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Deus que exige fidelidade: Levítico

Levítico

Deus que exige fidelidade: Levítico

Finalmente o livro termina com uma seção sobre votos feitos ao Senhor. Levítico 26 consiste no voto de Deus a Israel, enquanto Levítico 27 reflete a seriedade de cumprir os votos feitos a Deus. Assim como pode-se supor que Deus cumprá seus votos, da mesma forma supõe-se que Israel ou fará exatamente como prometeu ou pagará um preço por não fazê-lo. Certa­ mente nada menos poder-se-ia esperar do Deus santo, e nada mais poder- se-ia esperar de uma nação santa, escolhida por aquele Deus e está em íntimo relacionamento com ele.

Síntese canônica: santidade e amor

Embora muito poder-se-ia dizer do uso canônico de muitas das idéias de Levítico 17—27, quatro textos merecem talvez menção especial por ser

74Harrison, Leviticus, p. 230.

75Cf. Levine, Leviticus, p. 275; Hartley, Leviticus, p. 459; e Wenham, Leviticus, p. 327. 76Dale Patrick, O ld Testament law, p. 238-9.

particularmente vitais para a teologia canônica. Primeiro, Levítico 18.1-5 introduz as regras para a pureza sexual, ao lembrar Israel da autoridade de Yahweh sobre eles (18.2), ao declarar que Israel não deve viver nem adorar como os egípcios e cananeus (18.3), ao ordenar que Israel obedeça aos padrões divinos revelados (18.4) e ao prometer que os obedientes às esti­ pulações divinas ganharão a vida (18.5). Em Levítico a palavra vida pode ter o sentido de vida física (v. 10.1-3) ou de um viver abundante, repleto de bênçãos, na Terra Prometida (v. 26.1-13). No contexto imediato esta última definição parece especialmente plausível devido às repetidas adver­ tências, em Levítico 18.24-28, sobre condições para possuir a terra. Ezequi­ el reflete sobre Levítico 18.1-5 em Ezequiel 20.11,13 e 21. Em cada opor­ tunidade o profeta emprega a expressão “aquele que lhes obedecer por elas viverá” para indicar que Israel quebrou todos os mandamentos de Levítico

18.1-4, o que significa que a nação perdeu a vida prometida em 18.5. Três textos do NT citam Levítico 18.1-5. Jesus faz alusão à passagem quando testa o verdadeiro nível de obediência que o jovem rico tem para com a lei (Lc 10.28). Paulo cita o versículo em Romanos 10.5 e Gálatas 3.12, ambas as vezes para fazer contraste com passagens citadas do AT que ressaltam a fé e ambas as vezes para corrigir a idéia errônea de que salvação e retidão vêm pelas obras. E provável que os oponentes de Paulo tenham citado Levítico 18.5 sem referir-se a versículos como Levítico 19.17, que trata dos motivos, ou Levítico 25.18-22, que determina que Israel creia que Yahweh proverá o que for necessário para celebrar o jubileu, ou mes­ mo Levítico 19.18, onde o amor é a fonte da fidelidade israelita.77 Aqueles oponentes parecem seguramente ignorar os muitos textos que enfatizam a fé e são citados por Paulo.

De qualquer forma, Paulo assinala que a nação de Israel jamais guardou a lei, mesmo por curto período de tempo, e, portanto, jamais desfrutou plenamente as bênçãos esboçadas em Levítico 26.1-13. Pelo contrário, ela sentiu a dureza das conseqüências detalhadas em Levítico 18.24-28 e 26.14- 45.78 Assim, os leitores de Paulo devem receber a oferta divina de salvação mediante fé em Cristo, tendo gratidão e o tipo de fé e júbilo que faltou a Israel durante a maior parte de sua história. Oferece-se nova vida não por­ que a lei seja pecaminosa, mas porque as pessoas são pecadoras (G1 3.21,22), não porque Deus seja incoerente, mas porque as pessoas são. Antes da morte de Cristo a fé em Deus precedia e fortalecia a obediência (G1 3.6-9; citando Gn 15.6). Depois da cruz, aquela fé é posta especialmente em

77R. Laird Harris, Leviticus, em Expositors B ible com m entary, vol. 2, p. 598. 7SFrank Thielman, P aul a n d the law. a contextuai approach, p. 129.

