural as realidades, que tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representem testemunhos etnográficos ou antropológicos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memórias colectivas”39.

O património cultural imaterial está dividido em cinco domínios, conforme as suas manifestações (UNESCO, 2003, p. 4):

a) Tradições e expressões orais, incluindo a língua como vector do património cultural imaterial; b) Artes do espetáculo;

c) Práticas sociais, rituais e actos festivos;

d) Conhecimentos e usos relacionados com a natureza e o universo; e) Técnicas artesanais tradicionais.40

Para esta dissertação, as definições supracitadas auxiliarão a compreensão do património imaterial, nomeadamente ao que compete o campo gastronómico. Desta forma, perceber como a prática tradicional do fabrico de queijos, em Trás-os-Montes, pode servir-se de uma ferramenta da manutenção das tradições deste povo.

2.2.1. Património gastronómico

A gastronomia, ou o conjunto de conhecimentos, técnicas e práticas relacionadas com a produção de alimentos, é uma habilidade humana. Esta reflete-se em todos os processos da alimentação: desde a colheita/caça, cultivo, produção, armazenamento e preparo das refeições.

39 Artigo 91º - nº 1 da Lei nº 107/2001

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Neste transcorrer do alimento transformar-se em um ícone de um povo, Corner (apud. Azevedo 2010, p. 93) defende:

A cultura de um local e a sua gastronomia estão intimamente ligadas. A gastronomia é uma arte dinâmica, influenciada por factores geográficos como o clima, a presença de rios, o tipo de solo, ou a proximidade ao mar; bem como sendo um resultado de factores históricos, como de invasões, ou de outros movimentos de pessoas que se deslocam para o local e influenciam a gastronomia com costumes gastronómicos de outras paragens.

Com o aperfeiçoamento das formas de apresentação e de degustação, a gastronomia foi sendo aprimorada e as técnicas evoluíram em diferentes níveis. Os vários povos do mundo têm suas próprias gastronomias, de forma a serem mais ou menos conhecidas e consumidas por todo o mundo. Michael de Vidts, professor na New Orleans Cooking School, citado por Ciaffone (2003, p. 109) afirma que “Os hábitos culinários de uma região são o melhor caminho para conhecer a sua herança cultural. Gastronomia não mente jamais”.

Na sequência do artigo 91 (da Lei Portuguesa nº 107/01), citado anteriormente, o item 2º aborda a transmissão do conhecimento pela oralidade e modos tradicionais: “Especial protecção devem merecer as expressões orais de transmissão cultural e os modos tradicionais de fazer, nomeadamente as técnicas tradicionais de construção e de fabrico e os modos de preparar os alimentos”.

A afirmação acima é reiterada por Gandara e Schlüter (in Oliveira, 2008, p. 5) “é cada vez maior a importância da gastronomia como património intangível, considerando-se que as festas ou as danças relacionadas, contêm significados simbólicos que se referem ao comportamento, ao pensamento e à expressão de diferentes grupos culturais”

Corroborando o facto do know-how como uma mais-valia para o património gastronómico, Ciaffone (2003, p. 108) apresenta uma visão ainda mais ousada, afirmando que “na verdade um singelo queijo Camembert é tão representativo da história e da cultura francesa quanto o Louvre ou Versailles. Afinal, para chegar à sua cremosidade, muito conhecimento foi aplicado ao longo de séculos”.

Dada a importância cada vez maior da gastronomia portuguesa, e indo ao encontro do conceito de património intangível reconhecido pela UNESCO desde 1997, através da Resolução do Conselho de

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Ministros de Portugal nº 96/2000 (26/07/2000, p. 3618)41, a gastronomia nacional é declarada

Como o fruto de saberes tradicionais que atestam a própria evolução histórica e social do povo português, a gastronomia nacional integra, pois, o património intangível que cumpre salvaguardar e promover. O reconhecimento de um tal valor às artes culinárias cria responsabilidades acrescidas no que respeita à defesa da sua autenticidade, bem como à sua valorização e divulgação, tanto no plano interno quanto internacionalmente.

Este mesmo documento estabelece medidas de preservação, conhecimento, reconhecimento, inventariação da gastronomia portuguesa enquanto património nacional, e incentiva a sua continuidade como fator de desenvolvimento local sustentável, manutenção da diversidade gastro cultural e também como oferta a ser aproveitada pela atividade turística.