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Deus que faz aliança com Israel: Êxodo 2—

Depois de reenfatizar a natureza do caráter divino e de assinalar claramen­ te o propósito e função de Israel dentro da aliança proposta, o texto decla­ ra os conteúdos iniciais dessa aliança. Apresentam-se dois tipos de lei: mandamentos (20.1-17) e leis casuísticas (20.22—23.19).76 Essas ins­ truções são emolduradas por uma narrativa que separa as duas primeiras seções (20.18-21), uma posterior promessa de sucesso (23.20-33) e uma descrição final da reação de Israel aos padrões revelados, reação que leva a ainda mais revelação (24.1-18). Esses elementos trabalham juntos para produzir um quadro unificado de leis básicas, recebimento da lei, estudos de casos a partir das leis básicas, e a reação humana e divina à apresentação dessas leis. Toda esta seção possui implicações surpreendentes para a histó­ ria antiga, visto que nenhuma outra nação acreditava que sua divindade fizesse uma aliança com ela. Não se imaginava nenhum outro deus fazen­ do promessas e cumprindo-as sem falha alguma.

Yahweh começa os Dez Mandamentos, vinculando os padrões revela­ dos ao Èxodo. O Deus que redimiu Israel oferece agora a instrução bási­ ca conseqüente da aliança (20.1,2). Sem surpresa alguma, os primeiros quatro mandamentos cobrem vários aspectos do relacionamento de Is­ rael com seu Deus. A amizade deles com Yahweh deve ter precedência sobre os demais relacionamentos. Os seis últimos relacionamentos di­ zem, contudo, respeito a relacionamentos humanos, os quais indicam que a aliança terá ramificações que vão do povo da aliança até o mundo externo.

76Sobre essas leis, v. as monografias seminais de Albrecht Alt em Essays in O ld Testa­

O primeiro mandamento sumaria a contribuição distintiva da teologia do AT. Também faz com que todos os outros mandamentos e leis casuísti- cas sejam autoritativos tanto para esta quanto para cada geração seguinte do povo da aliança.77 Por sinal, Von Rad não exagera quando escreve: “Na realidade toda a história da religião de Israel é um embate preocupado unicamente com a validade do primeiro mandamento”.78 Este manda­ mento comporta duas interpretações básicas. Uma é que “para Israel não haverá outros deuses”. 9 Outros deuses podem existir de alguma forma irrelevante, contudo Israel não deve prestar qualquer adoração, qualquer oferta, qualquer obediência a tais “deuses”. Outra possível interpretação é que “não existe nenhum outro Deus”. Se não existem quaisquer outros deuses, então não faz qualquer sentido dar atenção a qualquer Deus senão Yahweh.

Ambas as intrepretações tornam Israel singular entre as nações. Mesmo que Israel não negasse a existência de outros deuses em alguma esfera da realidade, no dizer de John Bright esses outros deuses

não tin h a m p arte n a criação , n em fun ção no cosm os, n em p o d er sobre ac o n te c im en to s, n em ad o ração ; eles fo ram d esp o jad o s d e tu d o q u e os fazia deuses e fo ram co nsid erad o s não-seres, em su m a, fo ram “d esd eu- sados”. E m b o ra conclusões sobre as im p licaçõ es plen as do m o n o teísm o estivessem a séculos d e d istâ n c ia , neste sen tid o fu n c io n a l Israel a c red i­ to u desde o p rin c íp io em ap enas u m ú n ico D e u s.80

Ao contrário de outros países, que pelo menos concediam aos deuses menores um nível inferior de divindade, Israel elimina tais deuses ao dar- lhes nada para fazer. Assim mesmo o cânon assume a postura radical de que outros deuses absolutamente não existem. Moisés não descreve qual­ quer outro deus a não ser que seja um ídolo para ser enterrado (v. Gn 35.1- 15) e assim considera-os inexistentes. Nenhum outro deus aparece nem mesmo nos textos das pragas, onde seria natural satirizar os deuses do Egito. No texto

Y ahw eh é, n u m a p alavra, a to ta lid a d e do d iv in o p ara Israel. Este p rin c í­ p io p e rm e ia to d a a lite ra tu ra b íb lic a. O u tras d iv in d ad es são m e n cio n a ­

77Theodorus Christiaan Vriezen, An outline o f Old Testament theology, p. 318.

n Old Testament theology,vol. 1, p. 210 (publicada em português com o título Teologia do Antigo Testamento).

