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Deus que exige santidade: Levítico 17—

Levítico

Deus que exige santidade: Levítico 17—

Levítico 17—27 ressalta a santidade como um princípio fundamental. Israel deve ser diferente das nações cananéias que desalojará (18.1-5). Os israelitas devem ser santos porque seu Deus é santo (19.2; 20.7,26) e os separou como povo santo e escolhido (20.26). Deus baseia na santidade pessoal as regras daqui (21.23), torna santas as próprias regras (22.16), torna santo o povo (22.31-33) e torna santas festas religiosas especialmen­ te escolhidas (23.1—25.54). O propósito divino na revelação deste mate­ rial remonta pelo menos até Êxodo 19.5,6, pois os mandamentos destes capítulos têm o propósito de tornar Israel o povo distinto e separado, que para isso Deus escolhera e libertara.

Como isso aconteceria? Comprometendo-se com Yahweh não apenas na adoração cultual, mas também nas áreas de sexualidade, relacionamen­ tos e práticas comerciais. Nenhuma área significativa da vida escapa do chamado à santidade. Clements assim explica:

A santidade à qual somos chamados não é uma simples questão de piedade pessoal, nem mesmo uma mera participação na adoração pú­ blica, mas todo um estilo de vida, envolvendo cada aspecto de compro­ misso pessoal, familiar e social. A santidade divina impõe um padrão

completo de comportamento moral e social sobre quem ele escolheu, de maneira que essa santidade faz com que a santidade responsiva deles seja uma exigência da qual não se pode fugir.51

Israel só pode ser santo à medida que obedece à palavra do Santo que os escolheu e livrou. A santidade deles deriva do relacionamento com Yahweh e estender-se-á às atividades e relacionamentos com outros seres humanos.

Não haveria razão para Deus livrar Israel a fim de que o povo escolhido se envolvesse nas mesmas práticas que levam o mundo a afundar numa depravação cada vez maior. Mais uma nação como todas as outras dificil­ mente contribui para melhorar o clima moral da terra. Desse modo os mandamentos de Levítico 17— 19 destacam o fato de que Israel deve ser diferente das nações que desalojará, deve ser mais santo do que elas. Sua adoração (17.1-16) e práticas sexuais (18.1-30) devem ser de qualidade superior a dos cananeus. Em vez de tomar nações corrompidas como mo­ delo, Israel deve emular o caráter e conseqüente comportamento de seu Deus santo (19.1-37).

Levítico 17 reitera a escolha divina do tabernáculo como o local pró­ prio para adoração.52 Lá o povo deve fazer seus sacrifícios (17.1-9) e corre­ tamente dispor do sangue animal (17.10-12). À medida que aprendem a fazê-lo, também saberão como comer animais que podem, mas não preci­ sam, ser usados em sacrifícios (17.13-16). Ter cuidado nestas questões evitará que Israel venere deuses falsos (17.7) e se envolva em rituais em que o participante bebe sangue para adquirir poder divino,33 Assim separar- se-ão de povos vizinhos como um testemunho claro da natureza santa e peculiar do seu Deus. Guardar o primeiro dos Dez Mandamentos leva naturalmente a obedecer e adorar o único Deus que existe.

Levítico 18 entra em maior profundidade na vida pessoal dos israelitas. Viver como povo santo de Deus inclui evitar práticas sexuais que egípcios e cananeus adotavam em sua adoração e na vida diária (18.1-3). Quando Israel entrar em sua terra, deverá ater-se aos padrões que Deus lhes dá e não a regras descobertas quando lá chegarem (18.3,4). O povo acha-se entre a cosmovisão que deixaram para trás no Egito e os padrões de pensa­ mento que encontrarão em Canaã. Nesse meio tempo oferece-se-lhes um modo de vida que assegurará vida longa na terra (18.5). Esta vida implica ter existência separada como povo diferente dos adoradores de outros deu­

5lLeviticus, p. 47. 52Levine, Leviticus, p. 111.

ses, outra maneira de referir-se aos que reverenciam a si próprios e seus apetites.

