Na história do chamado de Moisésv Deus promete a Moisés que um sinal de vitória será Moisés conduzir Israel até “o monte de Deus” (v. Ex 3.1,12). Agora cumpre-se essa promessa (19.1,2). Com base no que vem ocorren
do desde a época dos patriarcas Yahweh explica, nesse local sagrado, o futuro de Israel. Deus escolheu Israel, toda a casa de Jacó, sustentou-os e ajudou-os a se multiplicar num grande povo, agora libertou-os do Egito e trouxe-os para perto de si (19.4). Em outras palavras, a graça de Deus criou um relacionamento especial entre Israel e Yahweh que permite aos israelitas conhecer e experimentar o poder e a presença do Senhor. Fica claro que a ação de Deus e o relacionamento divino-humano são intencio nais e inseparáveis.
Depois de anunciar a base do relacionamento Israel-Yahweh (19.4), o texto passa a assinalar o propósito e a função desse relacionamento (19.5,6).73 Primeiro, Deus anuncia que o propósito do relacionamento é estabelecer uma aliança com toda a nação (19.5). Anteriormente Deus fizera aliança com Noé (v. Gn 9.8-11) e Abraão (v. Gn 12.1-9; Êx 2.23-25). Agora, sem tirar nada das promessas feitas a Abraão, Yahweh esforça-se por ter uma amizade especial não apenas com uma só pessoa ou com um único clã, mas com toda uma nação constituída de descendentes de Abraão. A aliança vem com certas obrigações, da mesma forma como exigiu-se fé, ação e dedicação quando Abraão abraçou a aliança com Yahweh (v. Gn 12.1-9; 15.6; 22.1-
11). Por isso a aliança de agora tem grande semelhança com alianças anteri ores baseadas na fé e voltadas para a obediência.
Segundo, Yahweh declara que a função da aliança é separar Israel como uma nação que pode mediar a identidade divina para toda a família de nações. Pelo fato de toda a terra pertencer a Yahweh,74 Israel será “um reino de sacerdotes e uma nação santa” (19.6). Todas as três expressões “tesouro pessoal”, “reino de sacerdotes” e “nação santa” referem-se a pro messas prévias de Deus a Abraão. Os israelitas são escolhidos em Abraão (“tesouro pessoal”; v. Gn 12.1-9). Kaiser diz que, na condição de “um reino de sacerdotes e uma nação santa”,
a n a ç ã o to d a d e v ia a g ir co m o m e d ia d o ra d a g ra ç a d e D e u s p a ra as nações d a terra, d a m e sm a fo rm a com o A b raão receb era a p ro m essa de qu e p or m eio d ele e su a sem en te tod as as nações d a terra seriam ab en ço ad as (G n 1 2 .3 ). O ú ltim o títu lo d e sig n a v a Israel co m o u m a n ação
73Dumbrell, C ovenant a n d creation, p. 88. 740 texto hebraico deixa implícita uma força causal.
se p a ra d a e d is tin ta p o rq u e se u D e u s e ra sa n to , se p a ra d o e d is tin to , com o o eram seus pro p ó sito s e p lan o s (D t 7 .6 ; 1 4 .2 ; 2 1 ; 2 6 .1 9 ; Is 6 2 .1 2 ; v. IP e 2 .9 ) .75
Como grupo Israel deve desempenhar seu papel na determinação de o Deus único eliminar o problema mundial do pecado por meio do minis tério de Abraão e família. Dentre toda a terra Abraão foi chamado para participar da redenção humana; o mesmo ocorre com Israel. Abraão rece beu uma aliança baseada em graça, fé e obediência reveladas. Israel como grupo logo receberá semelhante oportunidade. Abraão foi chamado a estar separado de sua casa, seu pai e seu povo. De semelhante maneira Israel logo estará separado (i.e., será santo). Séculos de planejamento e controle do tempo fundem-se num único momento. Dificilmente a expectativa poderia ser mais elevada. Será que os israelitas aceitarão essa oportunidade de desempenhar sua função ministerial redentora ao extrair forças de seu relacionamento singular com o Yahweh singular? Eles concordam em fazê- lo (19.7,8).
Com base nessa concordância, Yahweh passa a lembrar a nação toda do que Abraão aprendeu em Gênesis 12.1-9; 15.1-21 e 22.1-12, Moisés em Êxodo 3 e 4 e certamente o que o próprio povo deve ter aprendido em Êxodo 5— 15: Yahweh é soberano, santo, transcendente e está bem vivo. Não é nenhum ídolo sossegado, pacífico e silencioso. Yahweh vive, fala e age de forma a aterrorizar e ao mesmo tempo instruir, libertar, redimir, desafiar e dar segurança. Deus deseja revelar-se a Israel, mas sabe que essa revelação deve lançar fora quaisquer vestígios de idéias egípcias de divinda de e devem oferecer ao povo escolhido um quadro claro de quem o povo é em relação a Yahweh. Desse modo o Senhor decide realçar o papel de Moisés como mediador da auto-revelação de Yahweh (19.9), realçar a misericórdia de Deus ao revelar-se aos seres humanos. Yahweh também limita o acesso dos israelitas ao local dessa revelação e ordena ao povo que prepare-se espiritualmente para essa revelação da aliança (19.10-13). Mesmo o povo escolhido não alcança o poder e a excelência do Deus que o elegeu. Os israelitas devem aprender a respeitar-se a si mesmos e colocar- se debaixo da autoridade amorosa de Yahweh.
As cenas finais de Êxodo 19 deixam bem clara a ênfase do capítulo na santidade e transcendência de Deus. A necessidade de Israel consagrar-se a si mesmo antes de encontrar-se com o Senhor e o fato de Yahweh dizer a Moisés para manter o povo a uma distância respeitosa do monte (19.16-
25) destacam a santidade (ou condição separada) de Yahweh. A menção tanto da maneira como Deus desceu sobre o monte quanto das sucessivas descrições das manifestações físicas dessa descida (19.16-22) ressaltam a transcendência divina (ou seja, sua condição de ser uma pessoa não huma na). Deus não partilha do tamanho humano nem das limitações no tempo. Deus nao se relaciona com as pessoas como se fossem colegas. Deus é al guém não humano, contudo deseja forjar um relacionamento com os seres humanos, caso contrário não teria “descido”. Ao longo do cânon dois princí pios norteadores aparecem com regularidade: a singularidade de Deus sepa ra-o da criação, e o amor de Deus leva-o a sair ao encalço da criação. O Deus transcendente está na iminência de tornar a revisitar esses princípios.