9Z im m e r li , Old Testament theology, p. 116-7.

S0A history o f Israel,p. 154. V. cap. 1 dessa obra para uma análise mais detalhada do assunto.

d as n as n a r ra tiv a s b íb lic a s , c o n tu d o se m re c o n h e c e r s u a r e a lid a d e . O n d e q u e r q u e m a n ife s te m -s e p a la v ra s o u ato s d iv in o s, é e ste D eu s ú n ic o q u e fa la e ag e . Só e ste D e u s ú n ic o é c o n h e c id o n a tra d iç ã o b íb lic a , e n a su a to ta lid a d e a tra d iç ã o id e n tific a a q u e le a q u e m se deve le a ld a d e e x c lu s iv a .81

É, então, correto dizer que o cânon elimina da disputa todos os deuses. Na teologia bíblica não há qualquer espaço para qualquer deus além de Yahweh, que cria, sustenta, redime, julga e chama.

O segundo mandamento reforça a importâcia do conceito de Deus único. Israel não deve fazer ídolos baseados na natureza, curvar-se diante deles ou adorá-los (20.4,5). Essa proibição abrange tanto os deuses quan­ to Yahweh. Fazer imagens de outras divindades e adorá-las é seguramente uma quebra do primeiro mandamento. Desse modo o segundo manda­ mento está na prática dizendo a Israel: “E proibido declarar Yahweh como seu deus supremo e ao mesmo tempo curvar-se diante de outros. Exige-se lealdade exclusiva a Yahweh. Nada menos”. Ao mesmo tempo a proibição também abrange imagens de Yahweh. Outras nações acreditavam que “seu deus apossava-se da imagem e, a partir daí, era possível chegar-se ao deus mediante a imagem”.82 Dessa forma o deus poderia ser domado, controla­ do, domesticado, até mesmo manipulado. O fogo no monte sobre suas cabeças mostrou a Israel que Yahweh não era um desses deuses. Pelo con­ trário, Yahweh é o Deus vivo e relacional que ama o povo escolhido de uma tal forma que fica justificadamente enciumado quando eles adoram quer não-deuses, quer imitações malfeitas do Senhor real (20.5). Este Deus deseja abençoar os que crêem e obedecem e castigar os rebelados; não deseja ser colocado numa prateleira como se fosse um brinquedo de crian­ ça e então receber orações feitas pelos fabricantes do brinquedo (20.6). Este mandamento remove os “concorrentes” de Yahweh e ao mesmo tem­ po elimina a insensatez espiritual.

O terceiro mandamento reconhece a validade dos dois antecedentes e regula o uso do nome do único Deus que pode-se adorar (20.7). Só Yahweh pode receber orações e adoração. Assim, os adoradores não devem tratar com pouco caso o nome, o caráter, a reputação ou o ensino de Deus.83 Walther Zimmerli declara que essa proibição elimina encantamentos má­ gicos baseados no nome de Yahweh à semelhança daqueles entoados por

81Dale Patrick, O ld Testament law, p. 43. 82Zimmerli, O ld Testament theology, p. 120. 83Kaiser, Exodus, p. 423.

outras nações, que usavam os nomes de seus deuses. O mandamento tam­ bém rejeita a blasfêmia, o falso testemunho e “fazer Yahweh ter má repu­ tação” devido a comportamento inapropriado.84 Childs acrescenta que ensino falso apresentado como proveniente de Yahweh também equivale a tomar o nome de Deus em vão.85 Em outras palavras, os que falam em nome de Yahweh ou a respeito dele devem aderir à verdade canônica reve­ lada sobre Yahweh. Também não devem usar o nome de Yahweh com propósitos egoístas. Gerações posteriores de judeus interpretaram que este mandamento significa que não podiam pronunciar o nome Yahweh, mas essa aplicação vai além do mandamento de forma que tende a despersona­ lizar o Deus pessoal de Êxodo 20.