Neste capítulo mencionam-se cinco questões relacionadas à sexualida­ de humana, e cada uma das cinco diz respeito a interação entre adoração e ética. Primeiro, Levítico 18.6 afirma que os israelitas não devem ter rela­ ções sexuais com “uma parenta próxima”; então os versículos 7-19 defi­ nem essa expressão. Ao fazê-lo, define também o que são familiares próxi­ mos e familiares distantes, definição esta que, por sua vez, permitirá que Israel mantenha a posse da Terra Prometida (v. 18.24-28).54 Essas proibi­ ções contra atividades sexuais incestuosas demonstram que Deus se opõe a abusos sexuais, ao uso errado da autoridade para tirar vantagem sexual, à quebra da confiança relacional nas famílias e ao uso de qualquer pessoa, não importa o sexo, como objeto de satisfação de quaisquer desejos desen­ freados de alguém.55 Outras nações talvez encarem a sexualidade como uma sede que se pode saciar da maneira como os seres humanos bem entenderem, mas Israel deve ter uma abordagem diferente, santa, frente a essas questões. Sexo não é uma arma a ser empregada para obter vantagens na família ou na sociedade.

Segundo, Yahweh lembra o povo de que o adultério é proibido (18.20). Dentre outras coisas, o adultério torna impuros os que o cometem (18.20), enfraquece os laços de família, destrói ou pelo menos prejudica a confiança do cônjuge e da comunidade e é uma quebra da aliança feita com Yahweh, cuja fidelidade e apego para com Israel jamais se põe em dúvida. Terceiro, não se deve sacrificar as crianças israelitas a Moloque, um deus antigo que freqüentemente “era representado por uma estátua de bronze oca e podia ser aquecida, tinha uma cabeça de touro e braços estendidos para receber crian­ ças a ser sacrificadas”.56 As crianças israelitas não são alimento para os deu­ ses, nem tampouco é aceitável livrar-se delas quando criá-las causar algum inconveniente. A fidelidade teológica inclui responsabilidade dos pais.

Quarto, a homossexualidade é proibida (18.22). Marvin H. Pope de­ clara que rituais de culto que empregavam prostitutos sacros homossexuais eram, sem dúvida alguma, “uma prática de longa tradição na Siro-Palesti- na e em todo o antigo Oriente Próximo em tempos pré-israelitas”.57 Tais práticas são “detestáveis”, “uma atividade que Deus abomina”.58 A homosse­

54Levine, L eviticus, p. 117-24.

5,V. o magnífico tratamento de Hartley a essas questões em Leviticus, p. 298-301.

5SKeil, Leviticus, vol. 1, p. 416.

xualidade, à semelhança dos pecados já mencionados, destrói a unidade familiar que Deus institui e deseja abençoar com a permanência na Terra Prometida. Uma vez mais a teologia causa impacto na atividade sexual.

Quinto, Deus denuncia a bestialidade (18.23). Wenham diz que a bestialidade é mencionada em fontes egípcias, cananéias e hititas. A pro­ pósito, “havia um ritual cultual na região oriental do delta [do Nilo] que envolvia a coabitação de mulheres e bodes. Aliás, Ramsés íi, possivelmente o faraó do Êxodo, reivindicava ser filho do deus Ptá, que assumia a forma de um bode”.59 A bestialidade rompe os laços familiares estabelecidos quando Deus determinou que Eva, e não um animal, completasse Adão (Gn 2.18-25).

Tomar parte nessas cinco práticas sexuais proibidas põe em risco o fu­ turo de Israel na Terra Prometida. De fato, Deus decide remover os cana­ neus por causa da teologia e ética corrompidas que tinham (18.24-28). Os israelitas que preferem atos abomináveis à santidade devem ser elimi­ nados da nação escolhida, para que o pecado não se espalhe (18.29,30). Será necessária vigilância para Israel continuar sendo claramente de Yahweh, quando o povo entrar numa terra nova e for confrontado com novas cos- movisÕes e sistemas de valores que são mais parecidos com os do Egito do que com aqueles revelados no Sinai.

Os mandamentos de Yahweh continuam a avançar, causando impacto cada vez maior nas várias esferas da vida. Até agora o povo recebeu orienta­ ção sobre como proceder no santuário e em casa; agora é instruído a como conduzir-se numa variedade de outras situações. Como nos Dez Manda­ mentos, o respeito a Deus e ao próximo emolduram essas leis (19.2,18), como também o faz o fato de que Israel como um todo pertence a Yahweh (19.3,4,10,12).