Jesus, e a obediência está voltada para os ensinos gerais de Jesus sobre o AT e para outros conceitos baseados em sua vida e obra, os quais Paulo e outros escritores bíblicos partilham.

Outro texto com significado canônico especial é Levítico 19.2, que declara que a necessidade de Israel ser santo baseia-se na santidade ineren­ te de Deus. O AT define Deus como santo tanto mediante afirmação direta quanto mediante declaração de que Deus torna santos pessoas e objetos. Por exemplo, o cântico de livramento de Israel no mar Vermelho inclui o comentário específico de que Deus é majestoso em santidade (Ex 15.11). O povo claramente deduz esta conclusão a partir da capacida­ de de Yahweh em salvar. Levítico 11.44 e 19.2 exige santidade de Israel por causa da santidade intrínseca de Deus, uma afirmação que Josué tam­ bém faz quando pede que Israel renove seu compromisso pactuai com Yahweh (Js 24.19). Isaías chama Yahweh “Santo” 28 vezes.79 A mais co­ nhecida declaração isaiânica sobre a santidade inerente de Deus ocorre em Isaías 6.3, onde o profeta tem uma visão de serafins dizendo: “Santo, san­ to, santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua glória”. Ralph L. Smith observa que a mais clara declaração de santidade divina aparece em Amós 4.2, pois aí Deus faz promessas com base em sua santi­ dade.80 A palavra de Deus é tão santa quanto o caráter de Deus. Ezequiel 36.20 diz que o nome de Deus é santo, o que equivale dizer que o caráter de Deus é santo. Finalmente, Salmos 89.35, ao fazer Deus jurar pela sua santidade, estabelece paralelo com Amós 4.2, e Salmos 99.39 repete a tríplice afirmação da santidade de Deus por Isaías.

De inúmeras maneiras Deus revela essa santidade característica, mas o cânon concentra-se no fato de que a santidade de Yahweh é melhor de­ monstrada na aliança com Israel. A própria escolha e livramento divinos de Israel mostram que a santidade de Deus inclui amor e graça.81 O dese­ jo de Yahweh de restaurar Israel após o incidente do bezerro de ouro e a revelação divina do sistema sacrificial como meio de expiação indicam que a santidade do Senhor abarca paciência e perdão. A ênfase do profeta na recusa divina em rejeitar Israel por causa das repetidas transgressões do povo significa que a santidade de Deus determina uma fidelidade apaixo­ nada, aparentemente ilógica, ao povo escolhido (v. Os 11.8,9).82 Definir a santidade de Deus exige combinar todos os traços de caráter que o cânon atribui ao Senhor.

79Henry, God, revelation a n d authority, vol. 6, p. 324.

mO ld Testament theology. its history, method and message, p. 191.

81Christoph Barth, God w ith us: a theological introduction to the Old Testament, p. 100. 82Walther Zimmerli, O ld Testament theology in outline, p. 190.

Mas que dizer da santidade de Israel? Êxodo 32—34 mostra que Israel pode ser um grande fracasso na tentativa de ser uma nação santa ao Senhor (v. Êx 19.5,6). A tentativa fracassada de entrar em Canaã em Números 13 e 14, as recaídas periódicas na idolatria em Juizes, a gradual perda de território em 2Reis, a corrupção que os Profetas Posteriores descrevem tão vividamente, a fraqueza que o povo revela em muitos salmos e os fracassos morais em Esdras e Neemias são testemunho da propensão de Israel a evitar a santidade. Contudo, o exército de Josué consegue conquistar Ca­ naã, Davi consegue estabelecer uma nação forte, e os profetas conseguem ser israelitas fiéis, como também o conseguem Rute, Daniel, Esdras, Nee­ mias e o Cronista. O pecado leva Israel a, no final, perder sua terra pátria, contudo jamais rouba de Deus um remanescente de filhos fiéis de Abraão. A santidade diminui, mas nunca desaparece; ela, contudo, jamais permeia Israel suficientemente para tornar as bênçãos de Levítico 26.1-13 uma realidade permanente.