O quarto mandamento baseia-se na teologia da criação para conduzir Israel a uma adoração correta do seu Deus. Gênesis 2.2,3 afirma que Deus separou o sétimo dia como um tempo de descanso. Agora o texto torna o sábado parte permanente da vida de Israel. Deve dar-se descanso a cada homem, mulher, criança e animal (20.8-10), o que deve ter sido um pre­ sente extraordinário numa sociedade sobrecarregada de trabalho como a deles. Deus já se revelou suficientemente poderoso para prover as necessi­ dades de Israel em seis dias (v. Êx 16.21-23), de sorte que não devem se preocupar, pensando que tal “indolência” causará necessidades. Além da dádiva de descanso físico, o sábado também permite que Israel tenha um dia de tempo totalmente livre para adorar Yahweh e receber refrigério espiritual. Detalham-se mais tarde rituais específicos de adoração, mas aqui introduz-se o princípio puro e simples. Se Israel acreditar que Yahweh é capaz de atender a suas necessidades em seis dias de trabalho e se Israel verdadeiramente não tiver qualquer outro deus, então o sábado ser-lhes-á uma bênção e não um fardo. As necessidades humanas básicas de descanso e adoração estão impregnadas na estrutura da criação (20.11,12) e, dessa forma, são reconhecidas e atendidas.

Com princípios fundamentais para um relacionamento positivo com Yahweh no devido lugar, os seis mandamentos seguintes regulam a intera­ ção humana. O quinto e o décimo mandamentos governam os motivos e as ações enquanto os mandamentos sexto a nono concentram-se nas ações. Yahweh enfatiza a honra aos pais como a chave para possuir por longo tempo a terra prometida a Abraão em Gênesis 12.1-9 (Êx 20.12). Dale Patrick escreve: “O verbo traduzido por ‘honrar’ com freqüência tem Deus

MO ld Testament theology, p. 124.

como objeto, no qual é traduzido por ‘glorificar’. Honrar os pais é dar-lhes o respeito e a importância reservada para o sagrado”.86 Onde quer que tal respeito exista, certamente seguirão a obediência aos pais e o cuidado com eles. No que diz respeito a honrar os pais, o mais importante benefício de longo prazo deve ser filhos que seguirão os ensinos dos pais sobre Yahweh

e a aliança.87

Os quatro mandamentos seguintes impedem tirar do próximo elemen­ tos preciosos de vida. Começando com homicídio (20.13), o ato premedi­ tado de tirar a vida, o texto passa para o ato de tomar o cônjuge de outrem (20.14), de tomar os bens de alguém (20.15) e de tomar a reputação ou liberdade de alguém (20.16). De acordo com Gênesis 1 e 2, Deus dá vida (Gn 1.26), parceiros de vida (Gn 2.20-25) e trabalho e bens (Gn 1.26- 28; 2.15). Só Deus pode determinar, mediante revelação direta ou ato soberano, como ou quando cessam a vida, o casamento e o direito à pro­ priedade. Deus certamente também dá dignidade individual a cada ser humano (Gn 1.26), de modo que sujar injustamente a reputação de ou­ trem também viola a própria estrutura da criação. Na nação da aliança cada pessoa merece desfrutar respeito por sua vida, por seu relacionamen­ to conjugal, por seus bens e por seu nome. Violações desse padrão são rejeições grosseiras da vontade do Deus que criou.