Em Levítico 19 Yahweh reafirma a base para leis divinamente outorga­ das e a expectativa de que guardem esses mandamentos. Como já fora dito em Levítico 11.44, Levítico 19.2 afirma que a busca de santidade por Israel fundamenta-se no princípio de que Deus é santo. Cari Henry co­ menta que

santidade não é uma qualidade intrinsicamente humana. Deus é o San­ to de Israel não porque esteja ligado a Israel, mas porque ligou Israel a si mesmo. Somente na e mediante a revelação divina deste fato é que Israel se torna uma nação santa, um povo santo, uma semente santa, uma congregação santa, um reino santo de sacerdotes.60

59L eviticus, p. 252.

A chave para a posição de Israel como nação santa é o desejo de guardar as leis e decretos divinos porque Yahweh é seu Deus (19.37). Dessa forma relacionamento e fidelidade unem-se para criar santidade.

Entre o alicerce da santidade (19.2) e sua expectativa (19.2,37) encon- tram-se desafios que caracterizam o comportamento do povo santo. Repe­ te-se ou explica-se praticamente todos os Dez Mandamentos, o que torna este capítulo uma das grandes declarações éticas das Escrituras junto com textos como Amós 5, Miquéias 6, Ezequiel 18 e Jó 31.61 Como de costu­ me, proibe-se a idolatria e espera-se uma adoração de qualidade de Yahweh (19.48,30). Acrescentam-se também mandamentos para evitar adivinha­ ção, feitiçaria, médiuns e espíritas (19.26,31), sem dúvida porque essas atividades ocultistas e os que oferecem tais serviços equivalem a adorar deuses falsos e consultar seus profetas falsos em busca de orientação. Israel deve confiar em Deus e na vontade revelada de Deus, e, Wenham acres­ centa, “quando Deus estava silencioso, esperava-se que o povo andasse pela fé e vivesse de acordo com a vontade geral de Deus revelada na lei”.62

Além dessas leis sobre relacionamento divino-humano, existem man­ damentos específicos sobre a maneira como as pessoas devem tratar o pró­ ximo. Um mandamento-sumário destaca-se acima dos demais: “Não pro­ curem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor” (19.18). Dar ouvidos a esta advertência permite às pessoas evitar roubar, dar falso testemunho, oprimir os pobres ou perverter a justiça (19.9-16). Abrange pecados que começam no coração, onde tem origem as motivações que levam a tal atividade impura (19.17). Também abrange pecados contra estrangeiros, família e aqueles com quem temos negócios (19.20-36). Nin­ guém está fora da definição que cada israelita tem de “próximo”. Para a nação santa dar um testemunho claro acerca do seu Deus santo, deve-se respeitar e amar todos os seres humanos.

A santidade de Deus vai além da decisão de amar (18.13), da orienta­ ção divina e da auto-revelação pessoal (19.2). Também inclui castigar o revoltoso contra essas qualidades e os mandamentos delas resultantes. Doutra forma, os imperativos divinos seriam transformados em meras pre­ ferências divinas. O cânon já apresentou o Deus criador e sustentador como o Deus juiz (v. Gn 19). O mesmo Deus que chamou e livrou Israel também julgou-os por estar obcecados com o bezerro de ouro (v. Êx 1—

° Gammie, H oliness in Israel, p. 34.

34), e o mesmo Deus que escolheu a família de Arão para conduzir a adoração dos israelitas abateu dois membros daquela família por desobe­ decer ordens e contaminar o santuário (v. Lv 8— 10). Desse modo dificil­ mente alguém ficaria surpreso ao descobrir castigos específicos para o pe­ cado determinados pelo Deus que “está pessoalmente ativo na história e cuja retidão majestosa nem mesmo os objetos escolhidos do seu amor ou­ sam provocar”.63 Neste trecho de Levítico o Senhor determina o castigo dos que quebram os mandamentos estabelecidos nos capítulos 18—20 (Lv20), dos sacerdotes que sacrificam incorretamente ou aproximam-se do altar sem a devida permissão (21.1—22.16) e dos sacerdotes e adora­ dores em geral que trazem oferendas erradas até o altar (22.17-33).

Talvez o pior castigo possível esteja implícito em Levítico 22.17-33. Aqui Yahweh explica que trazer animais defeituosos ao altar não conduz a nada proveitoso.64 Tais oferendas não agradam a Deus.65 Elas fazem a pessoa perder o direito à comunhão com Deus.66 Em outras palavras, elas não fazem expiação pelo pecado, o que significa que a falta de consideração de Israel para com as instruções de Yahweh impedem o perdão a esta altura. Não existe nenhum castigo mais severo. Alguém talvez ache que tais reprimendas revelam falta de amor, mas pensará de modo diferente quando lembrar-se de que o Deus que ama Israel com devoção, faz essas exigências ao povo (22.31-33). O amor divino conduz à santidade de Israel, para não falar da própria existência da nação. E razoável concluir que o amor determina limites e conseqüências aqui da mesma maneira como abre novos níveis de liberdade em Exodo.

