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Deus que sustém os redimidos: Êxodo 15.22— 18

A questão da coerência de Israel surge logo, pois em Êxodo 15.22-24 falta água potável e a nação resmunga e, de modo geral, questiona se terá o suficiente para beber. Gênesis 1 e 2 já demonstrou que Deus sustém o que cria. De semelhante modo, Êxodo 3— 14 mostrou que Yahweh tem toda a capacidade para operar feitos miraculosos que atendam a todas as neces­ sidades correntes de Israel. Embora o povo tenha exercitado fé anterior­ mente, tem de tornar a fazê-lo a cada nova crise. Moisés resolve a crise de água e então lembra a nação de que a obediência a Yahweh adiará o tipo de catástrofe que assolou o Egito (15.26). Deus não os redimiu para então destruí-los, mas para amá-los e edificar-lhes a fé no Yahweh incomparável.

Aparentemente insensível a essa dádiva de água, em seguida o povo quéixa-se da ía\ta de comida. T^les glorificam a escravicTao a ponto de dese­ jar ter morrido no Egito em vez de ficar com fome no deserto. Culpam Moisés por levá-los lá (16.1-3). Uma vez mais a questão é se o Deus que chama e livra consegue suster os eleitos nessa nova situação. Yahweh de novo supera os obstáculos, desta vez de forma que “ [pô-los-á] à prova para ver se seguem ou não as minhas instruções [isto é, de Yahweh]” (16.4). Ironicamente, acreditam poder pôr à prova a fidedignidade de Yahweh, quando na verdade só a fidelidade deles continua em dúvida.

Como acontece na história do chamado de Moisés e nos relatos das pragas, Deus atende às necessidades de Israel por meios miraculosos. Yahweh informa Moisés que, do céu, Israel receberá pão e codornizes para encher-lhes os estômagos (16.5-12). A substância com aparência de pão é chamada de “maná”, um jogo com as palavras hebraicas que significam “o que é isso?” (16.1-16). Martin Noth diz que bandos de codornizes apare­ cem com freqüência na península do Sinai, onde Israel estava nessa época, e que o maná pode muito bem ter sido “algo em forma de gota moldado

nas folhas de uma árvore ou arbusto” ainda comuns nessa região.68 Noth, contudo, corretamente observa que, mesmo que o maná tenha sido um alimento natural, era miraculoso para cair o suficiente para cobrir as ne­ cessidades de Israel enquanto observavam o sábado (16.21-30).69 Em Êxodo 16.35 a menção de que o maná durou quarenta anos, isto é, até que Israel instalou-se em Canaã, certamente ressalta a longa duração da provisão miraculosa de Yahweh, mas também força os leitores a considerar que algo poderá adiar a entrada da nação na Terra Prometida.

Depois de Deus providenciar água uma vez mais (17.1-7), dessa forma silenciando o reclamação do povo por um breve período pelo menos, o texto dirige a atenção para outra maneira de o Senhor libertador sustentar os eleitos. Desta vez o problema encontra-se na capacidade de Yahweh derrotar inimigos no deserto, o que por sua vez levanta a questão de Yahweh estar limitado a uma região geográfica em particular ou a condições desér­ ticas em contraste com as condições de bastante água de Êxodo 14. Em outras palavras, a questão é quão universal o poder de Yahweh pode ser e se, portanto, Yahweh é um “guerreiro” no sentido mais amplo da palavra (15.3).

De forma decisiva Yahweh revela ter tanto vigor no deserto quanto perto do mar. Uma nova personagem, Josué, conduz o povo à vitória, mas consegue fazê-lo só porque Arão e Hur (outra nova personagem) mantêm firmes e estendidas as mãos de Moisés enquanto elas erguiam a vara de Deus para os céus (17.8-13). Mais uma vez a batalha foi do Senhor. Após a batalha Moisés recebe instruções para escrever num rolo sobre o assunto, o que dá início às referências bíblicas a Moisés compondo o Pentateuco no todo ou em parte. Este evento merece um registro permanente porque revela num acontecimento histórico específico como Yahweh dirige even­ tos humanos ao capacitar o povo escolhido. Conquanto Israel tenha de exercer fé suficiente para entrar na batalha, é a lealdade de Yahweh que alcança o triunfo. Expressa de outra forma, neste episódio a soberania de Deus cria, fortalece e valida a fé.

Êxodo 18 conclui esta seção, mostrando que Deus sustém Moisés, o líder do povo escolhido, e providencia um contexto em que Israel pode governar-se a si próprio. Esses conceitos são expressos numa narrativa em que Jetro, o sogro de Moisés, traz a esposa e os filhos de Moisés para juntar-se aos israelitas no deserto (18.1-6). A contribuição de Jetro consis­ te em afirmações feitas na forma de confissão e de uma preocupação com o fardo de liderança sobre os ombros de Moisés.

G>sExodus, p. 132.

Primeiro, ao ver a obra de Deus a favor de Israel, Jetro, como os israeli­ tas de Êxodo 15, louva o poder salvador e a incomparabilidade de Yahweh (18.9,10). Para ele tais feitos comprovam a singularidade do Senhor, pelo menos no sentido de que Yahweh “é maior do que todos os outros deuses” (18.11). Talvez Jetro simplesmente pense que Yahweh é o maior de todos os deuses que existem.70 Sendo esse o caso, ele aprendeu o que o faraó descobriu, embora não tenha o privilégio de saber o que os leitores do cânon sabem: Yahweh é o único Deus. Outros deuses podem existir lin- güisticamente, mas não existem ontologicamente.

Segundo, Jetro observa que Moisés julga disputas o dia inteiro; ele aconselha o genro a colocar juizes capazes, tementes a Deus e honestos “como chefes de mil, de cem, de cinqüenta e de dez” (18.21). Dessa forma Moisés cuidará pessoalmente apenas dos casos difíceis (18.22,23). Moisés concorda e implementa o plano (18.24-26). Assim o líder de Israel recebe a ajuda de que necessita para ser sustentado em seu trabalho. Também o fato de existir agora vários juizes torna bastante desejável, senão absoluta­ mente necessária, a instrução geral sobre a ordem moral social. Não deverá ser surpresa que padrões para a conduta de Israel logo aparecerão no texto.

Segunda parte: a aliança (Êxodo 19—24)

Estes capítulos descrevem um dos grandes momentos de definição da his­ tória israelita e das teologias do AT e bíblica. Embora William J. Dumbre- 11 talvez esteja forçando um pouco, ele quase atinge o alvo quando comen­ ta que “é vital uma compreensão correta desses versículos que, por conse­ qüência do Sinai, chamam Israel à sua vocação. Deste ponto em diante a história de Israel é, na realidade, um mero comentário sobre o grau de fidelidade com que Israel aderiu a essa vocação outorgada no Sinai”.71 O que Deus e Israel dizem aqui une linhas de pensamento redentivo que anteriormente apareceram no cânon e ao mesmo tempo estabelece a dire­ ção futura do povo escolhido. Princípios subjacentes, como graça, fé e obediência continuam válidos, contudo passam a ter um contexto mais amplo para operar. À medida que tais princípios se desenrolam, torna-se aparente a singularidade da transcendência, autoridade e sabedoria divi­ nas. Aliás, Deus, revelação e autoridade72 combinam aqui de forma calcu­ lada a produzir um povo único e santo.

70Ibid., p. 149; e Durham, Exodus, p. 241.

11 C ovenant a n d creation', a theology of Old Testament covenants, p. 80.