Finalmente, o décimo mandamento denuncia a atitude específica que leva à quebra de todos os mandamentos (20.17). O verbo cobiçar significa desejar seriamente os bens ou pessoas específicos associados ao seu próximo. Os cobiçosos não desejam uma casa ou uma mulher. Desejam uma casa específica ou uma mulher específica, que pertencem ao seu próximo. Desse modo o desejo plenamente cumprido é roubo ou adultério. Semelhante­ mente, rejeitar os primeiros quatro mandamentos equivale a cobiçar a auto­ ridade de Deus. Assim como a fé leva à obediência (Gn 15.6), de igual modo a cobiça leva a defraudar a Deus e ao próximo. O pecado começa com os próprios desejos. Conforme Kaiser observa, “este mandamento trata do íntimo do coração do homem e mostra que nenhum dos nove mandamen­ tos anteriores pode ser observado simplesmente por um ato externo ou for­ mal. Cada instinto interior que conduzia ao ato em si também estava inclu­ ído”.88 O mandamento começa pela coração e pela vontade.

Logo seguem-se leis casuísticas baseadas nos mandamentos, e maiores detalhamentos dessas verdades reveladas aparecem no restante da Lei, mas

86 O ld Testament law, p. 51.

87Childs, O ld Testament theology, p. 74. 88Exodus, p. 425.

a seqüência natural rumo a essas leis casuísticas é interrompida pela reação dos israelitas frente à revelação de Deus. Dito de modo simples, o povo está aterrorizado com a impressionante demonstração de poder por Yahweh (20.18). O povo afirma o papel mediador (20.19) dado por Deus a Moi­ sés (v. Ex 19.9) e recebe garantias de que todos esses eventos têm o propó­ sito de instilar um temor divino que restrinja o pecado (20.20). Tendo desempenhado essa função pastoral, Moisés penetra na “nuvem escura em que Deus se encontrava” (20.21) para receber mais revelação do Deus autoritativo e instrutor.

Moisés começa o processo de aplicar os Dez Mandamentos a situa­ ções diárias (Ex 20.22—23.19). Os estudiosos de praticamente todas as convicções consideram estas leis casuísticas, comumente conhecidas como “Livro da Aliança”, um todo unificado.69 As instruções aqui encontradas variam no assunto e conteúdo e estão reunidas apenas pelo fato de que de alguma maneira derivam dos Dez Mandamentos. Assim mesmo Pa- trick conclui acertadamente que as leis estão agrupadas em quatro am­ plas categorias:

1. A lei do altar (Êx 20.23-26) 2. Os juízos (Êx 21.1—22.20)

3. Mandamentos e deveres morais (Êx 22.21—23.9) 4. Temas sabáticos e calendário de festas (Êx 23.10-19)90

Aparentemente essas leis casuísticas iniciais devem governar o compor­ tamento do povo e orientar os juizes nomeados em Êxodo 18.17-26.

As instruções de Yahweh acerca da construção de altares reforça os qua­ tro primeiros mandamentos. Uma vez que Deus tem-se revelado de ma­ neira tão espetacular (20.22), com certeza Israel sabe que ídolos são des­ providos de significado para os seres humanos e ofensivos para Deus (20.23). A menção a altares e sacrifícios (20.24-26) lembra os leitores de ofertas feitas pelos patriarcas e outros e também prefigura a chegada de mais informação. Por ora é suficiente que os israelitas abracem o monote­ ísmo e sejam obedientes ao Senhor que os redimiu.

Relacionamentos humanos dominam as leis casuísticas de Êxodo 21.1— 23.9. As exigências básicas no relacionamento com outros são imparciali­ dade (21.23-25), santidade (22.31), justiça (23.6) e o tipo de misericór­ dia pelo qual ansiavam enquanto viviam como escravos no Egito (23.9).

S9V., p.ex., Noth, Exodus, p. 173.