Que Deus tem domínio sobre a história é algo evidente deste Gênesis 1—3. Embora auto-existente antes que os dias e as estações começassem a marcar o tempo, Yahweh dirige eventos que acontecem no tempo e no espaço. Dessa maneira o Senhor assegura-se de que o tempo tenha signifi­ cado, que os acontecimentos sejam eventos, que os instantes tenham sig­ nificação. Em nenhum outro lugar este princípio se torna mais claro do que em Levítico 23—25, onde o Senhor separa certos dias e semanas san­ tos, os quais marcam tanto a história antiga quanto a contemporânea mais do que o mero passar do tempo. A existência do sábado introduziu esta idéia já em Gênesis 2.2,3, e a necessidade de festas aparece a partir de Êxodo 12.1-28; 23.14-77 e 34.18-25. Contudo o conceito de tempo

63Henry, God, revelation a n d authority, vol. 6, p. 330. 64Clements, Leviticus, p. 59.

sagrado torna-se agora mais claro como parte do plano geral de adoração revelado em Levítico.

A observância do sábado serve de base para todas as festas israelitas. Presente no próprio alicerce da criação (Gn 2.2,3) e incluído como parte dos Dez Mandamentos fundamentais de Êxodo 20.1-17, o sábado é o lembrete mais consistente, na verdade semanal, de que o povo santo serve a um Deus santo (23.3). Interromper o trabalho a cada semana indica que os israelitas não são mais escravos dos egípcios ou do próprio trabalho. Descansar também permite que Israel permaneça em comunhão com seu Deus.67

A Páscoa está integralmente associada ao Êxodo da mesma maneira como o sábado está ligado à criação e aos Dez Mandamentos da aliança. A observância da Páscoa assinala o início do ano para Israel (23.4), assim como o Êxodo assinalou o início de Israel como nação (v. Êx 12.1-28). A Páscoa lembra Israel de que Deus libertou o povo escolhido para ser um povo santo e julga quem age como o rebelde e cruel faraó.68 Dessa feita, o caráter de Deus revela-se durante essa festa e também nas observâncias decorridas dela: a Festa dos Pães Asmos (23.6-8) e a dádiva das primícias (23.9-14). A Páscoa e a Festa dos Pães Asmos anunciam que Deus deu vida e liberdade a Israel, enquanto a dádiva das primícias declara que Yahweh concede uma existência frutífera a Israel em sua terra pátria. Israel deve recordar ano após ano que o Êxodo não foi um acidente ou uma coincidência e que Yahweh, o Criador, providencia colheitas que sustentam o povo. Esses lembretes serão especialmente importantes quan­ do, na Terra Prometida, Israel encontrar cultos cananeus à natureza.69

Sete semanas depois da Páscoa, Pães Asmos e Primícias dar início ao ano de Israel, ocorre a Festa das Semanas (23.15-22). Essa festa da colheita, como a observância das Primícias, demonstra que Yahweh abençoa Israel com cereal. As estações do ano pertencem ao Senhor, que as fez. Israel deve dar testemunho desse fato como uma maneira de agradecer ao Senhor e como um lembrete de que o único Deus que cria também salva e abençoa.70 Ao fazê-lo, também testificam a outras nações acerca do poder de Yahweh.

SlSHamson, L eviticus, p. 213.

67Vriezen, An ou tlin e o fO ld Testament theology, p. 281. S8Eichrodt, T heology o ft h e O ld Testament, vol. 1, p. 129.

S9Embora eu discorde da reconstrução que Von Rad faz das origens da vida religiosa de Israel, a análise que ele faz dos problemas enfrentados por Israel nesta área é precisa. Cf. Von Rad, O ld Testament theology, vol. 1, p. 19ss (publicada em português com o título

Teologia do Antigo Testamento).