Pedro revisita Levítico 19.2 quando exorta seus leitores a manter um testemunho vibrante em meio à perseguição (IPe 1.13-16). Ele considera a santidade a melhor defesa da igreja contra a conformação às expectativas do mundo e também afirma que a santidade é uma maneira particular­ mente eficaz de dar testemunho da graça de Deus em sua vida (IPe 2.9- 12). Tais convicções equiparam-se à crença de Paulo de que Deus redimiu os cristãos para ser “santos e irrepreensíveis em sua presença” (Ef 1.4). Estas passagens e outras semelhantes explicam por que Paulo rotineira­ mente chama os crentes de “santos” (p.ex., Ef 1.1; Fp 1.1) e por que ele considera como “judeu” (Rm 2.28,29) e alguém “enxertado” no povo de Deus (Rm 11.17) todo o que confia em Cristo.

Além de Levítico 18.15 e 19.2, o princípio de amar o próximo como a si mesmo, princípio este encontrado em Levítico 19.18, também oferece intuição canônica específica. Êxodo 21.24 e Deuteronômio 19.21 decla­ ram que na aliança o padrão de justiça é “olho por olho, dente por dente”, o que significa que cada castigo deve ser adequado ao crime tratado. Leví­ tico 19.15 oferece um padrão semelhante, declarando que deve-se de­ monstrar justeza e não parcialidade com cada pessoa, não importa qual seja sua condição econômica. Como explicação mais detalhada desse prin­ cípio, Levítico 19.18 ordena que Israel ame seu próximo como a si mes­ mo. Justeza e justiça são definidos por meio deste tipo de amor apropria­ do, não por vingança ou um “amor” que jamais se opõe ao erro.

Não há dúvida de que Isaías (p.ex., Is 10.14), Jeremias (p.ex., Jr 7.18) e Ezequiel (Ez 18.10-13) empregam Levítico 19.18 como um padrão ge­ ral para condenar a opressão e a violência em Israel. Juntando-se a eles na

sua indignação, vemos Amós, que relata o pecado de Israel e ao mesmo tempo também oferece um sumário dos pecados das nações gentílicas. Amós afirma que Tiro quebrou um tratado entre “irmãos” (Am 1.9), outra maneira de dizer que fizeram a outros o que não queriam que fizessem a eles ou a suas famílias.83 Desse modo o princípio de Levítico 19.18 colo­ ca-se como um meio universal de julgar o pecado humano. Jesus com certeza concorda com isso, pois denomina este mandamento e o manda­ mento de amar a Deus (v. Dt 6.49) as duas leis que sintetizam toda a legislação divina (v. M t 22.39; Mc 12.31; Lc 10.27).

Finalmente, Levítico 26 e o texto com que forma par, Deuteronômio 27 e 28, estabelecem o padrão para o possível sucesso ou fracasso de Israel na Terra Prometida. Como já foi dito, a obediência ou desobediência de Israel frente às estipulações da aliança determinavam se eles viveriam (18.5), seriam santos (19.2), amariam o próximo (19.18), ou seriam abençoados (26.1-13) ou amaldiçoados (26.14-45) em sua terra pátria. Os avaliado­ res da história de Israel nos Profetas Anteriores (p.ex., 2Rs 17), nos Profe­ tas Posteriores (p.ex., Ez 20) e nos Escritos (p.ex., SI 78 e 79) estavam convencidos de que o pecado de Israel, e não a infidelidade divina, custou ao povo escolhido a Terra Prometida.

Conclusão

Em todo o livro de Levítico o Deus único continua a exigir fidelidade para si. Israel deve a todo o custo evitar ídolos e deve rejeitar as práticas de adoração dos egípcios e cananeus. Só o Deus único pode salvar. Só o Deus único faz uma aliança com seres humanos. Só o Deus único revela padrões concretos, compreensíveis, santos ao povo. Só o Deus único tira Israel de atividades prejudiciais e vergonhosas para torná-los um povo santo. Só o Deus único perdoa sem restrições e julga retamente. Só o Deus único está pronto a dar a Israel uma terra própria.

83Cf. Hans Walter Wolff, J o e l a n d Amos: a commentary on the books of the prophets Joel and Amos, p. 159.

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