Em cada situação dá-se proteção à vítima e ao fraco. Por exemplo, hebreus e hebréias podem ser comprados como serviçais (21.2,7), mas devem ser tratados aceitavelmente e depois de seis anos podem escolher ir embora ou ficar (21.1-11). O nível social ou o sexo deles não permite que seus pro­ prietários temporários os maltratem, pois não são bens do seu senhor. Ademais, atos contra pessoas não suspeitas, como homicídio premedita­ do, seqüestro ou agressão contra os pais, merecem a morte (21.12-17). Semelhantemente, atos violentos que causam ferimento ou nascimento prematuro devem resultar no pagamento de um valor estipulado na pró­ pria lei pelo dano provocado (21.18-27). Toda vida, nascida ou ainda no ventre, é incluída debaixo destas proteções. Finalmente, caso pessoas ino­ centes sejam feridas ou mortas devido à negligência do dono de um ani­ mal, esse dono é considerado responsável pelo custo da negligência (21.28- 36). Deus não redimiu da escravidão os israelitas para que oprimissem uns aos outros! De forma análoga, Yahweh não prometeu uma terra pátria (ou propriedade) a Israel para que cobiçassem e roubassem o que outros pos­ suíam. Assim Yahweh expressa juízos contra o roubo e o descaso com os bens dos outros (22.1-15).

Deve-se julgar cada código de leis pela maneira como eleva os padrões aceitos. Este código eleva as mulheres, tirando-as da condição de objeto sexual (22.16,17). Coloca as emoções e a lealdade de Israel acima da feiti­ çaria (22.18), bestialidade (22.19), idolatria (22.20) e maus tratos dos pobres, órfãos, estrangeiros, viúvas e de quem quer que não tenha alguém que o defenda (22.21-27). Suas conversas passam a estar acima da blasfê­ mia e da maldição (22.28); sua generosidade ultrapassa o esperado (22.29- 31); suas motivações, acima da maldade (23.1); seu senso de justiça, aci­ ma daquele revelado pelo populacho (23.2,3); seu senso de responsabili­ dade, acima dos próprios interesses (23.4,5); e seu amor pela imparciali­ dade, acima do desejo de simples ganho monetário (23.6-8). Em outras palavras, leva-os a tratar os outros da mesma forma como sempre quiseram ser tratados (23.9) e força cada um a envolver nesse processo o eu interior e exterior. Não se deve, de forma alguma, manter separadas as responsabi­ lidades morais e cívicas.

Ê para o descanso e a adoração criar raízes na vida de Israel e isso numa base tanto periódica quanto semanal. O princípio do descanso sabático in­ clui o descanso a cada sete anos para a terra, indicador da necessidade de deixar as pessoas, a terra e até mesmo a economia nacional se recuperar (23.10-12). Outros deuses não oferecem tal descanso (23.13). Israel tam­ bém precisa reunir-se três vezes por ano para reacender o amor coletivo por Yahweh e para lembrar uns aos outros a guardar a aliança (23.14-19). Mais

adiante no Pentateuco cada festa é objeto de tratamento mais detalhado, de modo que o objetivo desta passagem é estabelecer preliminarmente estas festas com base no calendário agrícola, uma estratégia que descreve boa par­ te do material restante no Livro da Aliança. A esta altura, contudo, é claro que a festa dos pães asmos é associada à Páscoa porque ambas ocorrem perto da mesma época (23.15; v. 12.2).

As exigências da aliança divina vêm acompanhadas de promessas. Como retribuição à sua fé e obediência, Israel receberá a Terra Prometida há mui­ to tempo (23.20-33). Uma vez mais o elemento chave para o recebimento da promessa é aderência exclusiva a Yahweh (23.24,32,33), pois só Yahweh consegue operar os milagres necessários para alcançar sucesso (23.20-23,27). O que os outros deuses podem ser não passa de uma armadilha (23.33).