Três semanas são separadas no mês sétimo para três eventos semelhan­ tes: Festa das Trombetas, Dia da Expiação e Festa dos Tabernáculos. O primeiro evento reúne Israel numa assembléia sagrada no primeiro dia do mês (23.23-25), ao que parece para preparar o povo para o importantíssi­ mo Dia da Expiação (23.26-32), que já foi descrito detalhadamente em Levítico 16. Após receber perdão dos pecados, o povo comemora e reence- na o Êxodo mediante a observância da Festa dos Tabernáculos (23.33-44). Uma vez mais Israel é lembrado de que Deus está agora presente no meio deles como havia estado no Êxodo.71 A história demonstra uma realidade contínua, pois anuncia que Yahweh, à moda do Êxodo, está poderosamen­ te presente no meio de um povo santo, o qual está dedicado a ser como os pioneiros que deixaram o Egito para seguir o Senhor. Deus chama, provê, perdoa e protege, e a observância dessas festas e dos rituais associados de­ monstra a fé de Israel em seu Deus.

Os dois últimos marcadores de tempo sagrado apresentam as propos­ tas mais radicais de Yahweh para descanso, renovação e perdão na vida normal. A cada sete anos deve-se dar descanso à terra. Ela deve ficar incul- tivada (25.1-6). Pode-se consumir o que quer que cresça sozinho (25.6), mas Israel deve ter fé de que Deus, nos anos precedentes ao ano sabático, proporcionará colheita suficiente para que o povo sobreviva ao ano de des­ canso (25.18-22).72 O maná que receberam a partir do momento em que saíram do Egito (v. Êx 16) vem operando de um modo semelhante, ainda que semanal, de sorte que o princípio não é novo. Assim mesmo, o âmbito da fé de Israel deve ampliar-se, e, para isso acontecer, o povo deve crer de verdade que a vida não consiste apenas em trabalho, dinheiro, poder, su­ cesso e desejos. Pelo contrário, sua realização pessoal deve estar em consti­ tuir o povo santo de Deus.

Ademais, a cada cinqüenta anos Israel deve comemorar um ano de ju­ bileu em que dívidas são perdoadas, pessoas obrigadas a trabalhar contra sua vontade são liberadas e terras ancestrais são devolvidas a seus proprie­ tários originais (25.8-28). Essa observância repousa sobre quatro princípi­ os específicos:

1. O povo deve temer a Deus e recusar-se a tirar vantagem uns dos outros (25.17).

2. O povo deve confiar em Yahweh para sustê-los. Deve ter fé (25.18-22).

71 Cf. Paul D. Hanson, T hep eop le called: the growth of community in the Bible, p. 51. 72fliristopherI. H. Wright,^4« e y efir a n eyer. the place of.Old Testament ethics today, p. 61.

3. O povo deve perceber que a terra pertence a Deus, que divide-a entre eles pela graça, não por mérito ou posição social (25.23,24). 4. O povo deve compreender que eles próprios, não importa a condição

econômica, pertencem a Deus. Por isso os seres humanos não são propriedade humana em qualquer sentido permanente (25.35-55). Em outras palavras, Israel deve reconhecer que o Deus que os criou e os resgatou é quem os possui e que o Deus que criou a terra pode decidir que seres humanos possuam temporariamente a terra.

Esses padrões indicam que, numa nação santa, deve-se ajudar os po­ bres e desamparados (25.35-38; v. 23.22). Outros países tiveram leis de liberação nesse período, de modo que o povo de Yahweh seguramente também pode tê-las.73 Se todas as pessoas são feitas à imagem de Deus (Gn 1.26) e se todos os israelitas são participantes da aliança no Sinai, então certamente todas as pessoas são inerentemente iguais perante a lei divina e também devem sê-lo na esfera humana.

Verdadeiramente, então, o tempo pertence a Deus. Os seres humanos que aceitam esse princípio percebem que, para Deus, a história pessoal importa tanto quanto magníficos eventos históricos como o Êxodo. À medida que Israel adota essa noção, o povo ganha repouso, tem liberdade para ter sucesso e não mais ser escravo de si mesmo, vê-se livre da cobiça e descobre o valor da comunidade. Em outras palavras, torna-se santo assim como seu Deus é santo quando reconhece que Deus estabelece o tempo, dirige os eventos e guia seu povo ao longo de uma história que eles próprios são incapazes de controlar.

A esta altura Israel deve ter uma idéia de como o caráter e as expecta­ tivas divinas se cruzam. Não se tratou de todas as questões possíveis sobre a vida, mas essas questões vitais como adoração, sexualidade, estru­