Com a apresentação desses mandamentos básicos e leis casuísticas, Moisés está pronto a oferecer ao povo boa parte da aliança. Pelo menos em termos gerais o povo sabe o que Deus exige e o que ele oferece. Aliás, a natureza basilar da revelação significa que futuros elementos da aliança serão parecidos. De sorte que Moisés diz ao povo tudo que ouviu, e a nação concorda com a aliança (24.3). Moisés escreve, portanto, “tudo o que o Senhor dissera” (24.4). Fez-se um registro escrito para mostrar o valor das palavras a longo prazo. Não se confiou tal transação sagrada nem mesmo à mais precisa tradição oral. Uma vez escrito, o livro é lido, e uma vez mais o povo aceita as estipulações da aliança (24.4-7). Sem dúvida alguma animados e encorajados, Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e os setenta anciãos de Israel têm comunhão com o Deus incomparável (24.9-11). A comunhão resulta de obediência. Deixando Josué em algum ponto entre o cume do monte e o acampamento, um Moisés animado volta até Deus, com quem ficará durante “quarenta dias e quarenta noites” (24.12-18) para receber mais instruções. Deus lhe dará pedras que simbolizarão a aliança (24.12). E difícil imaginar uma cena mais positiva.

Síntese canônica: os padrões básicos da aliança

No contexto antigo esta proposta de aliança foi ao mesmo tempo surpre­ endente e convencional. A iniciativa divina foi surpreendente porque não se sabe de qualquer outra nação do mundo antigo ter afirmado ter uma aliança com seu deus. Israel foi verdadeiramente eleito. Yahweh era sufici­ entemente soberano para controlar a situação e suficientemente amoroso para desejar ficar amarrado às obrigações de um relacionamento de amiza­ de com os descendentes de Abraão. Essa soberania e amor juntam-se para combater o problema do pecado. Ao mesmo tempo, o formato da aliança era comum nessa época. É basicamente correta a afirmação de G. E. Men-

denhall de que aqui existe a mesma estrutura de tratados hititas que inclu­ em preâmbulo (Ex 20.1), prólogo histórico (20.2), estipulações (20.3— 23.19), provisão para a leitura da aliança (24.4-7) e a referência a bênçãos e maldições (23.20-23).91 Há diferenças quanto a detalhes específicos, mas o esboço geral está intacto. A revelação de Deus chega então clara­ mente numa forma compreensível e reconhecível. Pode ser escrita, lida, entendida e obedecida.

Não há maneira alguma de descrever adequadamente as implicações canônicas de Êxodo 19—24. Todos, Moisés (Dt 5.6-11), Jeremias (Jr 7.1- 15), Jesus (Mt 5—7), Pedro (IPe 2.9) e qualquer outro escritor bíblico que tenha algo a dizer sobre aliança, moralidade e relacionamento com Deus pondera direta ou indiretamente sobre esta passagem. O mesmo vale para boa parte do restante do Pentateuco, tão basilares que são esses capítulos para a teologia bíblica. Dada a enormidade da tarefa, talvez seja melhor tratar crenças fundamentais desses versículos do que combater idéias errôneas a respeito. Três questões são vitais.

Primeiro, Jesus sumaria a lei, citando Levítico 19.18 e Deuteronômio 6.4-9 (Mc 12.29-31; M t 22.34-40). Aliás, ele afirma que “destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22.40). Levítico 19.18 diz: “Não procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor”. Esta primeira metade de “toda a Lei e os Profetas” corresponde aos seis últimos mandamentos e às leis casuísticas de Êxodo 21.1—23.9. Embora só em Levítico 19.18 o princípio seja expresso de forma sucinta, ele permeia cada referência a ajudar os fracos, proteger os direitos de todos os israelitas e castigar apropriadamente todos os infratores da lei. Vingan­ ça e todas as outras formas de satisfação do interesse pessoal são banidas a favor de atitudes (como misericórdia e imparcialidade) que conduzem a